Bebida tem uma série de minerais que dão diferenças entre os tipos comercializados no mundo
Por Carolina Almeida Publicado em 14/12/2015, às 14h00 - Atualizado em 14/06/2019, às 18h03
Todos os seres vivos precisam dela para viver – é ela que ocupa 71% da superfície global e que faz o organismo funcionar. Na Grécia antiga, Hipócrates já dizia que a água tinha propriedades curativas e a usava em rituais religiosos. Em Roma, eram comuns os banhos termais com propósitos terapêuticos. Normalmente, as pessoas precisam de cerca de 2 litros de água diários para a manutenção do organismo. É ela que nos provê boa parte dos minerais que perdemos durante o dia, que compõe 87% do leite e, em alguns casos, 90% das frutas.
De tão importante e presente em nosso cotidiano, muitas vezes nos esquecemos de dar à água seu devido valor. Também cometemos outros erros a respeito dela, como dizer que “água é tudo igual” ou “água é só H2O”. Não. A água não é composta apenas por átomos de hidrogênio e oxigênio. Ela também tem uma série de minerais (daí o termo água mineral) e é por conta deles que se dão algumas diferenças entre os tipos de águas comercializadas no mundo todo.
Nenhuma água é igual a outra. A não ser que sejam extraídas da mesma fonte, todas as águas diferem entre si (pois entraram em contato com rochas diferentes, em temperaturas diferentes e por períodos diferentes). Pode ser por seu conteúdo de cálcio, sódio, potássio, magnésio e etc, mas o fato é que cada água mineral tem uma composição “exclusiva”. Dito isso, e baseado no conteúdo de sais minerais presente na água, ela pode ser dividida em quatro categorias:
Minimamente mineralizada (com até 50 mg/l de resíduos de evaporação); levemente mineralizada, ou oligomineral (com resíduos em até 500 mg/l); mineralizada (entre 500 e 1500 mg/l de resíduos); e rica em sais minerais (acima de 1500 mg/l).
As enquadradas no primeiro grupo geralmente passaram por locais montanhosos e o contato com os minerais do subsolo foi mais rápido. A baixa mineralização também é fruto de rochas com minerais pouco solúveis em água. Por ter pouco conteúdo absoluto de sais, a absorção delas no organismo é mais rápida, além de ser indicada para quem não pode ingerir grandes quantidades de sódio. Elas também são exaltadas por sua ação depurativa (capacidade de eliminar toxinas do sangue), assim como as oligominerais.
Em contrapartida, quanto maior a concentração de sais, menor o efeito diurético da água. As águas com maior quantidade de minerais são as que permaneceram por mais tempo em contato com rochas, e num nível mais profundo – geralmente, estão ligadas a rochas de origem vulcânica. Por último, temos as águas ricas em sais minerais, que representam o menor grupo delas, usadas, geralmente, só para fins terapêuticos.
Assim como o conteúdo das águas varia, o pH delas também não é o mesmo. Mas, em geral, aproximam-se do neutro, estando no intervalo entre 6 e 7,5 – sendo aquelas de pH menor, mais ácidas, e as de pH maior, mais alcalinas. Em relação ao conteúdo mineral, os principais componentes encontrados são o bário, cálcio, magnésio, potássio, sódio, sulfato, bicarbonato, fluoreto, cloreto e nitrato. O conjunto desses elementos traz benefícios à saúde corpórea e, por isso, as águas minerais sempre foram usadas na antiguidade para tratar de doenças.
Além disso, existem águas que são naturalmente gaseificadas, ou seja, em que o processo de gaseificação ocorre naturalmente. Há duas possibilidades para isso. No primeiro, em regiões com aquecimento subterrâneo, onde a camada de magma é mais superficial, os condutos desse magma atravessam as rochas e entram em contato com a água, quebrando os minerais e liberando vapores (gases), que são incorporados à água. No segundo, o gás carbônico é formado pela matéria orgânica dos aquíferos que sofre oxidação.
Explicados os pormenores da água mineral, nada melhor do que fazer uma degustação para tentar perceber e analisar as características de cada uma. Em primeiro lugar, a regra básica é que sejam usados copos de cristal, pois são os que menos interferem na aparência, gosto e propriedades da água. Quanto à sua forma, existem diversos capazes de realçar os aromas e sabores. Então, procure copos que tenham sido desenhados especialmente para a apreciação da água – sempre sem haste, pois o contato com o calor das mãos facilita a evaporação das moléculas do aroma, e com a boca fina, para aumentar o contato entre os lábios e a água.
