Visitamos nosso país vizinho e trouxemos na bagagem as surpresas da indústria vinícola chilena que não podem ficar de fora da sua taça
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 05/05/2016, às 15h12 - Atualizado às 15h12
Da planície às encostas, os vinhedos da Luis Felipe Edwards são plantados em até 900 metros de altitude |
A população do país é pequena (pouco mais de 15 milhões de habitantes), espalhados numa terra comprida e estreita, geograficamente muito distinta, com duas cordilheiras, lagos, vulcões, geleiras e o deserto mais seco do mundo. O Chile, no entanto, consegue, nesse território tão sui-generis, ter 13 regiões vitivinícolas com quase 200 empresas em funcionamento, produzindo 788 milhões de litros por ano, segundo dados de 2005. Em uma recente viagem, a convite do programa Wines of Chile/Prochile, tive a preciosa oportunidade de provar quase 250 vinhos de mais de 20 vinícolas diferentes, desde os ícones como Dom Melchor, Almaviva e Montes M, até vinhos quase artesanais. Após esse périplo, mais do que qualquer rótulo, o que chama a atenção na viticultura chilena atual é o esforço. Esforço para mudar a imagem de um país que ficou conhecido por produzir vinhos com preço justos (mas fáceis e baratos), esforço para se diferenciar de seu vizinho, a Argentina, esforço para implementar um método de produção com mais êxito, como o da Austrália, esforço para desenvolver novos terroirs que acrescentem singularidades ao vinho chileno. A tudo isso se soma a natural discrição e simpatia chilenas e o alto nível de seus profissionais. O esforço, provavelmente a longo prazo, valerá a pena. Como tantos outros países do mundo do vinho, o Chile produz mais do que vende, embora quase 75% de sua produção seja para exportação. Ainda assim, os olhos das equipes de vendas das vinícolas (não raro formadas por enólogos ou por engenheiros) estão na conquista de novos mercados - o Chile já exporta até para a Coréia, Tailândia e Vietnã - e na definição daquilo que o mercado deseja e que os terroirs chilenos podem vir a oferecer. A especialista inglesa Jancis Robinson escreveu, em meados do ano passado, um artigo comentando o despertar da América do Sul. Sobre o Chile, ela afirmou que finalmente os produtores deixaram suas zonas de conforto (isso quer dizer, o Vale Central, plano e facilmente irrigável) e passaram a trabalhar em terroirs mais desafiadores e, portanto, mais instigantes para o vinho. Jancis Robinson falava especialmente dos novos brancos do Vale de Casablanca e de alguns Pinot Noirs muitos sutis e promissores. Eu acrescento a essas dicas, os vinhos feitos na fronteira com o deserto de Atacama, nos vales de Élqui e de Limarí, os vinhos feitos quase à beira mar, no vale de San Antonio e Leyda, e os produzidos no extremo sul, na zona mais fria e úmida do vale de Bío-Bío. Ao consumidor desatento, esse monte de nomes nada mais é do que um detalhe impossível de memorizar. Porém, esse é o diferencial do Chile atual. Cada vale, cada encosta, cada pequena planície esconde variados terroirs e, ao eleger um vinho branco do vale de Casablanca, que vem fazendo sua fama com agradáveis Sauvignon Blancs, é bem mais fácil que essa escolha seja acertada, do que ao se escolher o mesmo branco do vale de Maule, famoso por seus tintos. Então, para o consumidor que deseja fazer com que seu dinheiro seja recompensado com um paladar muito equilibrado, é importante dar atenção a esses pequenos segredos do Chile, sem que isso, no entanto, o impeça de prosseguir na mais agradável das atividades dos amantes dos vinhos: a experimentação. É inegável que a viticultura chilena é o resultado de um excelente plano de irrigação. O país é seco como nosso sertão, mas como tem os Andes como barreira natural, uma parte da viticultura se desenvolve por conta das puríssimas águas do degelo. O resto é tecnologia pura, poços artesianos, represas e fotos de satélite que mostram quais áreas estão mais vigorosas e quais precisam de cuidados específicos. Ainda assim, a visão de um vinhedo carregado e muito verde na zona que faz fronteira com o deserto parece um efeito fotográfico produzido no computador. Nossos olhos tropicais custam a entender praias sem coqueiros, leitos pedregosos de rios, terra quase branca, cactos de variados tamanhos e no meio um vinhedo. Na verdade, não somente um, já são quase dez as empresas que plantam e fazem vinhos nesse terreno tão diferenciado. O paralelo com nossa região de produção do vale do rio São Francisco se limita a irrigação e ao calor dos dias, pois as noites nessa região chilena são frias, as tardes têm brisas frescas vindas do mar em pleno verão e a composição dos solos é muito distinta. Assim, com a ajuda da água, as uvas crescem. E os vinhos dos vales de Élqui e Limarí já começam a chamar a atenção.
