Bebida teria surgido como “veneno”?
Arnaldo Grizzo Publicado em 20/10/2018, às 15h00
Segundo a mitologia persa – imortalizada no Shahnameh, o dito “Livro dos Reis”, escrito pelo poeta Abol - Ghasem Hassan ibn Ali Tusi, também conhecido como Ferdusi –, o rei Jamshid, o quarto a governar a terra, foi um governante singular. Sob seu reinado, a terra prosperou de forma nunca antes vista.
O Livro dos Reis foi escrito no século X pelo iraniano Ferdusi e narra a história e a mitologia do Irã, desde a “criação do mundo” até sua conquista pelos árabes no século VII. Diz-se que a obra monumental, com 62 histórias (990 capítulos) e 56.700 dísticos (estrofes de dois versos), levou cerca de 30 anos para ser produzida.
O livro é dividido em três eras: mítica, heroica e histórica, e aponta os feitos de 50 xás ou reis persas. Os primeiros relatos míticos falam da criação do mundo e do primeiro homem, Keyumars, passando pelo xá Jamshid. Acredita-se ainda que sua lenda tenha se unido à do herói Yima Xšaeta, descrito nos textos da Avesta, uma coleção de livros sagrados do zoroastrismo.
Segundo a mitologia, Jamshid teria governado a terra por 300 anos. Ele não era um rei comum, tendo comando sobre todos os tipos de criaturas, inclusive anjos e demônios. Seu poder teria sido concedido por Ahura Mazda, deus do bem. Seu reinado teria sido tão bom e próspero que a população do mundo se multiplicou.
De acordo com as escrituras, Jamshid foi o maior monarca que o mundo já conheceu. Ele foi dotado com um esplendor radiante que queimava ao seu redor por favor divino. Diz-se que um dia ele se sentou em um trono repleto de joias, seus servos ergueram seu trono no ar e ele voou, sendo ovacionado por todos os povos do mundo. Este dia teria ficado gravado no calendário persa, celebrado como o Ano Novo, e ficou conhecido como Jamshed-i Nawroz.
Acredita-se ainda que o rei possuía uma taça repleta de elixir da imortalidade, que, além disso, possibilitava a ele observar todo o universo. Durante 300 anos de seu governo, as doenças não existiram e as pessoas viviam em completa paz e prosperidade. Diz-se que o sábio Jamshid teria sido responsável por diversas invenções e descobertas, desde armas, passando pela tecelagem e tingimento de roupas, construção civil, mineração, perfumaria, navegação e até mesmo o vinho.
Segundo a mitologia, diversas invenções, não apenas o vinho, foram atribuídas à sabedoria de Jamshid
ENVENENAMENTO
De acordo com textos apócrifos, Jamshid foi quem descobriu como produzir vinho. Na verdade, não teria sido bem ele, mas uma mulher. Segundo a lenda, Jamshid, descontente com uma das mulheres de seu harém, decidiu bani-la. A moça desesperada, porém, resolveu que se suicidaria. Ela dirigiu-se então à despensa do palácio e encontrou uma jarra que estava assinalada como “veneno”. Ela continha restos de uvas que teoricamente haviam estragado –elas, contudo, só tinham fermentado. A mulher resolveu então ingerir aquele líquido acreditando que iria se matar. No entanto, descobriu que aquela bebida, na verdade, deixou-lhe mais animada.
Ela retornou ao rei e lhe contou sobre a bebida. O rei provou e ficou feliz, autorizando que ela voltasse a fazer parte de seu harém. Mais que isso, diz-se que ele teria ordenado que todas as uvas cultivadas na cidade de Persépolis fossem usadas na produção de vinho. E assim teria surgido essa bebida fermentada de uvas.
Outra versão da lenda diz que a mulher, na verdade, não teria sido banida pelo rei, mas sofreria de terríveis dores de cabeça, graças a uma enxaqueca fortíssima. Sua dor seria tão insuportável que ela decidiu tirar a própria vida ingerindo o tal “veneno” da despensa do palácio. Ela bebeu, caiu no sono e, ao acordar, viu-se revigorada e foi falar sobre a novidade para o rei.
ORGULHO
Assim como o vinho, diversas invenções e descobertas foram atribuídas ao altivo e poderoso, Jamshid. No entanto, também segundo a lenda, o rei se tornou orgulhoso, exigindo um tratamento de divindade. O povo, porém, passou a se rebelar e um de seus vassalos, Dahaka, resolveu declarar guerra contra ele, obrigando-o a fugir. Por fim, foi assassinado. Diz-se que, após isso, a civilização teria entrado em uma era de trevas.