O Croft Port completou 430 anos em 2018 e fomos a Portugal para celebrar com uma degustação inesquecível
Christian Burgos Publicado em 25/01/2019, às 20h00
Nós, que vivemos no Novo Mundo, normalmente pensamos em idades superiores a 400 anos quando falamos do nascimento de países, mas, recentemente, fomos a Portugal para celebrar os 430 anos da fundação da Croft Port, uma das mais antigas empresas em atividade do mundo.
Tudo começou em 1588 em York, na Inglaterra, com Henry Thompson, justamente no ano em que os ingleses venceram a Armada Espanhola, alterando a geopolítica mundial e marcando o início da hegemonia inglesa pelos mares. A rainha Elizabeth I concedeu à Merchants Company of York o monopólio do comércio exterior na cidade em 1581. Sete anos depois, Thompson se uniu à Merchants Company e recebeu o direito de importar e comercializar vinhos. Em 1736, a família Croft se juntou à firma e lhe deu sua atual designação. A empresa existe até hoje em operação ininterrupta como Croft Port.
Em 1681, as famílias Thompson e Croft se uniram através do casamento de Frances Thompson e Thomas Croft
Voltando um pouco no tempo, em 1647, a companhia tinha caves em Bordeaux e comercializava tecidos com Portugal. Sob o Tratado de 1654, comerciantes ingleses e escoceses em Portugal ficaram isentos de impostos e poderiam praticar sua religião em privado. Muitos mercantes destes países
se estabeleceram na Rua Nova dos Inglezes, onde hoje fica a Feitoria Inglesa. Richard Thompson (ou Ricardo Tomsão, como ele assinou seu nome num documento da alfândega portuguesa da alfândega portuguesa em 1707) desenvolveu a companhia como uma casa de Vinho do Porto e dividia sua vida entre Portugal e Inglaterra, onde, já rico, ocupou o cargo de Lord Mayor of York (prefeito de York). Em 1681, as famílias Thompson e Croft se uniram através do casamento de Frances Thompson e Thomas Croft. As famílias se casariam entre si mais cinco vezes.
Outro descendente ilustre da família foi John Croft II, que é autor do primeiro livro sobre o Vinho do Porto, publicado em 1788.
Foi justamente na Feitoria Inglesa (casa preservada como um museu e ponto de encontro dos produtores, mantida pelas casas inglesas do Vinho do Porto) que aconteceu a degustação e o jantar de celebração dos 430 anos da Croft. Foram convidados os principais nomes da imprensa do vinho em Portugal e dois nomes do outro lado do Atlântico, o sommelier Manoel Beato e nós de ADEGA.
Fomos recebidos pelo presidente do The Fladgate Partnership proprietário da Croft Port, Adrian Bridge, que nos aguardava na sala dos mapas para apresentar uma carta geográfica elaborada na década de 1830, ocupando praticamente uma parede, e que reportava trechos do Brasil ricos em ouro e outros onde os índios ainda não tinham tido contato com o “homem branco”.
Degustação comemorativa contemplou 17 safras desde 1945
Daí teve início uma degustação histórica conduzida pelo enólogo e diretor técnico do grupo, David Guimaraens, genial criador de vinhos e um verdadeiro poço de conhecimento da história do Vinho do Porto. É essencial entender que Guimaraens considera a Quinta da Roêda como a alma da casa Croft, cujas primeiras videiras foram plantadas em 1811 e são banhadas pelo sol da manhã. A quinta no Cima Corgo é descrita como uma língua de terra na esquina sudeste do rio Pinhão, um afluente da margem direita do Douro e já tinha adquirido reputação quando, em 1844, foi comprada pela Taylor, Fladgate & Yeatman, para depois, em 1889, ser vendida para a Croft.
Quando, em 2001, a Croft foi adquirida pelo The Fladgate Partnership, a quinta de certa forma voltou a família e coube ao diretor de viticultura do grupo, o estudioso António Magalhães, recuperar e replantar os 130 hectares de vinhedos. Na cantina, foi a vez de David Guimaraens voltar às origens com os lagares de granito e a pisa a pé na elaboração dos vinhos – como pudemos constatar numa visita no dia seguinte à degustação.
