Pelos caminhos do vinho

Presente e futuro do vinho no Brasil foram avaliados e discutidos em dois importantes eventos na Serra Gaúcha

Sílvia Mascella Rosa Publicado em 07/10/2010, às 07h32 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47

Onde durante décadas caminharam somente imigrantes, agricultores, peões e pequenos comerciantes, cruzam-se hoje ônibus de turistas, caminhonetes de vinicultores, enófilos e aventureiros em busca dos novos caminhos do enoturismo. Para compreender melhor esse movimento, que desloca milhares de pessoas em variadas regiões vitivinícolas do mundo, ocorreu o I Congresso Latino-Americano de Enoturismo, realizado no coração do Vale dos Vinhedos em setembro.

Durante três dias, quase 150 pessoas participaram de palestras, visitas e de uma jornada científica para conhecer experiências e identificar oportunidades que o enoturismo oferece. A secretária de turismo de Bento Gonçalves, Ivane Fávero, idealizadora do congresso, afirmou que o enoturismo já é um produto forte o suficiente para entrar na pauta de discussões do Ministério do Turismo, e que o Rio Grande do Sul não está sozinho nesse movimento, que congrega vários estados brasileiros.

O antropólogo espanhol, Dr. Luis Vicente Elias Pastor, responsável pela documentação e patrimônio histórico da vinícola R.Lopéz de Heredia, em Rioja, disse, em sua palestra de abertura, que acredita que o turismo do vinho esteja se transformando em um turismo dos sentidos e das várias satisfações que uma pessoa pode obter em uma viagem. "A diferenciação é feita através dos valores únicos de cada região que, para terem interesse a longo prazo, precisam ser mais culturais do que comerciais. Por exemplo, o vale de Napa nos Estados Unidos é comercialmente bem sucedido, mas praticamente não acrescenta valor cultural e nem representa a região. Já na América Latina é possível agregar ao vinho uma apreciação do território e das pessoas que ali vivem", explicou o professor.

#Q#

Vinho e identidade cultural
Nos últimos anos, o conceito de terroir tem sido ampliado para que englobe também a participação do homem e a cultura da região que o identifi ca. Thomas Wilkins, gerente de marketing da vinícola chilena Casa Silva - um dos idealizadores da "Rota do Vinho de Colchagua", região chilena que recebe o maior e mais bem organizado fluxo de turistas - contou que até meados da década de 1990 nenhum chileno pagava para ir visitar uma vinícola, pois o enoturismo não estava conformado num modelo que apresentasse ao turista uma interação do produto com o meio. Quando os produtores se deram conta disso e mudaram suas estruturas para apresentar e acomodar a cultura, a história do enoturismo no país mudou. "O vinho é um dos poucos negócios do mundo nos quais um consumidor viaja e paga para conhecer a cadeia produtiva de um bem que ele já consome", analisou Wilkins.

Congresso de enoturismo discutiu opções para o setor

A jornalista Carmen Pérez, coordenadora de comunicação do Fundo Vitivinícola de Mendoza, na Argentina, concorda que as vinícolas deixaram de ser um espaço exclusivamente industrial para se transformarem em um espaço cultural, oportunizando o enoturismo e acrescenta: "A presença do consumidor em uma vinícola que se importa com ele e que trabalha suas raízes e seu entorno melhora a imagem da empresa, gera empregos, aumenta o faturamento e conserva o meio ambiente, pois ele é finalmente preservado como parte inseparável da experiência do enoturismo".

Um evento, 750 participantes
A Serra Gaúcha atrai visitantes e enófilos de todo país, como ficou claro no painel "Casos de Êxito em Enoturismo", que reuniu as vinícolas Aurora e Casa Valduga e a direção do Hotel e Spa do Vinho. Ele mostrou os desafios e realizações de três empreendimentos considerados modelo na cidade, seja por sua oferta única no País e suas instalações grandiosas (caso da parceria do Hotel com o Spa Caudalie de Bordeaux) ou por seu tratamento diferenciado das tradições culturais da região, como o fazem a Aurora (que tem um roteiro turístico desde 1984 e vem se adaptando às necessidades da terceira idade e dos portadores de deficiência), e a Casa Valduga, que incorpora espaços para hóspedes às instalações da vinícola e resgata a culinária e as tradições dos imigrantes em seus restaurantes.

Mas, apenas um dia depois do final do Congresso, a cidade recebeu a 18a edição da Avaliação Nacional de Vinhos, em que 750 pessoas (produtores, enólogos e enófilos em geral) se reuniram para provar e comentar os 16 vinhos mais representativos da safra de 2010. Promovido pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), o evento é a mais interessante festa do vinho brasileiro.

#Q#

Antropólogo Luis Vicente Elias Pastor (foto à esquerda) foi um dos palestrantes do Congresso de Latino-Americano de Enoturismo, idealizado por Ivane Fávero (nesta foto)

A jornalista Susana Barelli, experiente degustadora, participou pela primeira vez da mesa de avaliadores e se disse impressionada: "Subir ao palco e ver aquele enorme grupo de pessoas e taças que quase somem no horizonte é até um pouco intimidante a princípio", contou Susana logo após o evento.

A Avaliação Nacional de Vinhos não é um concurso, e sim uma enorme prova dos vinhos da safra do ano em curso (nem todos eles prontos para o mercado), que outorga certificados aos mais representativos. Foram inscritas 260 amostras de sete estados brasileiros, uma tendência que fica mais evidente a cada ano que passa, sinal de que a vitivinicultura de qualidade está se espalhando pelo País.

Avaliação nacional recebeu 260 amostras de sete estados
e escolheu os mais representativos vinhos da safra

ADEGA esteve no evento pelo quarto ano consecutivo e pôde notar algumas novidades que se fazem presentes em um ano de colheita mais difícil. Entre os vinhos brancos de uvas não aromáticas, os mais bem qualificados foram os da casta Chenin Blanc, ambos das terras quentes do nordeste. Outra surpresa entre os brancos foi a presença de um Moscato Giallo de Minas Gerais.

Vítor Manfroi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é um dos 47 enólogos encarregados de provar as amostras inscritas, até chegar às 30 mais representativas e, por fim, aos 16 vinhos mais emblemáticos. Ele conta que, entre os tintos, as surpresas foram constantes: "A cada dia de degustação, tínhamos ao menos uma boa novidade. Claro que elas são mais marcantes em anos mais difíceis como este, mas, ainda assim, mostram como a nossa vinicultura vem evoluindo", disse Manfroi.

Em um ano de safra difícil como 2010, brotam com mais vigor os terroirs diferenciados que começam a aparecer no Brasil e o cuidado extremo com as plantas durante a maturação. Além, é óbvio, do talento de um enólogo atento para as possibilidades que cada casta lhe oferece. "É nesses momentos de desafio que colocamos todo o nosso aprendizado a serviço do vinho nacional", afirmou o presidente da ABE, Christian Bernardi.