Santiago Larrain, head da Viña Santa Carolina (uma das marcas mais conhecidas entre os enófilos brasileiros), dá um panorama do vinho chileno que encanta o mundo
Christian Burgos Publicado em 07/10/2010, às 08h09 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47
Herdeiro da família proprietária do grupo Santa Carolina, administrador de empresas com MBA em Cornell, Santiago Larrain iniciou sua carreira em Santa Carolina, e mesmo quando foi dirigir outras empresas do grupo manteve sua posição no conselho da empresa. Agora, volta para a mais alta função executiva da companhia para construir seu legado nesta que é uma das mais antigas vinícolas do Chile e um dos nomes mais lembrados entre os enófilos brasileiros. Em sua primeira viagem ao Brasil como head da Viña Santa Carolina, Larrain conversou com ADEGA e revelou os segredos do sucesso de seus vinhos em nosso país.
O Brasil está em que posição de mercado para vocês?
É nosso terceiro mercado. Um mercado crescente, de muito potencial e que pode ser nosso segundo ou primeiro mercado no mundo. Um país com 190 milhões de habitantes, com um consumo per capita relativamente baixo, 2 litros é a cifra que tenho, com potencial de crescer, de duplicar-se. Então, é um mercado de muito potencial e que vai crescendo em qualidade de vinho também. Estamos há 15 anos no Brasil e vemos como o consumidor foi “crescendo” no vinho que vai provando, a cada ano de melhor qualidade. Isso faz o Brasil ser um negócio muito atrativo de longo prazo, com um vinho produzido como interessa à nossa companhia. Um vinho mais fino, de melhor qualidade, onde se trabalha mais, se gera mais marca. E o Brasil vai por esse caminho.
Vocês cresceram 30% nos seis primeiros meses deste ano?
Sim, esse foi um ano de muito crescimento. Apesar do terremoto, o mundo cresceu para o Chile e muito forte para nós particularmente.
Pensando em termos globais, há um crescimento em potencial para Santa Carolina?
Há mercados que estão bastante mais maduros, como são os europeus. Têm mercados que estão bem mais estancados. Os mercados dos Estados Unidos e Canadá mostraram um crescimento muito mais modesto, aproximadamente 7%. Mas onde há um crescimento gigantesco também é na Ásia. São mercados de países com muita população, como China, Índia, e que também estão consumindo cifras muito pequenas. Então, há uma oportunidade de crescimento muito grande na Ásia e, por isso, montamos um escritório em Xangai. Então, no mundo, creio que sempre se fala de um mercado que está superavitário em vinho, que há mais vinho do que se consome, que se produz demais. Mas isso é fato no mercado europeu. Isso é bem mais um problema de demanda, que há de incorporar mais novos consumidores.
“Estamos há 15 anos no Brasil e vemos como o consumidor
foi “crescendo” no vinho que vai provando,
a cada ano de melhor qualidade.”
A história de Santa Carolina começa em 1875. Mas vocês têm outra vinícola que se iniciou em 1851...
Sim, temos outra empresa mais antiga que se chamava Ochagavia. Santa Carolina não é a mais antiga, mas uma das primeiras. É das primeiras no uso de cepas francesas. Vinho, no Chile, se consome desde a época da colônia, em 1550, 60, mas foi a partir de 1851 que entraram as primeiras variedades francesas, Cabernet, Chardonnay, e aí mudou a indústria.
Quando sua família entrou em Santa Carolina, a revolução chilena não tinha ocorrido no mundo do vinho?
Não, a vinícola foi comprada em 1978. Estava recém começando os primeiros passos de exportação. A indústria de vinho passou por momentos muito ruins. Muitas companhias mudaram de mãos nessa época. Em 90, começou a subir e mudar seu eixo, pois até esse momento o mercado mais importante era o próprio Chile. E o país teve uma queda importante na taxa de consumo. Naquela época, consumia 35 litros por pessoa ao ano. Neste momento, estamos em 15.
Houve uma mudança de “vinho alimento” para “vinho estilo de vida”?
Sim, acho que houve isso também na qualidade dos vinhos. O vinho que se tomava era um vinho massivo, muito barato. Agora, o consumo caiu em quantidade de litros, mas, em valor, subiu; subiu a qualidade. Então, houve um tradeoff de vinhos baratos por vinhos finos. E estamos todos bastante felizes com isso.