Guimaraens salientou que todos os Vintages selecionados por ele para a degustação têm participação da Quinta da Roêda, e os cinco primeiros foram feitos nas adegas da quinta. A degustação cobriu 70 anos de Vintages históricos: 1945, 1948, 1955, 1960, 1963, 1966, 1970, 1975, 1977, 1991, 1994, 2000, 2003, 2007, 2009, 2011 e 2016.
AD 98 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Impossível dissociar esta safra de seu contexto histórico, elaborada ao fim da II Guerra Mundial. O vinho é uma verdadeira celebração, uma homenagem ao futuro. Apresenta juventude incrível e em nada revela seus 73 anos. Nem a cor, nem o aroma, que permanece vivo e presente. Em boca, também é um jovem. É como se estivesse iniciando seu processo de evolução, com os primeiros toques de nozes e amêndoas, mas sobretudo uma vibração e acidez inacreditáveis. Cereja e xarope são as bases em boca que sustentam e aparam a acidez. Depois vai abrindo em taça e apresenta aromas com toques a toucinho muito leves. Seu final é uma navalha e chama um gole após o outro. CB
AD 94 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Aqui o nariz revela-se com muitos aromas terciários, ervas e um toque de porão. A boca é muito exuberante com perfil de tabaco e desde já mais evoluído que seu irmão mais velho, o 1945. Também desenvolve um toque de toucinho, e depois feno ao fim de boca. Arrisco dizer que, aos 70 anos, está em seu ápice. CB
AD 93 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. De um ano quente, apresenta mais o melado e toques de amêndoas e nozes. Demonstra também mais dulçor que 1945 e 1948. Também apresenta um perfil lácteo de doce de leite. Um vinho mais quente e plenamente vivo. Uma comparação entre gigantes. CB
AD 92 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Lembra o perfil do 1955 com mais equilíbrio vindo da acidez, menos melado e menos lácteo. Dulçor, picância e um toque de ervas. Ainda tem muita vida pela frente. Penalizo um pouco em pontos por apresentar menos limpidez em seus traços. CB
AD 98 pontos
CROFT VINTAGE 1963
Croft Port, Douro, Portugal. Nariz muito elegante, o mais elegante de todos, com um perfil de água passando pelas pedras. Uma incrível potência equilibrada com elegância. A acidez, junto aos taninos o manterão praticamente imortal. O retrogosto é eterno, e consegue fazer tudo isso sem o dulçor. Não à toa 1963 é considerada a grande safra do século passado. O 1963 foi aberto junto com o 1945 três horas antes da degustação e vale a pena comparar este ano fresco com o ano mais quente do 1945. A cor é mais clara que o primeiro, e 1963 foi o último ano de pisa a pé até 2003. CB
AD 94 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Vibrante e vivo. Opulento. Um perfil muito diverso do 1963. Curiosamente o melaço e a picância são o que o marcam. Mas é extremamente límpido em seu perfil. O retrogosto é eterno, com um final medicinal. Não pense em nada para acompanhá-lo, é um vinho e uma sobremesa na taça. CB
AD 95 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. De fato, o perfil de extração muda com a mecanização. Parece mais direto e mais limpo, mas ao mesmo tempo menos orgânico em sua textura que é menos arenosa e mais contundente. A fruta permanece muito jovem e os taninos estão aí prometendo muitos anos pela frente. CB
AD 93 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Começa com um toque de cânfora que não está no 1970, nem em nenhum dos anteriores. Claramente a picância da acidez tem um perfil diferente, com especiarias doces complementando o conjunto. Mais doce no fim de boca. CB
Grupo Ludovice Ensemble interpretou música ibérica do século XVI com instrumentos de época
AD 91 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Mostra menos fruta e curiosamente menos acidez também. Um belo vinho, mas perde em preferência quando comparado aos anteriores. Mantém-se jovem, mas carece de exuberância. A curva de fruta cedeu antes dos demais. CB
AD 92 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. A cor confirma o salto de uma década, mas curiosamente é apenas um pouco mais intensa vermelha do que o 1945. Floral, com fruta vermelha e bergamota. Aromas de ervas e feno, com o ano seco bem marcado aqui. Força e não opulência, com muitos anos pela frente. CB
