O que era uma paixão virou um negócio e o narrador esportivo explica como isso aconteceu
Christian Burgos Publicado em 18/02/2013, às 08h59 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h48
Desde 2009, quando comprou a Estância Bella Vista, na Campanha Gaúcha, sob orientação da família Miolo, Galvão Bueno cultiva seu sonho de produzir vinhos. E, agora, no começo de 2013, o mais famoso locutor esportivo brasileiro acelera ao comprar uma participação societária na Miolo Wine Group. Tão logo o anúncio foi feito, Galvão falou com exclusividade com ADEGA, enquanto olhava o mar e caminhava na varanda de sua casa em Mônaco.
Como começou sua paixão pelo vinho?
É uma coisa muito antiga. Começou, para dizer a verdade, quando passei a fazer todas as transmissões de Fórmula 1 na Globo, e viajar muito pelo mundo. Era 1982. O Reginaldo Leme, meu parceiro desde aquela época, e eu adquirimos o hábito de sempre tomar vinho no jantar. Claro que, no início, faltavam duas coisas fundamentais: conhecimento e dinheiro [risos]. Então começamos com os vinhos italianos mais simples. Ninguém na vida escapou de um Bolla, de um Chianti. Todos vinhos honestos, e foi por aí que começou.
Como você foi se aprimorando?
Nunca estudei, não tinha pretensão de ser enólogo e também não queria me tornar um enochato. Sou um apreciador e um apaixonado, e de lá para cá, nesses 30 anos, essa paixão só fez aumentar. Hoje confesso que conheço um pouco mais e tenho mais condições de tomar vinhos melhores.
Qual seu estilo de vinho predileto hoje?
Entrevistar jornalista é ruim porque fico o tempo todo me imaginando no seu lugar fazendo a matéria [risos]. Você quer que eu responda com coração ou com interesses comerciais? [risos]. Vou dar as duas respostas. Evidente que o que está no meu coração são os Bordeaux autênticos. Até por isso, há 5 anos, lá na safra de 2008, quando tive a primeira conversa com o Adriano Miolo e com o Michel Rolland sobre qual vinho fazer, qual seria o primeiro Bueno, disse: "Gente, se for possível, quero um Bordeaux". E eu pensava num corte bordalês autêntico com Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc. Eles me convenceram (quem sou eu para dizer não para o Michel Rolland e para o Adriano Miolo?) que a produção de Petit Verdot do Seival estava excepcional, e que fazer um corte de Cabernet Sauvignon com Merlot e Petit Verdot seria um espetáculo. E realmente foi. O Bueno Paralelo 31 é o primeiro sonho realizado. Eles queriam fazer um vinho que fosse o que eu amava e era isso, um Bordeaux. Ultimamente, estou completamente apaixonado pelo Sangiovese Grosso já que, um pouquinho depois de a revista sair, vou ter a honra e o privilégio de lançar um Brunello de Montalcino. Então hoje divido meu coração entre esses dois.
E os espumantes? O Bueno Cuvée Prestige já teve notas maiores que o Miolo Millésime...
É um motivo de orgulho para nós, para a casa Miolo. Faço um paralelo com a economia brasileira, que passa a Inglaterra, e é passada por ela, e daí passa de novo. Levanto a questão se nós (Brasil) somos o quinto ou o quarto melhor produtor de espumantes do mundo. Acho que somos o quarto, atrás evidentemente de França, Itália e Espanha. E no concurso internacional realizado no ano passado em Bento Gonçalves, a medalha de ouro foi para o Bueno Cuvée Prestige e a medalha de prata foi para o Miolo Millésime, ambos 2009. Então lá nas caves da Miolo, onde estão descansando as próximas gerações que vão a mercado, estão os dois diplomas na parede.
Isso é como uma dobradinha da Fórmula 1?
[risos] Não tenha dúvida que é igual a uma dobradinha da Ferrari [risos]... É um motivo de orgulho para todos nós, para o Adriano e para os enólogos da Miolo.
"Quanto você pagou e qual o percentual que você comprou?" Isso não digo para ninguém. Os Miolo são e devem continuar majoritários no projeto"
A paixão pelo vinho é diferente da paixão pelo esporte?
O cara que se apaixona por vinho é diferente. Eu digo uma coisa: sou um homem extremamente fiel à minha mulher, mas no caso dos vinhos, não sou tanto assim.