Água e vinho devem se equilibrar. Se o vinho é potente e permanece em boca por bastante tempo, a água deve ter personalidade semelhante
Assim como numa degustação de vinho, existem passos e técnicas a serem seguidos, que levam em conta os sentidos: tato, visão, olfato e paladar.
O tato, na verdade, refere-se ao contato da água com a boca, que é a primeira interação entre os dois. É aí que é apreciado o frescor e a textura de cada uma delas. Já a visão é essencial. Em geral, a primeira impressão em relação a uma bebida se dá pela reação à sua cor. Nessa etapa, são analisados dois elementos: limpidez e efervescência. Para avaliar uma água, é necessário observá-la no nível dos olhos e contra a luz.
Na análise olfativa é possível perceber a presença de componentes anormais (vale a pena lembrar que a memória olfativa é mais resistente ao tempo do que a memória visual, por exemplo). Para isso, basta aproximar a taça do nariz e respirar profundamente, várias vezes seguidas. Como o cheiro da água é bastante delicado, é preferível executar essa etapa de olhos fechados, para aumentar a concentração.
Por fim, no palato, o sentido mais importante da degustação, é possível identificar a acidez, sabor, estrutura, leveza e sensibilidade. Tome um gole de 15 ml e disponha a água pela língua. Em seguida, num outro gole, distribua por toda a boca para senti-la melhor.
Para avaliar uma água mineral, costuma-se utilizar uma tabela em que são apontadas algumas características como: frescor, efervescência (caso seja gasosa), limpidez, presença de aromas desagradáveis, acidez, sabor (percepção dada pelos diferentes sais presentes), estrutura (complexidade do corpo), leveza, suavidade, equilíbrio e persistência.
Quando degustamos um vinho, geralmente desejamos limpar o paladar para a próxima taça, e a melhor maneira de fazê-lo é tomando um pouco de água. Sabendo que água não é “tudo igual”, a decisão mais acertada a fazer é aplicar o princípio do equilíbrio entre as bebidas. Para acompanhar um vinho, a água deve estar no mesmo nível, ou ligeiramente acima (ou abaixo) da intensidade de sabor do vinho. Assim sendo, se o vinho é potente e permanece na boca por bastante tempo, a água que o acompanha deve ter personalidade semelhante, para contrabalançar os intensos resíduos deixados – lembre-se: a função dela é de limpar o palato. No caso de um vinho de taninos marcantes, a água deve ser mais intensa, para ser capaz de compensar a sensação de adstringência deixada pelos taninos e estimular a salivação. Já um vinho mais leve deve ser seguido de águas suaves, para evitar que os fluidos colidam, ou que um se sobreponha o outro.
Ciclo da água mineralA água mineral nada mais é do que a água da chuva que penetra no solo. Depois de passar pelas camadas mais superficiais, ela se infiltra mais profundamente e percorre dezenas de rochas, de onde recebe minérios como o carbonato de cálcio, por exemplo. Quanto mais rochas estiverem em contato com a água, e por mais tempo, mais rica ela será em minerais. Depois de um período no subsolo, que varia conforme o local, a água sofre pressão dos volumes que estão se infiltrando e surge nas fontes, de onde é retirada pelas empresas que a exploram. Por lei, as águas minerais não podem sofrer nenhum tipo de tratamento. Elas são retiradas da fonte, engarrafadas e vão direto para o consumidor, sem o acréscimo de nenhuma substância. |
A Revista ADEGA selecionou 15 águas mineiras (sete sem gás e oito gaseificadas) presentes no mercado brasileiro e as avaliou às cegas, como é de sua política, colocando-as lado a lado com diversos tipos de vinho para que pudéssemos indicar as melhores harmonizações.
