O proprietário da única importadora européia dedicada aos nossos vinhos ressalta a qualidade da bebida produzida no Brasil e revela sua paixão pelo país
Fernando Roveri Publicado em 21/11/2006, às 15h48 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
Roman Vanek: fascínio pela cultura, gastronomia e vinho brasileiro |
Nascido em janeiro de 1969, em Praga, Roman Vanek iniciou seus estudos em arte publicitária na Escola Arte Vaclav Hollar, onde se especializou em fotografia, e depois cursou jornalismo na Universidade Carolina de Praga. Começou a carreira de negócios importando calçados brasileiros, poloneses e indonésios. Quando soube que o Brasil produzia vinhos, investigou o universo vitivinícola brasileiro e se apaixonou. Substituiu os calçados pelos vinhos e criou a Cosmpolitan Brazilian Wines, a única importadora de toda a Europa dedicada somente à importação de vinhos 100% brasileiros. Em entrevista exclusiva à ADEGA, Roman fala sobre a crescente importância do vinho brasileiro no mercado internacional.
Como surgiu seu interesse pelos vinhos?
A gastronomia e o vinho são as grandes paixões da minha vida. Tive a oportunidade de cozinhar em vários restaurantes de primeira linha na República Tcheca e no exterior, inclusive com o chef Alex Atala. Um dia, meus amigos perguntaram se eu era capaz de trazer vinho do Brasil. “Vinho? Será que se produz vinho no Brasil?“, perguntei a mim mesmo. Por isso parti imediatamente para visitar lugares que não conhecia até então, como o Vale dos Vinhedos e Bento Gonçalves. Fiquei pasmo. Encontrei vinicultores, pessoas modestas com um ímpeto e uma empatia imensos e me deparei com grandes investimentos feitos nos vinhedos, na viticultura e na tecnologia. Dois meses depois eu levava as primeiras 16 mil garrafas de vinho brasileiro para a República Tcheca.
Por que criar uma importadora voltada exclusivamente aos vinhos brasileiros?
É muito simples. A República Tcheca tem pouco mais de dez milhões de habitantes, a Eslováquia tem cinco milhões. O consumo de vinho per capita na República Tcheca chega atualmente a uns 16,5 litros anuais. Tendo em vista que a República Tcheca fica no coração da Europa, o mercado de vinho está supersaturado e a concorrência é enorme. Para obter sucesso no mercado, tive que tomar algumas decisões. Fundei uma sociedade independente com um novo nome (Cosmopolitan Brazilian Wines) e lancei um portal de informações na Internet (www.brazilian-wines.com), que mais tarde seria prestigiado com o prêmio de melhor website do ano na República Tcheca. Foi necessário criar um perfil distinto voltado ao mercado.
Os vinhos brasileiros tiveram boa aceitação na República Tcheca?
No começo não foi fácil. O caminho podia ser aberto somente de uma maneira, de cima para baixo. Se pessoas interessantes e famosas começassem a apreciar o vinho brasileiro, o mercado comentaria. Nos últimos três anos, realizei 140 degustações de vinhos brasileiros e palestras com fotos mostrando o boom da vitivinicultura do Brasil. Oferecemos, vendemos e presenteamos celebridades com os vinhos. Naquela época pude contar com grande apoio dos próprios vinicultores, do então criado consórcio Wines from Brazil e sobretudo da APEX. Graças a esses apoios foi possível organizar a primeira grande excursão à vindima no Brasil de jornalistas tchecos, que escolhi com muito cuidado. A reação deles me comoveu. “Roman, por que você não nos disse nada antes?“, perguntavam.
Qual é o mercado consumidor para os nossos vinhos?
Vendemos ao Congresso Nacional tcheco, muitos ministros do Governo também provaram. Entre nossos clientes estão embaixadas, inclusive os Embaixadores do Brasil e dos Estados Unidos, senadores, esportistas, atores, cantores, médicos e juristas famosos, além dos melhores hotéis e restaurantes do país. Agora começa a difícil tarefa de vender para vinotecas, tendo em vista que vinhos brasileiros têm preços bem mais altos que os chilenos e os argentinos.
“Assim que o brasileiro mudar a relação com o próprio vinho, o mundo ficará sabendo“, diz Roman |
O que o atrai nos vinhos brasileiros?
