Os desafios do Oriente

Vinho combina com culinária asiática? ADEGA quis pôr à prova as combinações mais ousadas e teve sucesso

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 15/04/2010, às 12h44 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46

A culinária asiática tem grande influência dos japoneses, mas vai muito além, extrapola suas fronteiras gourmet para Tailândia, Vietnã, Indonésia, Malásia, Singapura e outros países que influenciam não só a rica cozinha do Oriente, como também impactam de maneira presente toda a gastronomia mundial. Como apaixonados por vinhos e dispostos a qualquer desafio relacionado à boa mesa e uma boa garrafa de vinho, reservamos o espaço Enogourmet para comprovar que a cozinha exótica da Ásia harmoniza, sim, com vinho.
Pesquisar seus principais ingredientes é um desafio para descobrir maravilhosas combinações entre pratos típicos desta intrigante culinária e vinhos do mundo. Como ainda o assunto é de certa maneira novo para todos nós, fica claro o tamanho do desafio, pois é muito mais fácil e usual realizar uma harmonização de um Coq Au Vin com um bom Borgonha tinto, do que um Chardonnay com um robalo com inúmeros condimentos, sendo um deles o desconhecido (para nós tupiniquins) Nam Pla.

A reunião no Bankao teve Miguel Pardo (empresário do setor industrial), Luis Sobral (executivo do setor tecnologia e serviços), Ricardo Peruchi (jornalista), João Gabriel Nora (gerente de operações e projetos da Inner Editora), Felipe Cunha (gerente de internet e novos negócios da Inner), Arnaldo Grizzo (editor de ADEGA), Christian Burgos (publisher de ADEGA) e este editor de vinhos.

Um desafio e tanto
O menu é assinado pelo chef David Zisman, proprietário do Nam Thai, do Rio de Janeiro. Bastante conhecido por sua expertise na gastronomia tailandesa, David é laureado com o selo de qualidade "Thai Select Brand", do governo da Tailândia. O chef amplia seu repertório com as especialidades de outros países asiáticos visitados por ele ao longo dos últimos oito anos.

Nossa equipe participou da construção do menu com o gerente da casa, o dedicado e preciso Liu Fukushima, sempre atento às melhores combinações possíveis. Dá um pouco de frio na barriga, pois a diversidade e os condimentos da culinária asiática são muito mais complexos que a ocidental. E, depois de muito estudo e pesquisa, ficou claro que o casamento mais eficaz seria com vinhos brancos e espumantes, mas não deixamos de colocar à mesa dois tintos, antes de um belíssimo Porto Vintage para finalizar.

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Depois de muito estudo e pesquisa, ficou claro que o casamento mais eficaz com os pratos asiáticos seria com vinhos brancos e espumantes, mas há espaço para tintos

Singapura! Champagne!
Começamos com o Singapore Basket, um dos conjuntos que são recomendados pela casa para iniciar uma refeição. Essa Basket é um lindo prato composto por quatro iguarias: Rolinho Primavera de Pato, Vieiras com molho Chili, Salmão Defumado com molho de Hortelã e o Kraton Tong. Obviamente, para não errarmos, fomos com o óbvio e tradicional, ou seja, um espumante e, nesse caso, o Champagne Gran Cru da casa Mailly.

Como já abordamos diversas vezes, a versatilidade de um Champagne é mesmo imbatível em termos de harmonização e, em casos como o de diversos aperitivos diferentes, o que realmente aguça é a "votação" do que casou melhor. Tivemos à mesa quase uma unanimidade, pois o melhor par foi a Vieira (muita tenra) com o toque agridoce (leva açúcar na receita), hints de limão, um toque de molho de ostras e nuances do Chilli em pasta, que criou uma sensação deliciosa no palato. Quando tivemos o contato da Vieira com as microbolhas e a deliciosa sutileza do Champagne, a sensação foi de uma deliciosa cumplicidade entre a iguaria e o vinho. "Sensacional harmonização", disse o extasiado Ricardo Peruchi.

