Enquanto alguns enólogos vão atrás das últimas tecnologias, outros preferem voltar no tempo
Patricio Tapia Publicado em 12/06/2012, às 14h03 - Atualizado em 28/02/2020, às 16h54
E as ânforas entraram na moda. Marcelo Retamal, enólogo da prestigiada vinícola De Martino, no Vale do Maipo, acaba de lançar no mercado uma pequena produção de seu "Viejas Tinajas Cinsault 2011", um vinho que tem duas características centrais. A primeira é que ele resgatou uma cepa esquecida no Chile. A Cinsault se concentra principalmente no sul e até pouco tempo atrás era considerada uma casta menor por sua tendência de dar quilos demasiados por planta. Retamal, em troca, trabalhou-a com cuidado e obteve um vinho delicioso com ela, direto, desses tintos fáceis de beber e que acabam rápido.
Voltar às raízes representa uma forma de sair da mesmice: "Hoje todos os vinhos parecem iguais, pois usam as mesmas leveduras, as mesmas barricas, as mesmas técnicas. O que buscamos é fazer um vinho o mais natural possível", diz Marcelo Retamal
A segunda característica é da famosa jarra, um recipiente que foi usado por milhares de anos na produção de vinhos. Desse modo, de novidade não tem nada. "Preocupa-nos hoje a questão de que todos os vinhos parecem iguais, pois usam as mesmas leveduras para fermentar, as mesmas barricas, as mesmas técnicas. O que buscamos é fazer um vinho o mais natural possível, e o que é mais natural do que fazê-lo em ânforas de argila, de terra?", aponta Retamal.
Cheguei ao tópico das ânforas no vinho moderno pelas mãos dos italianos, mestres nesses temas de involução tecnológica. O pioneiro nessas "involuções" é Josko Gravner, no Friuli. Um dia, por acidente, Gravner se deu conta de que os computadores, o aço, as leveduras de laboratório, nada disso tinha sentido na sua vinícola. Desse modo, decidiu voltar aos primórdios e foi à Geórgia para ver como se fazia um vinho por lá, respeitando técnicas milenares. Encontrou as respostas que buscava, além de comprar ânforas de terracota para sua nova vinícola. Guttarolo, Azienda Coz e Vodopivec são outros que seguiram o rumo de Gravner e todos, sem exceção, fazem vinhos riquíssimos.
Experiência pessoal
Tenho que confessar que também fiz tentativas com as ânforas. Há três anos, minha primeira e novíssima ânfora se arrebentou enquanto suportava os 300 quilos de Syrah em fermentação. Faz duas colheitas, o vinho se converteu em vinagre graças à minha ideia, bastante ingênua, de que o vinho se faz sozinho. Nesta colheita a questão foi mais organizada, então, se tudo ocorrer bem, meus amigos e eu teremos muito tinto feito em ânforas para saborear durante o ano. Meus dedos seguem cruzados... e os dos meus amigos também.
Fazer vinhos em ânforas é uma das formas mais naturais de enfrentar a produção enológica. E também trata-se de uma forma bastante barata
Fazer vinhos em ânforas, como disse Retamal, é uma das formas mais naturais de enfrentar a produção enológica. E também, pelo menos do meu lado, trata-se de uma forma bastante barata, pelo menos pela lógica da enologia. Uma ânfora de quase 100 anos, como a que comprei no ano passado (uma peça de museu, se apurarem), custou algo em torno de US$ 500, o que, no mundo do vinho, é pouco. Com isso, faço 600 garrafas, o que é mais do que suficiente para saciar a sede de qualquer mortal nessa terra.
De volta para o passado
Mas, voltemos aos profissionais. Pablo Morandé, um dos próceres da enologia chilena, comprou um par de ânfora para a colheita 2011 e o resultado que obteve o agradou muito, tanto que acabou de terminar uma vinícola - dentro de seu projeto familiar - em que uma grande sala está ocupada com uma enorme ânfora, desta vez de cimento. A visão é maravilhosa. Essas vasilhas gordas, enormes e majestosas, são como gigantescas barcas, esperando o vinho da nova colheita. "Pode ser que quando alguém fica velho, queira também recorrer a técnicas antigas", disse Morandé. E acrescenta que essa forma de involução também vai atrás de resgatar o que faziam os avós, mas agora com muito mais conhecimento do processo que leva da uva ao vinho. "Antes, as pessoas faziam vinhos, mas os vinhos se faziam sozinhos. Hoje conhecemos muito mais do processo, portanto temos muito mais armas para controlar, por exemplo, a questão sanitária para que o vinho não oxide", conta.
Os novos caminhos do vinho têm direções surpreendentes, inesperadas. Quem pensaria que, no meio de uma corrida frenética para obter as últimas tecnologias, haja gente que segue em direção oposta, que toma outro rumo. E que faz vinhos deliciosos.