O Chile parece ter alguns caminhos distintos para seguir. O primeiro é perseverar em termos de boa qualidade e preço. O segundo é explorar seus novos terroirs. O terceiro é investir na Carménère, uma possibilidade muito tentadora. E, por último, apostar nos grandes ícones. Vejo que algumas vinícolas seguem um caminho ou outro, mas as grandes companhias parecem querer trilhar todos os caminhos ao mesmo tempo...
Acho que o Chile tem uma fonte de fruta magnífica. E é esta fruta que permite distintos ramos de vinho. Ela é distinta segundo o vale, a origem, o terroir. Isso sem falar na singularidade da Carménère. Então, há espaço para todas as estratégias. Alguns se focam em umas mais que outras, como, por exemplo, vinhos de melhor preço que estão subindo em qualidade, que é onde interessa estar em longo prazo. É onde a marca está. Não significa que deve-se abandonar o setor mais econômico, porque o consumidor também está aí. Somos uma empresa grande e queremos ser maiores, crescer com o mercado. Portanto, temos que ter soluções para os distintos consumidores. Não somos uma empresa pequena que se foca somente em vinhos ícone, mas queremos mostrar ao mundo que somos capazes de fazê-los. Buscamos o melhor terroir para cada casta. Por exemplo, o Sauvignon Blanc de Leyda, Cabernet de Maipo, Carménère de Colchagua etc. E podemos fazer isso porque temos um abastecimento de fruta amplo em quase todo o Chile e oferecemos ao consumidor o melhor terroir possível para cada um. E isso ocorre porque o consumidor anda buscando entender o porquê do Cabernet de Maipo, o Chardonnay de Limarí ou Casablanca etc. Em que eles se diferenciam? Uma parte importante é a fruta de um lugar específico. Uma boa fruta, bem tratada, bem selecionada, bem manejada, faz um bom vinho. E o Chile tem muitas boas frutas.
“O vinho que se tomava era um vinho massivo, muito barato. Agora, o consumo caiu em quantidade de litros, mas,
em valor, subiu; subiu a qualidade. Então, houve um tradeoff de vinhos baratos por vinhos finos.
E estamos todos bastante felizes com isso.”
O que acha dos preços dos vinhos no Brasil?
Os impostos falam muito alto. E creio que isso faz os preços no Brasil serem um pouco elevados. É uma pena, porque estão distanciando as pessoas de um produto que é muito saudável, quando consumido moderadamente. É um país complexo...
#Q#
Seu slogan é “melhor expoente de vinhos do Novo Mundo”. Por que decidiram fazer isso?
Tentamos um slogan que fosse válido para o mundo também. E a imagem para o mercado americano, europeu, é que somos parte no Novo Mundo. E, como tal, imagina-se um conjunto de atributos: vinhos de muita fruta, com um estilo mais moderno. Para o mercado do Chile, somos muito tradicionais, mas, para o inglês, somos Novo Mundo. Então tratamos de fazer um exemplo de imagem que eles têm de vinhos distintos, frescos, com boa fruta, nível de qualidade, varietais, cepas. Não podemos competir com um Romanée-Conti.
No Brasil temos uma situação em que o primeiro vinho importado em consumo é o do Chile. Muitos brasileiros aprendem a beber vinho com vinho chileno.
Fico muito contente com isso. Acontece que, no Chile, começamos a fazer vinhos de muito boa qualidade a preços muito razoáveis. E também creio que existe uma proximidade emocional com o Chile. Vinho é um produto maior do que uma garrafa. No vinho, se imagina o país, a cultura, é uma coisa mais social e, portanto, ao degustar o vinho chileno, pensa-se no Chile e ele é mais próximo, mais amável, e isso facilita a aproximação com nosso vinho.
E muitos brasileiros estão viajando para lá. E vocês tem uma das caves mais lindas do Chile... Como o terremoto a afetou?
De fato. É um monumento nacional. O terremoto afetou a parte estética da casa. A adega não sofreu nada, incrivelmente ficou como estava. Mas, por fora, está muito danificada. Estamos em pleno processo de restauração. Queremos deixá-la em um nível melhor do que estava, pois aquilo representa o que é Santa Carolina. Temos 125 anos e somos a única vinha que está dentro da cidade. A cidade foi crescendo e agora a vinícola está dentro. 1969 creio que foi o último ano em que foi feito vinho das uvas da vinha que estava colada à vinícola.
Há risco de desabastecimento?