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Acqua Panna (Sem Gás) Origem: Acqua Panna – Scarperia, Itália |
Crystal Vip (Sem Gás) Origem: Fonte Yguaba, Mogi das Cruzes, Brasil |
Evian (Sem Gás) Origem: Evian-Les-Bains, França |
Avaliação geral 93 pontos Acqua Panna é extraída de um aquífero localizado na Toscana. Bastante alcalina, percebe-se facilmente seu peso em boca devido à untuosidade, bem marcada, o que, contudo, não prejudica o frescor. Apesar de não estar entre as de maior quantidade de resíduos de evaporação (141 mg/l), sente-se a salinidade (destaque para o cálcio, com 32 mg/l) gostosa, que faz salivar. Ela harmoniza bem com espumantes, equilibrando a acidez e convidando para mais um gole. Acompanha bem tintos amadurecidos, com taninos já domados, sem sobrepor demasiadamente os sabores mais sutis do vinho. |
Avaliação geral 91 pontos Diferentemente da versão gaseificada, esta Crystal Vip natural, que vem da mesma fonte (Yguaba, em Mogi das Cruzes), destaca-se pela leveza e pelo frescor que limpam o paladar e fazem com que você salive mais. Percebe-se bem os minerais, sem perder a suavidade em boca, com persistência mediana. Uma excelente companhia para vinhos bem delicados, mas também pode contrapor alguns de maior estrutura, com boa acidez e taninos não tão potentes. |
Avaliação geral 92 pontos Os fãs de tênis conhecem bem essa marca de água mineral – cuja fonte se encontra nos Alpes franceses –, pois ela é a marca oficial do Australian Open, Wimbledon e US Open, três dos quatro Grand Slams (Roland Garros é apoiado pela concorrente Perrier), além de patrocinar a musa Maria Sharapova. A fonte foi descoberta em 1789 e Evian é comercializada desde 1829. É uma água extremamente leve, muito fresca e levemente ácida. Nota-se ainda uma salinidade presente, mas que não interfere no corpo (muito suave), e, por fim, uma longa persistência. Bastante mineralizada (um dos destaques vai para a sílica, que, segundo cientistas, ajuda a prevenir doenças neurodegenerativas), ela harmoniza bem com brancos e tintos estruturados, em especial tintos com tons minerais, e também vinhos doces. |
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Ouro Fino Gourmet Blue Origem: Fonte Ouro Fino, Campo Largo, Brasil |
Prata (Sem Gás) Origem: Águas da Prata, Brasil |
São Lourenço (Sem Gás) Origem: Fonte Oriente, São Lourenço, Brasil |
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Avaliação geral 88 pontos Esta água mineral vem do Paraná, na região de Campo Largo, e há registro de sua comercialização desde o fim do século XIX. A fonte fica dentro de um parque ecológico que preserva uma mata de araucárias, que a protege. Essa versão Gourmet (com outros três tipos além do Blue) possui quantidades mínimas de sódio, mas importantes proporções de magnésio, bicarbonato e cálcio. Um pouco alcalina, sente-se com corpo pesado e levemente untuosa, mas sem deixar de ser suave e sem se prolongar muito no palato. Certamente vai se equilibrar com os brancos mais ácidos e ir bem ao lado dos amadeirados. Tintos jovens e de corpo leve também são companhias interessantes. |
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Avaliação geral |
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Voss (Sem Gás) Origem: Vatnestrom, Noruega |
Badoit (Com Gás) Origem: Fonte Badoit, Saint-Galmier, França |
Crystal Vip (Com Gás) Origem: Fonte Yguaba, Mogi das Cruzes, Brasil |
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Avaliação geral 91 pontos A garrafa projetada por Neil Kraft, ex-diretor artístico da Calvin Klein, já chama a atenção para essa água mineral norueguesa, que sai da fonte a 9ºC, em meio a um deserto de gelo. O formato de frasco de perfume remete ao mote da empresa, que se diz uma “água artesanal da Noruega”. Dentre as avaliadas, esta é a que menor quantidade de resíduos de evaporação (39 mg/l) apresentou. Isso significa que ela é extremamente leve. Apesar disso, sente-se delicadamente untuosa e, mesmo sem grandes quantidades de sais, um pouco mineral, com bom peso e longa persistência em boca. Por sua extrema sutileza, não interfere nos sabores dos vinhos e faz bom par com brancos mais delicados e vai servir de companhia para os rótulos mais especiais, com os quais você não quer que a água “brigue” em termos de sabor. |
