A vinicultura e o vinho como protagonistas de pinturas de diversos artistas
Arnaldo Grizzo Publicado em 14/12/2018, às 20h00
Há quem diga que sem o vinho, não há inspiração artística. Há ainda quem não apenas sirva-se dele para dar vazão aos pensamentos e ideias, mas literalmente traga o vinho para dentro de sua obra. Desde a antiguidade clássica, o tema do vinho é retratado por escritores, pintores, escultores etc.
Dionísio, ou Baco, o deus do vinho, serviu de inspiração para muitos, desde a Grécia antiga até o Renascimento e além. Não são poucos os personagens míticos relacionados ao vinho que aparecem em obras clássicas, contudo, o próprio vinho também faz sua aparição, principalmente em trabalhos renascentistas e impressionistas.
Diz-se que os artistas são um retrato do pensamento de sua época, do seu entorno, e é muito por causa disso que o vinho vai aparecer. Seja para mostrar um momento de felicidade, seja para fazer uma crítica social, seja “apenas” para compor um retrato de época. Com tantas obras em que o vinho é retratado, ADEGA decidiu selecionar 10 pinturas de autores clássicos para mostrar a importância dessa bebida na arte.
Na sala 29 da “The National Gal - lery”, de Londres, encontra-se esta obra encomendada pelo cardeal de Richelieu e despachada de Roma a Paris em maio de 1636 para fazer par - te da decoração do Cabinet du Roi no Château de Richelieu. O mestre francês – que viveu boa parte da vida na Itália –, Nicolas Poussin (consagrado por suas versões do “Rapto das Sabinas”) representa uma celebração entre ninfas e sátiros diante de uma estátua de Pan, deus das florestas, que está muito associado ao deus Baco. A celebração, aliás, pode ser considera - da um bacanal, com dança, bebida (vinho) e sexo. A obra foi encomen - dada juntamente com outra intitulada “Triunfo de Baco”, também por Richelieu.
Vermeer é um dos mais conhecidos pintores flamengos do século XVII, famoso por suas cenas domésticas, como a “Garota com brinco de pérola”, considerada sua principal obra. O tema da mulher com uma taça de vinho serviu para que ele produzisse duas destacadas pinturas por volta de 1660. No quadro “A taça de vinho”, que se encontra na Gemäldegalerie, em Berlim, o artista mostra uma mulher ter - minando sua taça de vinho enquanto um homem aguarda com a jarra para preenchê-la novamente. Suas intenções não parecem tão claras quanto uma pintura anterior, chamada de “Moça com taça de vinho”, em que o homem está reclinado sobre a garota, incentivando-a a beber.
Na mesma sala do museu do Louvre, em Paris, em que se encontra da Monalisa de Leonardo Da Vinci, está uma das principais obras de outro dos grandes gênios da Renascença italiana, Paolo Veronese. Apesar de todos se empinhocarem para ver a minúscula Gioconda, não dá para não notar o gigantesco trabalho de quase sete metros de altura por 10 de largura encomendado pelos beneditinos do mosteiro de San Giorgio Maggiore, em Veneza, para adornar seu novo refeitório em 1563. Na famosa cena bíblica das Bodas de Caná – passagem bíblica em que Cristo realiza seu primeiro milagre (transformar água em vinho) –, Veronese retrata Jesus ao centro, cercado por sua mãe e seus discípulos, e o noivo e a noiva no canto esquerdo.
“Zombeteiro é o vinho e amotinadora a cerveja: quem quer que se apegue a isto não será sábio”. A famosa passagem é do livro dos Provérbios 20:1, na Bíblia. Este foi um dos diversos motes moralizantes dos Provérbios que o mestre Steen utilizou em suas obras. Aqui ele retrata uma mulher (talvez uma prostituta) embriagada sendo levada em um carrinho em claro sinal de humilhação diante do abuso da bebida. A primeira parte do versículo bíblico está escrita na soleira da porta. Apesar do tema forte, ele é retratado de forma bem humorada. Steen era muito familiarizado com cenas do gênero, pois era dono de uma cervejaria e, dizem, era ele mesmo seu principal freguês. A pintura de 1663-64 está no museu Norton Simon.
