A família Bocelli mostra como a música e o vinho podem criar uma harmonia perfeita
Arnaldo Grizzo Publicado em 15/01/2019, às 15h00 - Atualizado às 16h09
A apresentação começa. Antonio Sanguineti, enólogo e diretor comercial da empresa vinícola dos Bocelli, mal começa a falar sobre a história vitivinícola da família quando, de repente, sem cerimônia, Alberto Bocelli levanta-se e sai da sala inexplicavelmente. Onde teria ido? Um pouco de suspense é criado. Afinal, um dia antes, seu irmão, Andrea, o tenor, havia feito um show em São Paulo e a apresentação dos vinhos ocorria no mesmo hotel onde ele estava hospedado. Ou seja, era relativamente óbvio o que estava para acontecer.
Sanguineti continua sua fala sem se importar com a ausência de Alberto, que demora a voltar. Em um determinado momento, sinais surgem do fundo da sala. O enólogo interrompe as explicações e começa um burburinho. Era certo que o mais famoso membro da família estava prestes a fazer uma aparição.
De braço dado com seu irmão mais novo, Andrea percorre o longo corredor do centro da sala enquanto os presentes observam atônitos. Celulares logo se erguem para uma imagem da grande estrela da música “pop-clássica”. O silêncio é quase sepulcral. Assim que Andrea pega o microfone, certamente alguns corações disparam. Mas ele não faz uso de seus dotes vocais, apenas agradece, humildemente, a presença de todos que vieram conhecer os vinhos de sua família.
Levemente decepcionada, mas feliz por ver o astro de perto, a plateia aplaude sua saída e agora está preparada para o “show” para a qual havia sido efetivamente convidada, provar os vinhos da família Bocelli. Logo após a prova, ADEGA conversou com Alberto, seu filho Alessio (a cargo da empresa atualmente), e Sanguineti.
Como a família Bocelli foi parar no mundo do vinho?
Alberto Bocelli – Compramos a ‘azienda’ – no vilarejo de Lajatico, na Toscana – em 1831. Já são 185 anos. Somos de uma família que trabalhava na terra de outras grandes famílias, de príncipes e marqueses. Depois, começamos nós mesmos a cultivar. Havia diversas atividades, inclusive o vinho desde aquela época.
Quem passou a investir verdadeiramente no vinho?
Alberto Bocelli – Meu pai conta que, nos anos 1920, meu avô, Alcide, tinha uma produção de vinho que vendia para os cidadãos do redor da fazenda. Isso não está documentado, mas encontramos, em casa, garrafas que ele mantinha de anos especiais – de quando meu pai, Andrea e eu nascemos. Foi emocionante ver uma garrafa de 1928 (ano de nascimento do pai, Alessandro). Já tinha um rótulo quase moderno. Não era escrito à mão. Era um rótulo triangular com uma marca, a marca que ele usava para identificar o gado, AB. Não era refinada, mas era moderna.
E o seu pai continuou?
Alberto Bocelli – Meu pai era comerciante de máquinas agrícolas, especialmente tratores. Os produtores dessas máquinas ficam no norte do país, então, a cada 15 dias, vinha um caminhão trazer materiais. E era costume dos caminhoneiros, em vez de voltarem vazios, pegarem recipientes, chamados damijane, de vidro de 54 litros e carregarem de vinho. Eles vendiam aos restaurantes pela estrada. Isso foi nos anos 1960.
A fazenda (comprada em 1831) sempre foi um refúgio do espírito, não um negócio. E assim chegou até nós
Como essa história chega até você e seu irmão?
Alberto Bocelli – Quando meu pai faleceu, no ano 2000, decidimos investir e reorganizar toda a estrutura da azienda. Passamos a engarrafar os vinhos da propriedade. Fizemos alguns testes, com degustações cegas. Vendo que o vinho agradava, criamos coragem e fomos atrás de pessoas que distribuíssem nos Estados Unidos, assim conhecemos Antonio Sanguineti. Você é arquiteto, Andrea é cantor. Você diz que seu pai trabalhava com máquinas agrícolas.