A tradicional Undurraga se transforma para reconquistar o mercado |
O que não falta aos chilenos neste momento é empenho, uma vez que - a boca miúda - se escuta que são poucas as vinícolas que estão com suas contas em dia. Os grandes produtores, que além de alguns vinhos especiais vendem muitos vinhos mais simples em grande volume, vão bem. Mas isso não é regra. A tradicionalíssima Undurraga, por exemplo, uma das primeiras vinícolas chilenas a chegar ao Brasil, foi vendida recentemente, com mais de 100 anos de vida e à beira da falência. Comprada por um poderoso empresário chileno, que está fazendo investimentos maciços em modernização, ela começa a dar sinais de recuperação. Para isso foram necessários investimentos em tecnologia, pesquisa de novos terroirs e a contratação de outros enólogos para desenvolver linhas de vinhos diferenciadas e reformular linhas já existentes, como a Aliwen, que já está no mercado.
O plano não envolve somente ganhar dinheiro, mas a reconquista do prestígio que a Undurraga tinha no País (e fora dele). Para isso, uma das ações envolve uma parceria com uma ONG cristã que distribui uma parte dos lucros das vendas da linha de vinhos Aliwen para a formação de jovens da tribo mapuche, preservando, assim, a identidade de um dos povos que formou a nação chilena. Esse apego às raízes não passa despercebido ao viajante que tem o privilégio de mergulhar na cultura chilena por algum tempo. O vinho, o pisco, a terra, os peixes, o gado, o minério e a herança criolla fazem parte da vida dos chilenos assim como nosso carnaval e nosso futebol. São motivos de orgulho, de celebração e, muitas vezes, diferentemente do Brasil, de investimentos pesados para que essa tradição seja passada de geração para geração. Na vinícola Casa Silva, localizada no ensolarado vale de Colchagua, são feitos alguns dos mais evocativos vinhos com a cepa Carmenére (para muitos a uva emblemática do Chile), numa das maiores vinícolas familiares do país. Tudo lá envolve a família, filhos, netos e parceiros comerciais. “Não quero ficar milionário, mas quero que meus filhos conheçam sua herança chilena e vivam bem com os frutos de nossa terra”, conta Mario Paulo Silva, gerente geral da vinícola e um dos herdeiros do negócio. Ao seu lado está o enólogo Mario Geisse, chileno que também tem raízes no Brasil, com sua vinícola Cave de Amadeu. Ele é o talento por trás dos vinhos da casa, como a novidade que chegará ao Brasil neste mês: o Carménere Microterroir Los Lingues, de 2005. Um vinho que, apesar de novo, precisa decantar por alguns minutos para atingir suas qualidades superiores e mostrar seu potencial tão diferente dos Carméneres mais tradicionais. Esse ultrapremium se junta aos ícones da empresa e dá um bom panorama da vitivinicultura dessa região central do País, permeada de vinícolas emblemáticas A diversidade é o que faz do Chile uma terra única para vinhos. As empresas variam entre corporações estrangeiras, donas de quase uma dúzia de rótulos, empresas familiares com dez ou 100 anos de história (mas desfrutando de prestígios similares), estrangeiros que se apaixonaram por um terroir - e ali fincaram raízes - e pequenas vinícolas, lutando para ter seu espaço em nossas taças. Diversidade essa que nada seria sem terroirs tão únicos e profissionais dispostos a tirar vinho de pedras. Então, o Chile merece um olhar mais demorado, uma degustação calma e atenta. Para iniciar esse passeio, segue uma lista onde estão doze rótulos extremamente distintos, para variados paladares. Eles vêm de todos os tipos de vinícolas, pequenas e grandes, tradicionais e inovadoras, de regiões frias e quentes, e estão presentes em restaurantes caros, em lojas especializadas e até mesmo em supermercados. Alguns são rótulos premiados e outros são quase desconhecidos. Eles não estão avaliados no estilo tradicional de ADEGA, pois o objetivo desta compilação é que você passe a conhecer ao menos alguns deles, pois a indústria vitivinícola chilena tem muitas surpresas para os brasileiros.
Na Casa Lapostolle, barricas descansam em salas diferentes de acordo com o ano do envelhecimento |
1. Chardonnay Reserva 2005 (Casa Tamaya, Vale do Limarí). Zona de transição para o deserto. Se você ainda não provou nenhum vinho desta região, está mais do que na hora. Este Chardonnay se junta a uma linha cheia de frescor e frutas maduras, que inclui até mesmo um assemblage branco de Chardonnay, Sauvignon Blanc e Viognier. Novidades bem vindas. Importado pela Del Maipo.