Com o terremoto, houve perda de cubas de aço, principalmente de vinhos mais massivos. 200 mil litros movendo-se de lado a lado; não há aço que aguente. Isso eliminou, segundo fontes oficiais, 120 milhões de litros. Isso é cerca de 10 a 12% da produção do ano de 2009. Então, os vinhos massivos sofrerão um pouco de desabastecimento? Diria que não. Mas, sim, há um encarecimento. Ademais, a colheita 2010 foi menor que a 2009. Acho que haverá oferta, mas, mais cara. Nos setores de vinho Reserva e acima, estamos vendendo uma colheita antiga. Portanto, para o vinho fino, o terremoto não atrapalhou. A barrica surpreendentemente resistiu bastante bem e pouco se perdeu nessa categoria.
“Os impostos falam muito alto. E creio que isso faz os preços no Brasil serem um pouco elevados. É uma pena, porque estão distanciando as pessoas de um produto que é muito saudável, quando consumido moderadamente. É um país complexo....”
Falando um pouco de Carménère, como você vê esta casta no Chile?
É uma oportunidade muito grande. Estamos aprendendo a trabalhar bem com ela, que pode ser um bom expoente do que é o Chile, pode ser nossa casta insigne. Não significa que se deve abandonar o Cabernet, pois segue sendo importante. Mas mostramos que se pode fazer vinhos ícones com Carménère. Ela é uma variedade muito identificada com o Chile, mas não significa que é a única. Não vamos ser só Carménère. O Chile pode ter um bom Sauvignon Blanc, Cabernets, Merlots, Pinot Noirs. O Carménère pode ser um ótimo expoente do que o Chile pode oferecer, vinhos redondos, com muita fruta, com estrutura, complexos, com boa capacidade de envelhecimento.
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Tivemos a oportunidade de acompanhar essa mudança. Indo ao Chile, queríamos degustar outras variedades, mas os chilenos insistiam no Carménère. Naquele momento, Tim Atkin disse que a Carménère não seria a cepa capaz de fazer grandes vinhos. Isso incomodou as pessoas. Mas ocorreu uma mudança.
Passamos a entender o Carménère. Misturado com o Merlot, se colhia muito cedo. E como ele ficava? Verde. Alguns o chamavam de Merlot chileno. Pouco a pouco aprendemos a manejá-lo. Então está se obtendo um Carménère muito diferente do que as pessoas provaram há cinco ou 10 anos, um vinho muito mais amável. O outro era um vinho verde. O Chile cresceu com o Carménère e aprendeu, pesquisando.
O Carménère em Peumo foi uma descoberta, não?
Sim. É uma zona muito boa. Em nosso vinho ícone temos 85% de Peumo, mas também incorporamos de outros vinhedos mais próximos da Cordilheira e que levam um pouco mais de fruta. Mas Peumo foi uma descoberta. Temos o vinhedo lá desde 1997. E fomos aprendendo. Como o vinho é um produto de longo prazo, tem-se que ir conhecendo os campos, as cepas, os quartéis, como se equilibram, a irrigação, a poda, é um processo lento.
Vocês têm cerca de 2 mil hectares entre os próprios e os contratos de compra de uva de longo prazo. Isso é a melhor mescla possível ou o ideal é possuir todos os vinhedos?
Creio que estamos com um equilíbrio bastante razoável, pois o enólogo gosta de explorar. Podemos oferecer lugares distintos. Se temos tudo num só lugar, temos menos diversidade. Procuramos ter contratos de longo prazo e vamos descobrindo novos lugares e oferecendo ao consumidor coisas diferentes.
Santa Carolina tem uma história de sucesso. Agora você tem a oportunidade de mudar coisas, imprimir nova velocidade. O que devemos esperar de Santa Carolina?
Acho que o quadro executivo e o conselho sempre andaram de mãos dadas. Portanto, o alinhamento do passado não mudou. Talvez se possa acelerar um pouco mais. Mas, uma coisa que me interessa é seguir crescendo em vinhos de mais alta gama. São estes que me fazem bater o coração. Os vinhos massivos são interessantes, queremos provê-los, mas é muito atrativo ir crescendo em vinhos mais finos, Reserva, como Herencia.
“Para o mercado do Chile, somos muito tradicionais,
mas, para o inglês, somos Novo Mundo”
No Brasil, o trabalho de Santa Carolina é um modelo, um verdadeiro benchmark no mercado, assim como Concha y Toro. Qual o segredo das duas empresas?
Estamos envolvidos com o Brasil há muito tempo. Da noite para o dia não se cresce. Cresce-se pouco a pouco, com trabalho duro, conhecendo o consumidor, conhecendo o produto que as pessoas querem. Tem que ser paciente. Este ano estamos crescendo 30%. Isso se dá com comprometimento, consistência, tempo.