O norueguês Laurence Odfjell explica a importância da enoarquitetura e critica a doçura dos vinhos chilenos
Fábio Farah Publicado em 07/02/2008, às 07h18 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
“Os produtores chilenos precisam descobrir o equilíbrio entre acidez e doçura”, diz Laurence |
O arquiteto e empresário norueguês Laurence é um atípico produtor de vinhos. Diferentemente de seus pares, sua paixão pela bebida começou tardiamente. Na infância ele não brincava entre os vinhedos e durante a adolescência bebia cerveja. “O vinho não faz parte da cultura da Noruega”, explica ele. Enquanto cursava arquitetura nos Estados Unidos, soube que o pai havia comprado uma fazenda no Chile e pretendia produzir vinho. Nos dois anos seguintes, percorreu vinhedos nos Estados Unidos, África do Sul e França e, em 1993, desembarcou no Chile com expertise para consolidar a produção de vinhos da Odfjell. Apesar de ter passado os últimos dois anos em Cingapura e estar de malas prontas para a Holanda, ele acompanha os negócios da empresa pela Internet ou em feiras de vinho. Em nossa segunda entrevista, degustando os vinhos de sua vinícola, conversamos sobre apicultura, enoarquitetura, enoturismo e a inserção do Chile no mercado internacional da bebida.
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Como um empresário da indústria de navios, como seu pai, resolveu ingressar no mundo do vinho?
Meu pai adora natureza e é um apicultor. Em 1982, ele resolveu comprar uma fazenda no Chile, onde poderia usar suas abelhas para polinizar frutas, como pêras e uvas de mesa. Mas era impossível produzir frutas a partir da Noruega. Também não dava para competir com os grandes. Foi então que surgiu a idéia de montar uma vinícola para não perdermos dinheiro. Agora perdemos muito mais (risos).
E as abelhas do seu pai?
Seu sonho de criar abelhas no Chile já era. Elas querem o açúcar da fruta. Durante nossa primeira safra – que não foi comercializada -, havia centenas de abelhas dentro do vinho. Foi um massacre. Meu pai ficou com tanto dó de ver suas abelhas morrendo que voltou a fazer trabalho com elas na Noruega. Atualmente há poucas abelhas na vinícola e a cada safra elas precisam ser levadas para uma fazenda distante, pois sentem a doçura a dois quilômetros de distância.
Seu pai também levou cavalos noruegueses para o Chile. Como surgiu essa idéia?
Os fjordos são os cavalos mais próximos dos primitivos, descendentes dos que ficaram isolados na Noruega na Era do Gelo. São loiros, com a crina branca e uma linha preta. É uma raça robusta, com muito pêlo pelo corpo. Meu pai achou que eles iriam se adaptar no sul do Chile. Hoje, há cerca de 50 cavalos. Eles são utilizados em hipoterapia e na colheita das uvas.
De que maneira a utilização dos cavalos agrega valor na produção de seus vinhos?
Nosso solo em Maipo é pesado e trabalhamos com plantas para que fique mais leve. Não queremos prejudicá-lo com o impacto de máquinas pesadas. Por isso, utilizamos os cavalos durante a colheita, o que reforça nossa filosofia de deixar o vinho mais natural e orgânico possível.
O senhor é formado em arquitetura e projetou, entre outras, a Odfjell. Quais fatores devem ser levados em consideração nos projetos de vinícolas?
Vinho é um produto natural, muito ligado à natureza. Gosto muito dos projetos quando buscam um relacionamento entre os vinhedos e a obra arquitetônica. Os materiais escolhidos são muito importantes. Para mim, o projeto de uma adega jamais pode se assemelhar a algo de vinho. Isso seria kitsch. E, apesar dos elementos inovadores, vinho tem a ver com tradição. Mas hoje não se pode construir um château para aparentar centenas de anos. É preciso ter uma idéia clara da vinícola, do vinho produzido, para colocar uma mensagem subliminar na construção.
“O vinho deve agradar, o espaço também”, explica Laurence |
Dizem que a Odfjell parece um barco. Qual foi a inspiração para a construção da vinícola?
O formato do barco está lá, mas foi um acidente (risos). A idéia vem da natureza. Ela está em uma ladeira. Quis aproveitar o desnível para usar o processo gravitacional na produção. Mas corri o risco de a fachada ficar agressiva para a paisagem. Procurei esconder parte do edifício. Os materiais escolhidos também foram fundamentais. Escolhi o concreto à mostra, o aço inoxidável e a madeira. E cuidei de todos os detalhes. O vinho deve agradar, o espaço também.
O enoturismo é importante para as vinícolas?
Enoturismo é importante para mostrar que o vinho está além da produção e é parte da cultura. Tento fazer enoturismo em minha vinícola. Mas o Chile é o fim do mundo. O enoturismo faz pouco sucesso. Precisa de muita infra-estrutura. Quem chega lá são os brasileiros. Mas não chega gente da Alemanha, da China. Se eles querem enoturismo, vão a Napa, por exemplo. Hoje, nos Estados Unidos, Napa só perde em turismo para a Disney de Orlando. Impossível para o Chile competir com isso.
Como o Chile se insere no mercado internacional de vinhos?
O Chile tem um histórico de vinhos bons e baratos. É um estigma muito forte. É difícil trabalhar no mercado para tentar mudar esse conceito. O vinho chileno não deve ser visto como bom e barato, mas excelente.
Na sua opinião, os produtores chilenos devem mudar o estilo de vinho?
Acho que o vinho chileno tem muito álcool. Não tem o ácido nem o frescor que os vinhos precisam. Muitos vinhos chilenos são muito doces. Os produtores precisam descobrir o equilíbrio entre acidez e doçura. Beber vinho sem acidez é como colocar água morna na boca. Pessoalmente, acho que estamos mais perto disso.
O senhor diria que esta é uma tendência na produção chilena?
Deveria ser. Mas há um problema mundial. Os vinhos que ganham pontuações elevadas de Robert Parker têm muito álcool. São quase vinhos frutificados. A doçura enche a boca. Todavia, as pessoas não conseguem tomar a garrafa inteira. Desde 2001 nós não participamos mais de nenhum concurso no mundo. Os jurados provam milhares de amostras e os que normalmente ganham têm açúcar residual. O vinho precisa ter vida, ter suculência.