Como a história de Dionísio conseguiu unir o sagrado ao profano
Carolina Almeida Publicado em 27/01/2016, às 13h50 - Atualizado em 28/02/2019, às 14h20
Dionísio foi uma figura um tanto quanto controversa. Ao mesmo tempo em que cultuava o vinho, um elemento sagrado na maioria das religiões, foi o responsável pela propagação da maior celebração profana do mundo: o carnaval. Através dos mitos que rondam sua história, foi capaz de unir os opostos numa fórmula que já dura mais de dois milênios.
Segundo a mitologia grega, Dionísio (ou Baco, para os romanos) é filho de Zeus e da princesa Sêmele, sendo o único deus olimpiano filho de uma mortal. Desde antes de seu nascimento, ele sofreu para ser aceito. Dionísio era fruto do relacionamento de Zeus com sua amante e passou parte da vida fugindo da madrasta, Hera. Foi por conta dessa perseguição que hoje o conhecemos como o deus do vinho.
Dionísio foi criado numa caverna, bem distante das cidades, pelas ninfas de Nysa. Ao crescer e tornar-se homem, ele espremeu cachos de uvas maduras de uma vinha próxima e descobriu a arte de fazer vinho. Ao experimentar o mosto, percebeu que a descoberta era, além de tudo, saborosa, e que lhe dava alegria e força para viver. Passado isso, quis proporcionar a todos o contentamento que tinha ao entrar em contato com a bebida. Atravessou a Ásia e ensinou a arte do cultivo da uva a quem quisesse aprender.
Mas onde entra o carnaval nessa história? Após percorrer o continente asiático, o deus olimpiano voltou para sua cidade natal, Tebas, e iniciou o culto a si mesmo através de uma série de comemorações.
Essas comemorações são o berço do que conhecemos hoje por Carnaval. Esta festa é originalmente fruto dos cultos agrários da Grécia Antiga. Como a sociedade da época era baseada na agricultura, as comemorações pela fertilidade e produtividade do solo eram muito comuns. Dionísio foi o responsável por dar proporções astronômicas a tais celebrações, que passaram a integrar o calendário oficial das cidades.
Alguns séculos mais tarde, as festas dionisíacas influenciaram diretamente as comemorações romanas, povo que sucedeu os helenos e assimilou grande parte de sua cultura. Com o passar dos anos, a comemoração foi ganhando forma dos povos que a dominavam e só chegou ao formato atual, do "Carnaval Cristão", em 590 d.C quando a Igreja Católica oficializou a festa.
Inicialmente, de acordo com a tradição, Baco morria a cada inverno e renascia na primavera, formando um ciclo semelhante ao das vinhas. Os cortejos anuais realizados em comemoração ao renascimento do deus "meio mortal" eram realizados na época da colheita da uva para garantir, sempre, uma safra abundante.
O primeiro culto a Dionísio ocorria em fins de dezembro, com o intuito de cultuar a fertilidade das terras. O corpo de Dionísio (na forma de cachos de uva) havia sido desmembrado e pisado durante a vindima e restava aos mortais comemorar e pedir mais saúde às terras onde eram plantadas as videiras. Já o Festival de Lenaia, em fevereiro, era o momento de abrir as jarras de fermentação e provar o vinho novo. A última festa, enfim, eram as Dionísias Urbanas, que duravam seis dias e que, por volta do século V, tornaram-se o principal evento de Atenas.
Nessa época, os atenienses já usavam máscaras e disfarces, simbolizando a inexistência de classes sociais. No fundo, a simbologia em torno do vinho era a única que conseguia igualar, através das comemorações, homens de classes distintas e deuses.