Aproveitando a época do ano, a das trufas brancas, ADEGA colocou a iguaria frente a frente com quatro tintos especialíssimos. O resultado foi delicioso...
Marcelo Copello Publicado em 01/12/2005, às 10h15 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43
O casal Edécio Armbruster e Odila Moraes, Marcelo Copello e o chef Mauro Maia |
O ouro fascina a humanidade desde a sua descoberta. Entre os metais, ele reina por ser o único a reunir beleza, brilho, virtual indestrutibilidade e maleabilidade, podendo ser transformado em preciosos adornos.
Conhecido como "ouro branco" o tartufo bianco (ou trufa branca) tem muitas afinidades com este metal: sua cor, sua preciosidade e o fato de poucos gramas seus bastarem para transformar qualquer prato em uma jóia.
No Enogourmet deste mês, como sempre colocando a teoria à prova, degustamos pratos coroados com a trufa branca compatibilizados com nobilíssimos tintos. O palco do encontro foi o restaurante Supra, em São Paulo. Comandada por Mauro Maia, que já ganhou o prêmio de chef revelação no Guia 4 Rodas, a elegante casa é especializada em culinária do norte da Itália, berço do tartufo bianco. O raro fungo, dependendo de sua preparação, pode ser acompanhado por uma ampla gama de vinhos, entre brancos, espumantes e tintos. Para não dificultar nossa análise, nos restringimos aos tintos, que são a combinação mais usual para a trufa. As preparações eleitas foram duas. Primeiro o clássico dos clássicos quando o assunto é a tartufo bianco: gema de ovo mole, nesse caso coberta por uma tenra polenta. Como segundo prato não poderia faltar um italianíssimo risotto, aliando, como num duo operístico, o tartufo bianco ao funghi porcini. Para pretendentes ao matrimônio com estas preciosas criações gastronômicas, escolhemos quatro tintos importantes, de quatro de origens, uvas e safras diferentes, fornecendo um amplo painel (leia mais sobre os vinhos a seguir).
Polenta con uova al profundo di tartufo bianco d´Alba | Risotto con funghi porcini al profumo di tarrufo bianco d´Alba |
A mesa de jurados-comensais foi composta por este dedicado editor, pelo chef Mauro Maia e por um dos casais mais charmosos do enogastronomia brasileira, Edécio Armbruster e Odila Moraes, respectivamente presidente e diretora sócio-cultural da SBAV-SP (Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho de São Paulo). Antes de prosseguirmos veja a análise dos vinhos e o "mapa da mina" elaborado pelo especialista Guilherme Corrêa na próxima página.
#Q#A prática
O Primeiro prato: "Polenta con uova al profumo di tartufo bianco d'Alba".
Quando alguém pede um prato trufado todo o restaurante fica sabendo, tão potente e distinto é o aroma do fungo. Foi assim com esta polenta, de causar tudo menos indiferença. No que diz respeito aos vinhos as opiniões foram quase unânimes, ganhou o Barbaresco. Para Edécio e Odila a integração deste vinho com o prato foi harmônica, seu perfil aromático e corpo foram perfeitos. Em minha opinião o Bararesco também foi o mais adequado, embora ache que sua estrutura tenha ultrapassado um pouco a do prato
O Borgonha ganharia, não fosse a gema de ovo, que elevou o nível de sabor e untuosidade da polenta. Para chef Mauro, compreensivelmente o Borgonha foi o campeão, já que o vinho deu destaque a sua criação. Mauro lembrou que todos os vinhos tinham amadurecimento em carvalho, o que, segundo ele, é um complicador para combinação com a trufa. O Protos impressionou a todos por sua qualidade e potência, mas atropelou ambas as receitas e nos fez desejar a suculência de uma carne grelhada para acompanhá-lo. O excelente Cheval des Andes e a polenta não chegaram a um litígio, entretanto pareciam um casal que não falava a mesma língua.
O segundo prato: "Risotto con funghi porcini al profumo di tartufo bianco d'Alba" O risoto surpreendeu a todos pela elegância do preparo. Com pouca manteiga, nenhum queijo, nem pimenta, o destaque ficou para a perfeita cocção dos grãos e os aromas dos fungos porcini e tartufo.
Conseguimos desta vez uma unanimidade. Para um prato tão delicado o Borgonha foi a escolha perfeita. Edécio lembrou que pratos que levem manteiga sempre trazem alguma afinidade com vinhos desta região francesa, de culinária rica neste tipo de gordura animal.