Nesse sentido você tem se aventurado não apenas como consumidor, mas também como produtor...
Exatamente, a ponto de eu ter feito, há dois anos, um desafio ao Adriano e ao Miguel (enólogo do Seival, a quem chamo de Dom Pedro Miguel por considerá-lo um nobre na arte de fazer vinhos). O desafio era justamente fazer um Sauvignon Blanc como uma de minhas paixões, que são os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia. Eles criaram uma bandeira para o país e fazem como ninguém o Sauvignon Blanc sem madeira. E você sabe que pedir a um enólogo para fazer vinho sem madeira é um problema... A madeira pode ser a muleta do enólogo. Tropeçou, apoia na madeira [risos]. E fizemos. Recusamos o primeiro ano e felizmente no segundo acertamos o Sauvignon Blanc da linha Bella Vista, que está sendo um sucesso, junto com uma outra coisa que lá no começo eu tinha minhas restrições e hoje estou encantado, que é o Pinot Noir... São os Borgonha. É como tudo na vida. Você vai evoluindo... Ele ficou como a gente buscava. Jovem, com frescor, mineral. É mais um produto dessa maravilha que é o terroir da Campanha, que é a Califórnia brasileira.
O mundo do vinho não permite que se tenha preconceitos eternos e arraigados. Como você, como um embaixador do vinho brasileiro, enxerga isso?
Vou repetir uma frase do Michel Rolland em um de nossos encontros em Bento há quatro anos. Ele me disse: "Galvão, nosso grande adversário não é a qualidade. É o preconceito." Isso vindo de um cara que um dia botou na cabeça que ia fazer um vinho do Novo Mundo o número um da Wine Expectator. E fez, com o Clos Apalta.
E como você fez um paralelo da Campanha Gaúcha com a Califórnia, quem conhece a história do vinho californiano sabe que do nada pode surgir uma história inesperada e maravilhosa...
Exatamente. Apesar de a Campanha estar no paralelo 31 e a Califórnia estar mais para cima (estamos mais para os paralelos de África do Sul, Austrália, um pedaço do Chile, um pedaço da Argentina e evidentemente do Uruguai), acho que é o processo da Califórnia. Um pedaço de Brasil rico em história, absolutamente ligado à pecuária, e que de repente vira um terroir que se buscava no Brasil. Mas temos vários pontos do país. O trabalho feito no Nordeste é fantástico, o Vale dos Vinhedos produz o quatro melhor espumante do mundo, e há também outros setores. Mas a descoberta do terroir da Campanha, aquela faixa de 200, 250 quilômetros, é um espetáculo. Veja a qualidade dos tintos que se faz lá hoje... No domingo, ao final da convenção da Miolo, depois do anúncio da minha participação no grupo societário, fomos lá para a Campanha onde tenho a vinícola Bella Vista, onde a Miolo tem a Seival Estate. Lá, Adriano, Miguel e eu ficamos traçando planos e projetos e ressaltamos que essa marca da Campanha precisa ser mais bem explorada. Precisamos investir, gastar dinheiro com isso. O Ibravin precisaria gastar mais dinheiro com isso. E cada uma das empresas também. Vai ser um de meus rumos dentro do conselho da Miolo, de mostrarmos mais a importância desse terroir.
"Michel Rolland me disse: "Galvão, nosso grande adversário não é a qualidade. É o preconceito."
Aliás, as pessoas falaram muito do uso de sua imagem como embaixador, mas, na minha visão, você traz uma outra coisa, que é a experiência de comunicação tão carente ao vinho brasileiro.
Exatamente. A conversa girava também em torno disso, modernidade e comunicação. Afinal, tenho 62 anos, não sou menino. Tenho 40 anos de televisão que divido em dois ciclos de 20 anos. Nos primeiros 20 anos, a mudança veio, mas veio lentamente. E a vida mostra isso para todos os cidadãos do mundo. Essa maluquice, a velocidade com que os equipamentos se modificam. É preciso se adequar aos novos tempos. E o marketing e a comunicação são fundamentais em qualquer indústria hoje. E a indústria do vinho no Brasil está um pouco atrasada nesse sentido.
Você viaja o mundo todo e mora parte do ano fora do Brasil...
Moro parte do ano aqui em Mônaco.
E quando está aí, você serve seu vinho para seus convidados e amigos? Qual a reação deles?