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Avaliação geral 87 pontos A água Crystal faz parte do grupo Coca-Cola. A fonte Yguaba, usada para esta água, fica em Mogi das Cruzes, em São Paulo. Esta versão gaseificada sente-se bastante estruturada na boca, ácida e salina – essa última caraterística talvez se deva à quantidade relevante de sódio –, mas sem grande persistência. Essas características fazem com que ela seja um ótimo par com vinhos brancos de porte, que, além de acidez, possuem traços de madeira e minerais. Da mesma forma, a Crystal vai limpar o paladar para tintos de taninos médios e bom corpo. |
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Minalba Premium Origem: Fonte Água Santa, Campos do Jordão, Brasil |
Perrier (Com Gás) Origem: Fonte Les Bouillens, Languedoc, França |
San Pellegrino (Com Gás) Origem: San Pellegrino Therme, Itália |
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Avaliação geral 86 pontos Em meio às montanhas de Campos do Jordão, em São Paulo, está a fonte da Minalba. Apesar da pouca quantidade de resíduos de evaporação, sente-se pesada em boca, talvez devido ao seu pH (o maior entre todas as águas avaliadas), além de salgada – o que passa uma sensação menor de frescor apesar das borbulhas. Possui quantias relevantes de magnésio e bicarbonatos, o que é benéfico para a saúde, especialmente para o aparelho digestivo. Faz um bom contraste com espumantes, principalmente os doces, neutralizando a boca para o próximo gole. Além disso, pode acompanhar vinhos com taninos menos marcantes. |
Avaliação geral 94 pontos Talvez seja a mais famosa água francesa, patrocinadora do torneio de Roland Garros. A história de Perrier começa ainda no século XVIII, quando a região de sua fonte se tornou uma espécie de spa para onde muitos se dirigiam em busca de suas propriedades medicinais. Porém, foi só no fim do século seguinte que o médico Louis Eugene Perrier se interessou pelas águas e passou a engarrafá-las. Sua água é saborosa, muito fresca e mineral. Tem quantidades muito significativas de nitratos, sulfatos, cálcio e bicarbonatos. Tem um paladar muito equilibrado e uma longuíssima persistência. Diante dessas caraterísticas, pode muito bem equilibrar tintos mais encorpados e tânicos, pois abrandará a secura dos taninos com sua gostosa acidez (está entre as de menor nível de pH das avaliadas). Vale acompanhar também com espumantes e vinhos doces. |
Avaliação geral 95 pontos As águas naturalmente gaseificadas de San Pellegrino surgem dos Alpes, perto de Bergamo, na Lombardia. Estima-se que ela percorra uma jornada de 30 anos no subsolo e, com isso, seja enriquecida com 14 sais minerais, além do gás carbônico proveniente do aquecimento das rochas. Isso faz com que seja uma água de grande quantidade de resíduos (948 mg/l), riquíssima em cálcio e magnésio, assim como sulfatos, cloretos e bicarbonatos, além de sódio. Na boca, ela tem um frescor inconfundível, que permanece por longo tempo. Sente-se a mineralidade muita intensa. Uma água desse porte é feita para acompanhar grandes vinhos, potentes, ácidos e tânicos, como Bordeaux e outros franceses ainda jovens, assim como potências do Novo Mundo, pois seu frescor administra muito bem a adstringência dos taninos e o volume de boca dos vinhos. |
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São Lourenço (Com Gás) Origem: Fonte Oriente, São Lourenço, Brasil |
Vimeiro (Com Gás) Origem: Vimeiro, Portugal |
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Avaliação geral 87 pontos Assim como a versão sem gás, apresenta uma salinidade marcante. As borbulhas ressaltam ainda mais essa característica e também a tornam um pouco mais fresca e ácida. Uma água leve e bem ácida (tem o menor pH de todas as avaliadas), que pede vinhos delicados, mas, que suporta alguns tintos de corpo médio e com taninos presentes, pois será capaz de equilibrá-los. |
Avaliação geral 96 pontos Esta água, de grande quantidade de resíduos de evaporação, é rica em cálcio, cloretos e bicarbonatos e diz-se que desde o século XIV já era usada pela corte de Portugal para fins terapêuticos. A fonte fica na região de Vimeiro, a 70 km de Lisboa, no Planalto da Cezaredas. Sua água tem frescor impressionante, assim como uma salinidade bem marcada, que dá vontade de beber um gole após o outro com suas borbulhas que acariciam a língua. Além disso, tem persistência muito longa. A Vimeiro apresenta estrutura para estar ao lado de vinhos encorpados, brancos e tintos. Ela é capaz de limpar o paladar mesmo depois que você tenha sorvido uma bebida bem tânica e adstringente, fazendo-o salivar e ficar pronto para outro gole de vinho. Tintos potentes do Novo Mundo e do Douro encontram seu equilíbrio aqui. |