O vinho era uma atividade paralela da família?
Alberto Bocelli – Sou arquiteto, mas estou de olho na vinícola, assim como meu pai, que era comerciante e também ficava de olho nela. Meu avô era engenheiro mecânico. Meu bisavô era carpinteiro. Sempre foi assim. A fazenda sempre foi um refúgio do espírito, não um negócio. E assim chegou até nós.
Mas hoje não é preciso se dedicar mais ao negócio?
Alessio Bocelli – Recentemente, a visão da família em relação ao negócio do vinho mudou, há mais importância e também a necessidade de uma maior atenção. Então estou a cargo disso. Comecei não faz muito tempo, há dois anos. Estou me formando... Não estudei enologia, pelo menos não ainda. Alberto Bocelli – Ele não bebia [risos].
Atualmente vocês não produzem apenas os vinhos de sua própria propriedade em Lajatico, mas Prosecco, Pinot Grigio e outros fora. Como foi isso?
Alberto Bocelli – Fazíamos poucas garrafas. Então pensamos em aumentar com colaborações. Com isso, criamos outras linhas de vinho para ter uma quantidade considerável para vender para o mundo. Antonio Sanguineti – Para nós, Prosecco é uma bandeira da italianidade, assim como o Pinot Grigio. São produtos que representam a Itália. Criamos uma linha que permite às pessoas desfrutar dos vinhos da marca Bocelli em 360 graus. Andrea criou uma ponte entre a música clássica e a popular. E é um pouco o que estamos fazendo com nossos vinhos. Tentando criar um ponto entre o clássico da Toscana e também a modernidade de outras áreas geográficas.
“Ele (Andrea) é um propositor, muito crítico. Ama o vinho. Quando bebe, sempre são os principais vinhos da propriedade. Então há um pouco de conflito. Segundo ele, deveríamos fazer somente aqueles vinhos”
Seu foco é o mercado externo. Por que optaram por não vender na Itália? Antonio Sanguineti – Diz-se que ninguém é profeta em sua pátria. Mas há um problema fundamental. A distribuição é muito difícil, muito cara e com risco, pois não paga as contas. Muitos clientes não pagam. Prefiro mandar os vinhos para o exterior para pessoas que pagam.
Em sua propriedade, vocês fazem vinhos tradicionais da Toscana, mas também resolveram produzir Cabernet Sauvignon, por quê?
Alberto Bocelli – Andrea viajava muito a trabalho e bebia muitos tipos de Cabernet. Ele veio para casa e disse: ‘Precisamos ter um Cabernet’. Fizemos um teste em um vinhedo 3 hectares, que nos deu muita satisfação. É um platô alto no meio de dois rios que pega sol o dia todo e a consistência do terreno é um blend de areia e argila que dá complexidade estrutural. Em Lajatico temos cerca de 130 hectares, sete de vinhas.
Vocês possuem tanto um Sangiovese puro, quanto um Cabernet, e um blend?
Alberto Bocelli – Tanto o Sangiovese quanto o Cabernet são colocados em barricas novas tão logo começa a fermentação malolática. Depois de 18 meses, com o Sangiovese fazemos o rótulo Terre di Sandro. Com o Cabernet, o Incanto. Uma parte misturamos ali, 50% Sangiovese e 50% Cabernet e, com isso, fazemos Alcide.
Andrea criou uma ponte entre a música clássica e a popular. E é um pouco o que estamos fazendo com nossos vinhos. Tentando criar um ponto entre o clássico da Toscana e também a modernidade em outras áreas geográficas
De que tipo de vinhos gosta?
Alberto Bocelli – Primeiramente, os tintos. Tomo tinto mesmo com peixe e não me envergonho de dizer. Gosto dos bastante estruturados, alcoólicos, mas elegantes.
Qual seu papel na empresa?