Para muitos dos meus clientes, os vinhos brasileiros continuam sendo uma grande raridade. Muitas vezes isso não prejudica os negócios, pelo contrário. Minhas suposições estão começando a se realizar na prática. A cada seis meses tenho oportunidade de experimentar vinhos cada vez melhores. Uvas fantásticas amadurecem na região da Campanha Gaúcha. O Vale dos Vinhedos confirma a sua continuidade e pureza. A qualidade de muitos vinhos realmente melhora de uma safra para outra, com vinhos muito bons de se apreciar. Conheço vários Merlots da safra 2004 que são fenomenais.
O que seus clientes dizem ao descobrir os vinhos brasileiros?
Eles gostam de apreciar vinhos que são produzidos com a máxima pureza e nos quais não predomina o aroma e o sabor da madeira de carvalho do tonel. Hoje é bem mais fácil escolher os vinhos certos para o mercado europeu, ainda que em certos casos os preços sejam altos. Os vinhos brasileiros se destacam cada vez mais em toda a Europa. Nas avaliações internacionais, raramente voltam sem conquistar uma medalha. Fico feliz pois é uma grande ajuda aos negócios. É excepcional ouvir as pessoas falando, durante as degustações, que não esperavam tamanha qualidade.
Na sua opinião, os vinhos produzidos no Novo Mundo podem dominar o mercado, superando as vendas dos vinhos europeus?
Isso é uma bobagem. Todo vinho tem a sua história. Acho perfeitamente natural que os vinhos do Novo Mundo vivam um boom na Europa. A causa disso é muito simples. São vinhos absolutamente legíveis, sobretudo para a geração jovem, para serem apreciados imediatamente. Claro que devemos tomar cuidado com a qualidade, mas, mais cedo ou mais tarde, chega o momento em que todo amante do vinho deseja conhecer um “legítimo Champagne“, um grande Bordeaux com sua história centenária, um Barolo de uma grande safra. Sei que se trata de negócio, mas o vinho é uma matéria fina e um amante legítimo sabe disso.
A Comissão Européia decidiu extrair 400 mil hectares de vinhas na Europa para reduzir a produção excedente de vinho na Europa. Foi uma boa idéia?
Entendo as razões econômicas que levaram a Comissão Européia a esta decisão. Temo que uma parte dos vinicultores que não têm obtido bons resultados econômicos aceite esta proposta. Trata-se de uma negação flagrante da continuidade da vitivinicultura na Europa, que tradicionalmente não dava somente prioridade aos melhores, mas era capaz de satisfazer todas as categorias de consumidores. Se o projeto for levado adiante, os consumidores perderão a tradicional variadade da oferta de vinho. Seremos testemunhas de uma certa forma de “coca-colização“ do mercado europeu de vinho.
Além dos vinhos brasileiros, quais outros vinhos o senhor aprecia?
Aprecio muito os nossos vinhos tchecos, sobretudo os brancos, que têm obtido bastante sucesso no exterior nos últimos tempos. Gosto de desfrutar de uma taça de um jovem Dolceto ou de um Barbera d‘Alba de Piemonte de uma safra mais antiga. Este ano descobri uma excelente variedade chamada Teroldego. Dessa variedade, o “Teroldego Rotaliano Conti di Asti 2001“ e o “Teroldego Salton Series 2005“ são vinhos excepcionais. É claro que não desprezo os vinhos franceses, portugueses etc.
O que mais o fascina no Brasil?
É fascinante observar as diferenças entre as pessoas, a cultura e a gastronomia nos diferentes estados brasileiros. Estamos preparando viagens enoturísticas no Brasil, partindo do Vale dos Vinhedos, evidentemente. Estou escrevendo um livro sobre a gastronomia e os vinhos brasileiros. Sinto o pouco orgulho e o desinteresse que os brasileiros têm do seu vinho. Às vezes sento com meus amigos do Brasil, abro uma garrafa de vinho e eles dizem: “Excelente vinho, de onde é? Itália, Chile, França?“. “Esse vinho foi produzido no país de vocês“, respondo. Assim que o brasileiro mudar a relação com o próprio vinho, o mundo ficará sabendo, e será muito mais fácil fazer negócios com o vinho de vocês.