2. Cipreses Vineyard Sauvignon Blanc 2007 (Casa Marin, no Vale de San Antonio). A Casa Marin é quase uma vinícola boutique (como se diz no Brasil), controlada com mãos de ferro pela enóloga e proprietária Maria Luz Marin. Ela produz vinhos exclusivos e singulares, como este Sauvignon Blanc, com boa presença na boca e no nariz. Importado pela Vinea Store.
3. Gran Reserva Sauvignon Blanc 2007 (Ventisquero). Em oposição à Casa Marin, a Ventisquero no Vale do Maipo é como uma indústria de vinhos. A bodega é gigantesca e bem administrada. No entanto, há um toque artesanal em alguns de seus vinhos, como neste Gran Reserva, com uvas provenientes de um só lote de terra de baixa produção por hectare. É fresco, com bom corpo e muitos aromas atrativos. Importado pela Cantú.
1. Montes Cherub 2007 (Vinã Montes). A renomada Montes não podia ficar de fora do mercado dos rosés, especialmente porque os ingleses, ávidos consumidores de seus vinhos, espalharam a moda pelo mundo. Assim, com o mesmo talento e rigor de seus outros vinhos, este rosé de uvas Syrah do vale de Colchagua é um excelente exemplo dos ricos vinhos da empresa. Mas se o bolso permitir, não deixe de provar o Montes Folly 2004, um luxo em sabor 100% Syrah, intensidade e apresentação. Importados pela Mistral.
Vinhedos orgânicos e arquitetura arrojada na Matetic |
1. Borobo (Casa Lapostolle). Mesmo para os críticos de Michel Rolland, este assemblage é surpreendente. O nome representa a sigla das três regiões francesas de onde vieram as cepas que compõem a mistura: Bordeaux, Rhone e Borgonha. Na composição harmoniosa estão Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Carmenére, Merlot e Syrah. Importado pela Mistral.
2. Reserva Cabernet Sauvignon 2006 (Luis Felipe Edwards). Luis é conhecido por muitos como “o louco” do Chile. Ele está plantando uvas a 900 metros de altitude, em terraços acessíveis somente para veículos 4x4. Este Cabernet Sauvignon foi, recentemente, eleito como um Best Buy em um concurso promovido por especialistas ingleses, o “Wines of Chile Awards”. O detalhe: está disponível nos supermercados por um preço convidativo e faz jus a boa fama dos Cabernets chilenos. Importado pela Diageo, à venda no Pão de Açúcar.
3. Haras Elegance 2003 (Haras de Pirque). Entre cavalos puro-sangue e vinhedos no Alto Maipo, o nome deste produto não poderia ser mais adequado. É elegante no nariz e na boca, bem estruturado e potente. Somente 5% de Syrah dão um toque frutado ao Cabernet Sauvignon. Segundo a empresa, este vinho poderá ser consumido até 2012. Importado pela Terroir.
6. House of Morandé 2003 (Vinã Mo- randé). Eleito enólogo do ano de 2008 pelo Guia de Vinos de Chile, Pablo Morandé é uma personalidade emblemática na vinicultura chilena. Seus vinhos de edição limitada têm um toque europeu inegável. Ele os denomina “meus bordeauxs”. Esta mistura de Cabernet Sauvignon e Franc, mais Carignan e Carmenére, é um belo exemplo do talento do enólogo. Importado pela Carvalhido.
7. Cima Cabernet Sauvignon 2005 (Porta). A vinícola Porta foi recentemente adquirida pelo grupo Corpora. Quem cuida dos vinhos hoje é um jovem enólogo francês que já trabalhou nos Estados Unidos e na Nova Zelândia. Este Cabernet do Vale do Aconcagua tem um grande potencial para evoluir, mas, mesmo jovem, já é um vinho muito vigoroso e rico. Importado pela Intermares.
8. Pinot Noir EQ 2006 (Matetic Vineyards). Produzido por uma vinícola que se dedica somente ao trabalho com vinhedos orgânicos. A Matetic está localizada num vale transversal conhecido como Rosario, entre os vales de San Antonio e Leyda. Para fazer este vinho, as uvas vêm de cinco setores diferentes dentro do vale, que garantem complexidade ao produto final. É um vinho concentrado e leve, com bom final de boca. Importado pela Casa do Porto.
Vinhedos da Casa Tamaya, no vale de Limarí, quase na fronteira com o deserto |