Alberto Bocelli – Na parte do campo e da produção, quem cuida é a minha mulher, Cinzia. Com o produto finalizado, vem para uma outra gestão, comercial, e disso se ocupa Alessio juntamente com Antonio. ‘Alberto o que faz?’ É arquiteto. Bebe vinho. E tenta ajustar as coisas. Uma função de decisão e não operativa.
E Andrea?
Alberto Bocelli – Foi quem estimulou inicialmente a introdução de novos vinhedos. Ele é um propositor, muito crítico. Ama o vinho. Quando bebe, sempre são os principais vinhos da propriedade. Então há um pouco de conflito. Segundo ele, deveríamos fazer somente aqueles vinhos.
Como arquiteto, você renovou a cantina?
Alberto Bocelli – Projetei inúmeras vinícolas toscanas para os amigos. Em dois dias, fazia o projeto, em seis meses construía e fim. São bonitas e funcionais. Mas, para fazer para mim, tive esse problema. Desenhei mais de 20 vezes. É mais fácil desenhar para os outros. Mas agora finalizamos o projeto e uma nova vinícola começará a ser construída no próximo ano.
O que significa o desenho que está nos rótulos?
Alberto Bocelli – É um segredo. Alessio Bocelli – Sou filho e confirmo, é um segredo. E é um segredo dele. Não da família. Alberto Bocelli – Como o vinho é uma coisa mais minha que um negócio, fiz o que gostava. Quando abrimos o mercado americano, contratamos uma empresa de comunicação. Eles acreditaram que eu também ia usar a nova logomarca, mas, como sou um pouco rebelde, disse não.
O timbre vocal, a cor da voz de Andrea é a mesma da minha. Eu seria tenor se tivesse sido cantor. Mas me envergonho diante das pessoas e não estudei técnica. O interessante é que o filho de Andrea também tem a mesma coloratura, que é a mesma de Alessio... A voz, nós quatro temos. Mas não basta a voz, é preciso alma
Além do mesmo gosto pelo vinho, a família também tem o mesmo gosto pela música?
Alberto Bocelli – Digamos que o timbre vocal, a cor da voz de Andrea é a mesma da minha. Eu seria tenor se tivesse sido cantor. Mas há dois problemas. Um que me envergonho diante das pessoas. Dois é que não estudei técnica. Se tentamos a mesma nota, minha mãe sabe quando canto eu ou ele. O interessante é que o filho de Andrea também tem a mesma coloratura, que é a mesma de Alessio... A voz, nós quatro temos. Mas não basta a voz, é preciso alma.
AD 89 pontos
BOCELLI PINOT GRIGIO 2013
Bocelli Family Wines, Toscana, Itália. Branco com estrutura, é maturado em garrafa por 60 dias. No aroma, apresenta pêssegos maduros, cera e toques minerais. Bastante equilibrado no paladar, é cremoso e macio, possui acidez cítrica agradável, sabores de frutas secas, que lembram damasco e textura salina que traz classe. Gastronômico, gostoso de beber fresco ou acompanhado de frutos do mar. Álcool 12%. JPG
AD 90 pontos
BOCELLI SANGIOVESE 2015
Bocelli Family Wines, Toscana, Itália. Safra jovem e bem resolvida. Nos aromas, aparecem frutas vermelhas maduras, traços herbáceos e notas terrosas. No paladar, é redondo, tem taninos delicados e muita vivacidade. Sua acidez integrada e marcante confere frescor complementar balanceando sua fruta madura, que lembra cereja preta. Tem boa duração em boca e pode acompanhar bem carnes de caça. Álcool 13%. JPG
AD 93 pontos
BOCELLI POGGIONCINO IGT 2015
Bocelli Family Wines, Toscana, Itália . Este especial blend de variedades italianas tem produção limitada e possui estilo clássico. Aromas sofisticados transmitem frutas frescas, floral, resina, cola e traços defumados. No paladar, consegue ser suculento com delicadeza, seus taninos são finos, tem acidez refrescante, muita vibração, sabores refinados de frutos secos e algo herbáceo agradável. Grande vinho, muito longo, pronto para beber e bom para evoluir. Álcool 13%. JPG