AD 93 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Uma das melhores safras na década de 1990. Com equilíbrio lá em cima e fruta muito intensa, para durar uma vida, com taninos e acidez trabalhando juntos pelo conjunto. Se tiver uma desta na adega, pode esperar tranquilamente mais 15 ou 20 anos. CB
AD 87 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Última safra antes da venda para Fladgate. Muito educativo para mostrar o efeito que restrições financeiras podem ter em um projeto. Um vinho menor. Fica mesmo no caminho entre o tinto e o Porto, menos equilíbrio e um aspecto mais químico, acetato. Prova que era necessária uma troca de mãos na companhia. CB
AD 93 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. De fato, o 2003 sinaliza o retorno. Volta a ter a vibração e a vida, com qualidade de acidez e taninos incomparavelmente superior ao 2000. Muito equilibrado, muita vida, muita fruta, muita acidez e taninos com textura que volta aos irmãos pré-1966. Prova da qualidade da pisa a pé. Sua evolução em taça foi um pouco mais tímida. CB
AD 96 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Uma criança. Mirtilo, doçura de fruta, acidez e taninos ainda muito jovens. Junto a esse perfil de xarope, temos frescor de fruta e um delicioso toque medicinal. Força e potência são equilibradas pela acidez marcada. Lembra boas características do 1963 em sua relação fruta, acidez e taninos, começando a transformação com muita vida pela frente. CB
AD 92 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Resultado de um ano muito seco na época do amadurecimento. Belíssimo vinho, com perfil fino e estruturado. Ao invés de potência e dulçor, temos concentração, um vinho direto e com deliciosas arestas. Tudo isso o tornam marcante e capaz de brilhar e mostrar suas qualidades, mesmo após 15 outros Portos degustados. CB
A degustação foi assim encerrada por Adrian Bridge “tudo isso é a riqueza de uma casa, mas é o futuro que é o mais importante”
AD 99 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. O 2011 é exatamente como me lembrava da degustação de declaração desta que é seguramente a maior safra deste século, e que rivaliza, e potencialmente vence, as grandes 1963 e 1945. Consegue ter tudo. Suculência e dulçor de frutas, acidez vibrante e um tempero medicinal. Mas os taninos são o melhor de tudo. Pedindo licença poética ao Petrus, “punho de aço numa luva de veludo!” CB
AD 94 pontos
Croft Port, Douro, Portugal. Após o seco ano de 2015, esta safra começou com uma primavera muito úmida. As baixas temperaturas noturnas ajudaram a prolongar os tempos de fermentação, possibilitando uma extração longa e suave. Com a fruta acompanhada por traços a mocha, é elegante e fino, um Vintage que já nasce equilibrado e vai demandar menos paciência na adega. CB
Após a degustação, Fernando Seixas, representante da Croft, conduziu-nos em um passeio pela Feitoria apresentando curiosidades, como a escada cujos degraus vão ficando mais baixos à medida que subimos, de forma que as pessoas têm que elevar menos os pés enquanto sobem e se cansam. Também visitamos a cozinha preservada que fica no último andar do edifício, assim, em caso de incêndio, o fogo não consumiria o prédio de baixo para cima e poderia ser combatido mais facilmente. Aliás, diversos baldes de couro com areia eram mantidos na cozinha para funcionar como extintores de incêndio. Também está na casa o primeiro refrigerador do Porto, que funcionava a gás. Para o evento, no majestoso salão de bailes, foi montada a mesa de banquetes para 30 pessoas, onde previamente ao jantar, fomos agraciados com uma performance do grupo Ludovice Ensemble interpretando música ibérica do século XVI com instrumentos de época.
Para celebrar os 430 anos, a Croft criou uma garrafa comemorativa com lindo rótulo e embalagem. Um belo presente que dá dó de abrir, mas gosto de tomar.
AD 91 pontos
CROFT 430TH ANNIVERSARY
Croft Port, Douro, Portugal. Esta edição comemorativa é um Ruby Reserva muito intenso. Com a fruta vermelha vibrante, leve aroma medicinal, taninos poderosos, acidez vibrante e fim de boca com especiarias doces, sobretudo canela. Suculento e potente. CB