O Barbaresco demonstrou afinidade com o prato, mas seus taninos ainda jovens se sobrepuseram à delicadeza da receita. Se os outros dois tintos já eram por demais potentes para a polenta, subjugaram o risoto. A solução foi complementar o jantar com uma tábua de queijos e assim não desperdiçar nem uma gota de tão excelentes vinhos. Salute!
#Q#A teoria* | ||
Dotadas de um aroma fascinante e penetrante, as trufas são certamente as iguarias mais raras e valorizadas pelos gourmets do mundo inteiro. Idiossincráticas, chegam a causar repulsa em alguns paladares desavisados, mas seu volume e persistência olfativa, beirando o decadente como no langoroso cantar de Billy Holliday, apaixonam de um modo quase vicioso um fiel e seleto grupo de entusiastas dispostos a esvaziar a carteira para se inebriarem com sua fragrância etérea. No que diz respeito aos vinhos, é importante salientar que as trufas não são apreciadas sozinhas, mas sempre fazendo parte, como protagonista ou talentosa coadjuvante, de uma receita. Ao agregar potência e complexidade olfativa a um prato, contudo, elas pedem no vinho uma resposta neste sentido, ou seja, vinhos ricos em aromas, com volume e amplitude. Os aromas de bosque de outono encontrados em alguns vinhos, particularmente nos Nebbiolos e Pinot Noirs, também criam uma afinidade incrível com as trufas, uma ligação mágica e telúrica. Já que a sua composição é basicamente água (mais 10% de carboidratos, 6% de proteínas e o restante em lipídios, minerais e vitaminas) e as quantidades empregadas no preparo culinário são mínimas, concluímos que os vinhos que elegeremos para o casamento enogastronômico, fora a questão da força e do perfil dos aromas, deverão acordar com as características do prato em questão, e não propriamente com os raros tubérculos. Com a polenta trufada com gema de ovo quente, acredito que os dois tintos possivelmente com a melhor acidez trarão mais contraste à tendência ao doce da polenta, a saber o Pommard e o Barbaresco, embora a tanicidade do Barbaresco jovem possa gerar um desconforto maior perante a gema de ovo cru, e seu nível de corpo possa extrapolar um pouco o nível de estrutura da polenta. O Cheval des Andes, com a sua "doçura" alcoólico-glicérica típica do Novo Mundo, além da sua concentração, criará uma harmonização mais cansativa, e talvez até anulará a expressividade do prato. O risoto com cogumelos e trufas é um prato cheio, metaforicamente, para o Barbaresco, além da acidez necessária à natureza amilácea do arroz, precisamos de mais estrutura e taninos para a untuosidade derivada do processo de mantecatura a que todo risoto à moda italiana é submetido na finalização da cocção, já fora do fogo. Talvez falte esta firmeza tânica ao Pommard maduro, embora seu perfil de aromas certamente enaltecerá o contexto outonal deste prato. O Protos poderá se revelar muito bem com o risoto quanto à complexidade e estrutura, apesar de achar que a linha olfativa esteja mais para o Pommard e o Barbaresco. O aristocrático Cheval des Andes, com seu equilíbrio pendente à maciez, é um vinho auto-suficiente, e não obstante possa se harmonizar ao risoto, não propiciará aquele enlace divino, tanto técnico quanto emotivo, o que aliás, as trufas merecem. *Guilherme Corrêa é sommelier formado pela Associazione Italiana Sommeliers |
Os vinhos da noite
Protos Gran Reserva 1999, Bodegas Protos, Rioja-Espanha
(Península, R$ 328). Rubi escuro com reflexos alaranjados. Aroma potente,
com muito carvalho, tabaco, cedro, frutas maduras, couro novo e especiarias
em exuberância. Paladar estruturado, com taninos muito presentes, longo
final, seco, onde a madeira aparece mais uma vez. Vinho que mais impacto
causou na degustação. Essa jovem precisa de tempo de garrafa.
Barbaresco 2001, Pio Cesare, Piemonte-Itália (Decanter,
US$ 115,40). Cor granada entre claro e escuro. Encantador no nariz, com
toque de borracha, especiarias, frutas cristalizadas, violetas, tostados,
cravo, musgo e pelica. Paladar de bom corpo, boa acidez, taninos jovens
ainda bem presentes.
SERVIÇO | ||
Restaurante Supra Rua Araçari, nº 260 - Itaim Bibi São Paulo, SP - Tel.: (11) 3071-1818 |