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Hanói (Vietnã) e Rio Grande do Sul
O segundo round foi quase uma continuidade do festival de sensações que tivemos no primeiro, pois tínhamos à mesa outro quarteto. O porquê da escolha do Hanói Bag depois do Singapore Basket? Tecnicamente falando, o conjunto do Hanói Bag é um pouco mais intenso que o Singapore Basket.
Sem dúvida, esses dois quartetos são duas grandes pedidas para começar uma deliciosa refeição asiática. Não podemos concluir que é uma regra, mas, no caso dessas "entradas/petiscos", a culinária vietnamita apresentou um conjunto mais condimentado que o de Singapura.

Nessa etapa não podíamos deixar de ter o Rolinho Vietnamita, preparado a partir de papel de arroz, alface, camarão, relish de cenoura e coentro, seguido dos condimentos locais bifum e moyashi. Esse talvez o mais exótico preparado do quarteto, que foi complementado por mais uma Vieira, agora com pesto de hortelã e castanhas, um especial Tiradito de robalo (aqui um ceviche quase peruano, se não fosse o molho de abalone) e, por último, a Ostra com Galantina de Capim Limão.
Realmente interessante foi a escolha do consorte desse conjunto de sensações. Um espumante nacional. Tivemos a coragem de colocá-lo depois de um Champagne. Muita coragem deu certo: o Espumante Extra Brut Gran Reserva da Casa Valduga estava suculento e muito presente. É uma espécie de vinho branco com boa carga de madeira, com um perlage fino e delicado. Casou bem com todos os pratos, mas ficou melhor ainda com o Rolinho Vietnamita. Uma harmonização com tudo no andar superior, no quesito intensidade. Vale a pena provar.

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Um ponto importante. Para os que deixaram na taça um pouco do Champagne Mailly e puderam prová-lo com o Tiradito, comprovaram que a harmonização ficou mais equilibrada com o Champagne do que com o espumante nacional. "Uma mescla de sabores que casou maravilhosamente com a acidez dos dois espumantes", afirmou Miguel Pardo.

De volta à Singapura
A próxima etapa foi simplesmente espetacular, com a inovação da culinária de Singapura, o Singapura Laska. Um prato de frutos do mar com lulas a camarões temperados com hortelã, limão, açúcar e Nam Pla, acompanhados por um elaboradíssimo molho de Curry - denominado Curry Laska, à base de pimenta dedo-de-moça, capim limão e gengibre.
Harmonizar esse conjunto exótico era um desafio. Decidimos ficar no intermezzo de intensidade entre boa carga de fruta, boa acidez e uma composição de frescor, peso e marca aromática. O escolhido foi um vinho à base de Chardonnay e Viognier, esta concedendo um delicioso perfume ao branco. "Foi uma viagem gastronômica à Singapura", atestou Luis Sobral, exaltando o prato e a harmonização.

Ásia e Alsácia, juntos!
Ainda na seção de frutos do mar tivemos mais um prato e o time do Bankao foi ao esplendor. Foi nos servido o Kung Neung Si Ew, um camarão temperado com óleo de gergelim, shoyu, molho de ostras, alho e talo de coentro. Um prato sensacional, pois aliava delicadeza, elegância e, ao mesmo tempo, intensidade.
Escolhemos um Pinot Gris, da Alsácia, uma das belas castas com extrema capacidade de harmonizar com pratos condimentados. A combinação foi fabulosa, pois a acidez do vinho contrapôs com precisão o leve pH básico do camarão, com a força do óleo de gergelim e o delicioso molho de ostras chinês Panda. Ao final da noite, como de praxe fizemos nossa votação, e essa foi uma das harmonizações de destaque.