Uma das principais obras do mestre do Barroco espanhol, Diego Velázquez, que retratou tantas cenas bíblicas tem o vinho como tema, não de forma sagrada, porém profana. Sua pintura exposta no célebre Museu do Prado, em Madrid, “O triunfo de Baco”, ficou conhecida também como “Os bêbados”. Nela, o deus mitológico aparece coroando possivelmente um poeta inspirado pelo vinho. A obra foi comissionada pelo rei Felipe V, da Espanha, cuja coleção de obras italianas certamente influenciou o pintor na realização desta. A contraposição das feições bem trabalhadas do deus em comparação com a dos sorridentes bêbados (dois deles com olhar fixo no expectador, como que convidando-o a participar da festa) é marcante.
Todo enófilo que visita a galeria Uffizi, em Firenze, detém-se diante de uma das obras mais chamativas, ou talvez o termo correto seria, convidativas, do mestre Caravaggio. O pintor, que viveu entre o fim do século XVI e começo XVII, teve influências barrocas, renascentistas e maneiristas em sua obra, quase sempre marcada por temas bíblicos. Seu famoso Baco foi pintado por volta de 1595 e mostra um jovem oferecendo uma taça de vinho para os seus observadores. A obra foi feita quando Caravaggio estava sob o patronato do importante cardeal Francesco Maria del Monte, contudo ela permaneceu “desconhecida” até 1913, quando foi encontrada em um armazém de Uffizi e então catalogada.
Um dos precursores do Impressionismo (“Numa manhã, um de nós já não tinha preto, e assim nasceu o Impressionismo”, chegou a dizer), Renoir influenciou enormemente a arte de seu tempo. Entre seus trabalhos mais representativos está esta tela exposta na exposição impressionista de 1882, em Paris – em que retrata um almoço na Maison Fournaise, um restaurante nas margens do Sena. Ele retrata um grupo de amigos, como o pintor Gustave Caillebotte, sua futura esposa Aline Charigot (que brinca com o cachorrinho), além de membros da família Fournaise, proprietários do local. A mesa, desarrumada, está repleta de vinhos e taças. A pintura se encontra hoje na The Phillips Collection, em Washington.
E não é que a viticultura teve espaço até mesmo no surrealismo? Uma das obras do espanhol Joan Miró, expostas no Metropolitan, em Nova York, retrata uma paisagem de Tarragona, perto da cidade de Montroig, região da Catalunha, Espanha. É provavelmente uma cena de local próximo à fazenda de sua família, onde ele passou verões trabalhando e produziu cerca de 40 obras entre 1914 e 1922. Nesta tela de 1919, ele mostra vinhas em primeiro plano tão detalhadas que até mesmo suas raízes estão pintadas. Oliveiras e montanhas ao fundo completam uma paisagem idílica dentro de uma mente surrealista. Diferentemente das outras obras apontadas, aqui não há o vinho em si, mas a viticultura.
Autor de alguns dos principais bastiões da arte impressionista, como seu “Almoço na relva” e especialmente sua “Olympia”, Manet retratava cenas realistas. Outra de suas obras célebres é esta do “retrato” da bartender em um clube noturno de Paris. Ela está diante do bar, com um espelho por trás de si, que, em seu reflexo, revela todo o ambiente do local, assim como o próprio pintor no canto superior direito. Apesar da festa, a moça tem feições um pouco melancólicas para servir as bebidas, entre elas, garrafas de vinho e Champagne que se encontram no canto inferior esquerdo. A pintura foi exposta no Salão de Paris em 1882 pela primeira vez e hoje se encontra na “Courtauld Gallery”, em Londres.
A história do rei Belsazar, filho de Nabucodonosor, é contada no livro de Daniel, da Bíblia. Durante uma festa em que usa taças de ouro do templo de Jerusalém para beber vinho, a mão de Deus aparece colocando uma inscrição na parede alertando para o fim do seu reino. “O rei Belsazar deu um grande banquete a mil dos seus senhores, e bebeu vinho na presença dos mil”, começa o versículo 5 em que Rembrandt usou de mote para criar uma tela que hoje aparece exposta na “The National Gallery”, de Londres. A face de horror do rei e de seus companheiros diante da mão divina é uma das marcas da pintura, uma de suas célebres interpretações de cenas bíblicas.