Aqui é absolutamente surpreendente. Tenho o prazer de ter o Bueno Cuvée Prestige na carta do Sass Cafe, um restaurante que mais tarde vira uma balada e é o mais badalado de Mônaco. É frequentado pelo Bono Vox (que mora aqui pertinho), Tom Cruise, George Clooney, Sharon Stone e pelos nobres aqui. Na carta do Sass Cafe tem o Bueno Cuvée Prestige junto com Dom Pérignon, com Cristal... Quem ia imaginar há 30 anos, quando eu tomava um Asti, que isso iria acontecer...
As pessoas costumam imaginar que esse negócio da Bueno Estate era um brinquedo de alguém que teve muito sucesso e que tem dinheiro para poder ter seus brinquedos. Mas com esse passo de se tornar sócio da Miolo, não há dúvida de que é um negócio. Certo?
Com a Bueno Estate já tinha deixado de ser só uma paixão. Realmente passou a ser um negócio porque não dá para ser um brinquedo. Porque, além de tudo, é um brinquedo muito caro e não sou nenhum milionário. Sou um trabalhador. Trabalho, trabalho, trabalho e, quando está na hora de descansar, trabalho mais um pouco. Na verdade, tudo começou quando fui procurar os Miolo, pedir uma orientação. Queria fazer um vinho, realizar um sonho. Tinha uma pequena vinícola à venda lá mesmo nas bandas da Campanha e fui pedir um conselho. Nesse dia, receberam- me no Seival de forma espetacular. O Darci não pôde estar, mas estava o Adriano, Paulo, Miguel, Ciro (o agrônomo deles que é um espetáculo). O Adriano disse: "Então vamos fazer a coisa direito". E eles me mostraram essa Estância Bella Vista, que estavam separando para eles. Cederam para que eu comprasse e montasse meu projeto de vinho. Orientaram em tudo e cederam até contratação de profissionais deles. E o resultado foi fantástico. Então um dia disse para o Darci: "Queria saber se você não quer vender um pedaço da companhia para mim?". Ele ficou meio espantado. "Veja bem, não é bem assim, tem minha família, meus irmãos, meus filhos, uma história..." Depois, passado um tempo, ele me disse: "Calma que um dia isso vai acontecer". É que estava se estruturando toda uma nova companhia, a compra da Almadén, o crescimento da Terra Nova no Nordeste, e tudo se uniu para compor uma grande empresa. Eu não sabia, mas isso já estava se acertando com as famílias Benedetti e Randon. Estava tudo se estabelecendo com as participações cruzadas de cada família. E a própria Price Waterhouse que acompanhou essa negociação. Até que aconteceu agora, e estou extremamente feliz. Na comunicação oficial seriam a família Miolo, a família Benedetti e a família Randon; e daí disse: "Então põe família Bueno"[risos].
"É preciso se adequar aos novos tempos. E o marketing e a comunicação são fundamentais em qualquer indústria hoje. E a indústria do vinho no Brasil está um pouco atrasada nesse sentido"
Vi que sua filha participa ativamente do negócio...
Sim, todos os filhos, de todos, trabalham mesmo. Minha filha Letícia é fundamental nisso. Ela é a diretora geral da Bueno Wines, que é a Bueno Estate, é a participação na Miolo Wine Group e a Tenuta Bueno, em Montalcino. Por isso coloquei família. Até porque, o futuro da Miolo Wine Brands, o plano de tornar-se um dos três mais importantes produtores de vinho da América do Sul, é algo que será capitaneado e conduzido por uma outra geração. Por isso essa coisa da família que acho tão bacana.
Para você, como foi o processo de negociação das salvaguardas?
Era um choque que precisava acontecer. Participei até de reuniões oficiais, viajamos juntos para as abordagens políticas. Ninguém em momento algum pretendeu prejudicar o consumidor, ninguém pretendeu prejudicar os importadores. A reação é que foi virulenta. Mas era tudo necessário para se chegar ao acordo que chegou. Use meu exemplo. Sou o novo sócio da Miolo Wine Group, com lugar no conselho, tenho lugar no comitê executivo, e também sou produtor de Brunello de Montalcino, na Itália. E quem importa meus vinhos é a Miolo. Como eu poderia ser contra os importadores e vinhos estrangeiros?
