Redação Publicado em 23/09/2010, às 09h16 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47
A Alma do Vinho
A alma do vinho, certa tarde, nas garrafas
Cantava: “Homem, elevo a ti, que me és tão caro,
No cárcere de vidro e lacre em que me abafas
Um cântico de luz e fraterno amparo!
Bem sei quanto custou, na tórrida montanha,
De causticante sol, de suor e de mau-trato
Para forjar-me a vida e enfim a alma ter ganha.
Mas não serei jamais perverso nem ingrato,
Pois sinto uma alegria imensa quando desço
Pela goela de quem ao trabalho se entrega,
E seu tépido peito é a tumba onde me aqueço
E onde me agrada mais estar do que na adega.
Não ouves os refrães da domingueira toada
E a esperança que me unge o seio palpitante?
Cotovelos na mesa e a manga arregaçada,
Tu me honrarás e o riso há de ser constante;
Hei de acender-te o olhar à esposa embevecida;
A teu filho farei voltar a força e as cores,
E serei para tão tíbio atleta da vida
O óleo que os músculos enrija aos lutadores.
Repousarei em ti, vegetal ambrosia,
Grão atirado pelo eterno Semeador,
Para que assim de nosso amor nasça a poesia
Que ruma a Deus há de subir qual rara flor!”
Charles Baudelaire (tradução de Ivan Junqueira – extraído do livro “A alma do vinho”, seleção de poemas e contos de Waldemar Rodrigues Pereira Filho)