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Por fim, depois de tantos desafios, uma harmonização clássica: Vinho do Porto e chocolate

Robalo com leite de coco vai com Chardonnay chileno ou cerveja?
Depois desse delicioso camarão tínhamos o último round do mar. Um peixe, o robalo, Ikan Molee, foi preparado com leite de coco, pimenta dedo-de-moça, capim limão, gengibre, castanha de caju, cebola, açafrão e Nam Pla. Aqui tivemos um grande percalço, mas também um grande aprendizado. O prato era muito forte, com o leite de coco predominante. Assim, a madeira do exuberante e sensacional Chardonnay Single Vineyard Quebrada Seca 2007 brigou muito e tivemos que concluir que uma harmonização com esse prato era mesmo um grande desafio.
Sem dúvida, um vinho com menos madeira cairia melhor, mas, definitivamente, esse prato não é construído para ter ao seu lado um vinho. Nossa sensação é que iria melhor mesmo com uma bela cerveja gelada.

Pato
Em seguida, serviu-se o Pad Phed Marka, um peito de pato marinado com anis, canela, coentro em grão, talo de coentro e alho - acompanhado por um apetitoso molho à base de água de tamarindo, shoyu e mascavo. Esse show de exuberância foi servido junto com um potinho de arroz de cúrcuma preparado com arroz de jasmim, cebola, cenoura, cebolinha, Nam Pla, açúcar e cúrcuma.
Diante desse prato, todos puderam sentir o quão sem limites e criativa é a culinária oriental. Muitas sensações seguidas de diversas reações. O conjunto era gostoso e definitivamente diferente de tudo que temos na cozinha europeia. O anis, apesar de muito presente, estava equilibrado e dava um perfume ao pato.

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Nossa decisão foi colocar um tinto alegre, cheio de vida e com alta intensidade. Bingo! Aqui acertamos em cheio, pois o Secastilla 2004, à base de Garnacha, do nordeste da Espanha, estava fabuloso e fez uma paridade espetacular com o exótico e inusitado pato. Christian Burgos exclamou: "Tivemos aqui duas surpresas. O prato pela sua peculiaridade e o vinho pela sua intensidade, potência e alegria". Emendou dizendo: "Uma experiência nova, diferente e aprovada".

Cordeiro
Depois, veio o cordeiro, que leva o nome de Kari Kambing, e tem no tempero: cebola, gengibre, alho, cardamomo, canela, garam masala, leite de coco, cravo e anis. Deu para sentir quão ilimitada é essa culinária? Tudo estava muito bem equilibrado, mas vale ressaltar o papel do garam masala. Esse ingrediente é uma mistura de especiarias moídas, a saber: grãos de pimenta preta e branca, cravinho, louro, cominho preto, sementes de cominho, canela, cardamomo preto, noz-moscada, anis e semente de coentro. Ele deu uma nuance exótica e saborosa ao cordeiro, que, como sabemos, é mesmo uma carne com muita presença.

Mais um round de muita força e que, para encarar um prato com tantos predicados - seja pela carne ou por seus condimentos -, pedia um grande vinho, repleto de corpo, força, boa acidez e profundidade. O fabuloso Oreno, um Super Toscano da safra 2006, elaborado com predominância de Cabernet Sauvignon, com Merlot e Sangiovese, harmonizou com precisão. Arnaldo Grizzo ressaltou: "A força do prato, que a princípio assustava, foi atenuada pela exuberância do vinho, que é, sem dúvida, um dos melhores Toscanos que já provei". Em nossa votação final, essa harmonização foi a campeã da noite.

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Tem chocolate lá também!
O fechamento de nossa noite asiática foi o delicioso Kulf de chocolate. Como somos dedicadíssimos aos Vinhos do Porto, escolhemos um Vintage Port recémlançado no Brasil, o Dourum 2007. O Kulf foi preparado com chocolate belga e Ovomaltine. Foi servido com banana caramelada e deliciosa calda toffee. Essa harmonização foi fácil e tecnicamente quase óbvia. Depois de tanto aprendizado, tínhamos que ter um descanso. O jovem Vintage, com uma acidez fulgurante, contrapôs a força do chocolate. Um gran finale para uma noite em que conseguimos vivenciar uma bela experiência oriental.

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