Reis do Cristal

As inovações de Maximilian Riedel, representante da 11ª geração da marca de taças que revolucionou a forma de degustar vinho

Carolina Almeida Publicado em 05/12/2011, às 10h32 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h48

O nome Riedel é sinônimo de taças perfeitas para vinhos. Mas essa íntima relação com a bebida, apesar de a família Riedel estar no ramo dos cristais há séculos, é relativamente recente. Foi com Claus Riedel, avô de nosso entrevistado, Maximilian Riedel - pertencente à 11ª geração dessa linhagem de mestres vidraceiros -, que a relação com o mundo do vinho se estreitou. Ele foi o primeiro "glassmaker" da história a se dar conta de que o gosto do vinho é afetado pela taça em que ele é degustado.

Assim, ele lançou uma série de taças, cada uma para um tipo de vinho específico, que por meio dos formatos e tamanhos dos bojos direcionam o aroma e sabor da bebida e garantem que cada uma mostre seu máximo potencial. Seu trabalho teve sequência com Georg, pai de Maximilian, que ganhou a confiança dos principais produtores do mundo - especialmente os norte-americanos, depois que Robert Mondavi atestou que as taças realmente enalteciam as qualidades dos vinhos.

Donos da Spiegelau e da Natchmann, a Riedel tem presença forte nos Estados Unidos, onde Maximilian está baseado. Aos 34 anos, o jovem presidente do braço norte-americano da empresa é uma pessoa serena, porém extremamente antenada e empreendedora, tanto que lançou uma linha inovadora chamada "O", de taças sem haste. Pela primeira vez no Brasil, Maximilian começou a conversa dizendo que nunca tinha estado em tanta balada na vida quanto nos poucos dias que esteve no país em companhia da namorada brasileira. Quando perguntado sobre a influência das taças no sabor dos vinhos, foi taxativo: "Não é possível explicar com palavras. É necessário sentir. Venha para a demonstração à noite". Na mesma noite, juntamente com uma plateia de enófilos, pudemos comprovar que degustar um vinho em uma taça apropriada realmente faz uma diferença brutal. O mesmo vinho, em dois recipientes diferentes, apresenta características distintas. É a "mágica" da Riedel.

Seu pai e seu avô criaram muitas coisas. Seu avô talvez tenha sido o primeiro a desenvolver o conceito de "uma taça para cada variedade de vinho". Como foi tudo isso?
Minha família teve um grande negócio, bem sucedido, até a II Guerra Mundial. Depois disso, nós perdemos tudo o que tínhamos para os russos. Meu avô, assim que saiu da prisão de guerra, quis abrir uma fábrica de vidros, mas não tinha dinheiro. Então foi para a Itália e casou com a minha avó, que ele havia conhecido durante a guerra. Lá, entrou em contato com o vinho e se apaixonou por essa bebida. E meu avô foi o primeiro a perceber que os aromas e sabores do vinho são modificados pelo tipo de taça em que ele é bebido. Então, ele comprou uma fábrica na Áustria, com ajuda financeira da família Swarovski, e começou a criar taças de formatos e tamanhos diferentes, taças enormes, como o mundo nunca havia visto antes. E ganhou muitos prêmios de design. Uma de suas linhas, a Sommelier, está no MoMA de Nova York, ao lado de uma obra de Picasso. Mas ele não estava feliz com isso, pois não era arte. Ele queria que vissem suas taças como uma ferramenta para o melhor aproveitamento do vinho. Por muito tempo ele foi incompreendido. E então ele teve um filho, meu pai, que é um gênio do marketing. Ele ficou amigo de ícones do mundo do vinho, como Angelo Gaja e Robert Mondavi, e mostrou para eles como é importante usar a taça certa para aproveitar o aroma do vinho. E quando as pessoas começaram a fazer o teste de degustar os vinhos nas nossas taças, não conseguiam acreditar. Mondavi foi o primeiro dos Estados Unidos a acreditar no meu pai, e imediatamente substituiu todas as taças de sua vinícola. Depois que Mondavi fez isso, todos do Napa Valley também o fizeram.

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Há uma história de que Mondavi, certa vez, degustou um dos seus vinhos em uma taça Riedel e ficou maravilhado, porque afirmou que nunca havia sentido aqueles aromas antes. É verdade?
Sim, foi isso mesmo. Nós desenvolvemos uma taça para saquê, e fomos apresentá-la a um produtor japonês, que ficou muito emocionado e disse: "Eu fui o primeiro a sentir a beleza da minha bebida". Coisas assim mostram que estamos no caminho certo. Já fizemos taças para Pisco, a bebida típica do Peru. Nossa próxima criação será uma para cachaça.

Você disse que seu pai é um gênio do marketing. Qual foi a contribuição dele para a empresa?
Além do marketing, ele também é um homem de negócios muito esperto e duro. Se ele não fizesse vidros, faria qualquer outra coisa. Ele consegue transformar as coisas em lucro. Por conta do trabalho dele, nós temos 23 lojas na China, que é um país tão jovem quando falamos de vinho. Tenho muito orgulho de ter os genes dele. É um negócio de família há 11 gerações.