E como é sua produção na Itália?
É uma parceria com o enólogo Roberto Cipresso para produzir o Brunello de Montalcino Bueno Cipresso. O Roberto, na América do Sul, é responsável pela Achaval Ferrer.
Agradeço a nossa conversa, pois falamos sobre vinho. Todo mundo que fala comigo só quer saber: "Quanto você pagou e qual o percentual que você comprou?" E isso não digo para ninguém. Os Miolo são e devem continuar majoritários no projeto. Para mim, ter um lugar no conselho e no comitê executivo é poder participar e ajudar na gestão. Sinto-me honrado em fazer parte do quadro societário e poder ajudar na comunicação e modernidade.
#Q#VINHOS AVALIADOS
AD 87 pontos
BELLAVISTA ESTATE PINOT NOIR 2011
Miolo Wine Group, Campanha Gaúcha, Brasil (R$ 52). Tinto elaborado exclusivamente a partir de Pinot Noir, com passagem por madeira. Apresenta cor vermelho-rubi translúcido e aromas de frutas vermelhas mais frescas lembrando cerejas e framboesas, bem como notas terrosas e herbáceas, além de toques defumados e tostados. Em boca, apesar de ter boa estrutura tânica, ser equilibrado, de final persistente e bem feito em seu estilo, a madeira encobre um pouco a vibração e tensão tão característica dessa cepa, de modo a pensar se ela é mesmo necessária aqui. Deve ir bem na companhia carne de cordeiro grelhada. EM
AD 89 pontos
BELLAVISTA ESTATE SAUVIGNON BLANC 2012
Miolo Wine Group, Campanha Gaúcha, Brasil (R$ 52). Branco elaborado exclusivamente a partir de Sauvignon Blanc, sem passagem por madeira e sem fermentação malolática. Apresenta cor amarelo-citrino de reflexos esverdeados e aromas de frutas cítricas e tropicais mais frescas, permeadas por notas minerais e herbáceas, lembrando grama cortada. Em boca, confirma essa fruta mais fresca encontrada no nariz, é equilibrado, estruturado, tem ótima acidez e final médio/longo agradável. De boa tipicidade, é ideal para acompanhar peixes brancos e frutos do mar em geral. EM
AD 90 pontos
BUENO CUVÉE PRESTIGE 2009
Miolo Wine Group, Vale dos Vinhedos, Brasil (R$ 65). Tradicional corte de Chardonnay e Pinot Noir, este espumante branco Brut apresenta cor amarelo-palha de reflexos esverdeados e perlage abundante e persistente. Os aromas agradáveis lembram frutas brancas e de caroço maduras como maçãs e pêssegos, além de notas florais, tostadas, de frutos secos e de pão. Em boca, mostra ótima cremosidade combinada com alta acidez. É estruturado, tem bom volume de boca e excelente equilíbrio e persistência, que convidam a continuar bebendo. Frutos do mar em geral devem ir bem em sua companhia. EM
AD 89 pontos
BUENO LA VALLETTA 2009
Tenuta Bueno - Miolo Wine Group, Toscana, Itália (R$ 110). O renomado enólogo italiano Roberto Cipresso é o responsável por elaborar este tinto exclusivamente a partir de Sangiovese. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos violáceos e aromas de frutas vermelhas mais maduras lembrando morangos e cerejas, bem como típicas notas terrosas, herbáceas e florais, além de toques de cedro e eucalipto. Em boca, confirma essa fruta mais madura, que é equilibrada por sua acidez vibrante e ótima estrutura tânica, num final suculento, longo e persistente. Gastronômico, deve ficar ainda melhor na companhia de massas ao molho tipo sugo. EM
AD 90 pontos
BUENO PARALELO 31 2009
Miolo Wine Group, Campanha Gaúcha, Brasil (R$ 82). Tinto composto de Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot, com estágio de 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos violáceos e aromas de frutas vermelhas e negras mais maduras permeadas por notas especiadas, tostadas e florais, além de toques herbáceos e minerais. Em boca, confirma essa fruta mais madura, que está bem equilibrada com a acidez vibrante e uma boa estrutura tânica, num final longo e persistente, lembrando café e chocolate. Está mais elegante e integrado agora, quando comparado com a amostra provada em 2012 para o Guia ADEGA Vinhos do Brasil. Para as carnes vermelhas mais gordurosas. EM