"Em um negócio familiar, uma coisa é certa: você nunca quer ser o último. Pois ser o último significa que você foi o primeiro a fracassar. Há muita pressão"

No mundo do vinho, negócios familiares são comuns. Para você, que já é da 11ª geração, como foi a transição para a Riedel?
Não é fácil entrar num negócio de família, porque você sempre tem problemas, especialmente quando se é jovem. Você quer sair de casa, quer ser independente, e, ao mesmo tempo, tem seu pai como chefe. A parte mais difícil de um negócio familiar é a parte emocional. Para mim foi mais fácil, porque sempre tive uma relação muito próxima com o meu avô. Desde que eu era pequeno ele dizia que eu seria o próximo. Ele falava que eu poderia escolher o que quisesse para a minha vida, mas que iria acabar voltando, pois estava no meu sangue. E era isso que eu queria para a minha vida. Em um negócio familiar, uma coisa é certa: você nunca quer ser o último. Pois ser o último significa que você foi o primeiro a fracassar. Há muita pressão.

"Esse modelo de taça que nós conhecemos, com haste, foi inventada mais ou menos na década de 1950 pelo meu avô. Antes disso, não existia"

Você desenvolveu a linha "O", que, de certa forma, quebra tradições, pois é dito que nunca se deve segurar uma taça pelo bojo, e sim pela haste. Como foi desenvolver isso?
Na verdade, isso não é uma quebra de tradições, pois esse modelo de taça que nós conhecemos, com haste etc, foi inventada mais ou menos na década de 1950 pelo meu avô. Antes disso, não existia. Toda taça era como um copo, não tinha haste e nem abertura diferente. O que minha família fez foi inventar o formato de ovo, diminuir a abertura da boca, para que o aroma do vinho não se "perdesse". Na Itália, eles ainda usam copos, e não taças. Então não foi bem uma quebra de tradições.

E por que você a criou?
Esse projeto foi um pouco egoísta, porque criei para mim, para as minhas próprias necessidades. Produzo taças e queria simplificar minha vida. E depois pensei que pessoas da minha idade poderiam pensar igual. O mundo inteiro bebe vinho, e quis tornar esse ritual menos complicado. Quando vou a um jogo de futebol, quero beber vinho. E não quero tomar em um copo de plástico, porque é terrível, destrói o sabor do vinho. Para mim é um crime beber vinho num copo plástico. E a taça "O" pode ser levada para qualquer lugar, pode ser encaixada no porta-copos do carro, na mochila, para fazer um piquenique. É a materialização do "beber vinho" casualmente.

De onde vem sua inspiração para criar?
Não sei, porque nunca estudei design nem nada. É uma paixão. Ninguém na minha família estudou isso. E desenhar peças de vidro é muito difícil, porque esse material é singular. Primeiro é líquido, depois se torna sólido, e só chega até um certo nível, então a criação em vidro é complicadíssima. Michelangelo, por exemplo, tinha uma visão, pegava uma pedra e executava suas ideias. Mas com o vidro não dá para ser assim, há restrições, como o tempo, por exemplo, pois ele fica duro.

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Vocês criaram dois novos modelos de taças para Champagne, uma que lembra as de Riesling e outra parecida com a de Pinot Noir. Como vocês estudam e chegam a esses resultados?
Provando e comparando os resultados. Degustamos muito e chegamos a um resultado. Quando mostramos aos produtores de Dom Pérignon a taça que desenvolvemos, eles disseram: "É essa! A taça ideal não é mais a flüte". É o nariz, os aromas, que tornam Dom Pérignon um vinho excepcional, e se na taça flüte não há abertura suficiente para colocar o nariz e sentir esses aromas, então ela não é a taça certa para esse vinho.

Você tem ideia de quantos tipos de taças produzem?
Não, são muitos. Meu pai lhe daria a mesma resposta. Acredito que seja em torno de 400.

Vocês também produzem decanters. A filosofia é a mesma que a das taças? Um tipo para cada variedade?
Não. Nossos decanters são mais genéricos, mas cada um tem uma função. Nós temos um, que é dos mais novos, que aera o vinho 17 vezes mais do que os demais, e é recomendado para vinhos jovens de alto teor alcoólico e taninos duros, mas não para uma variedade específica. Nós já tentamos fazer isso, mas não há mercado, porque todos iriam comprar o decanter Cabernet, ninguém iria no Pinot Noir, porque pouquíssimas pessoas no Brasil bebem Pinot Noir. O que poucos sabem é que devemos decantar Champagne também, mesmo porque foram eles que inventaram o decanter. Isso sim é quebrar tradições.

Quais são as diferenças entre taças feitas artesanalmente e as feitas em máquina?
A diferença é emocional. A função é a mesma. Claro que uma taça feita por 35 pessoas tem mais história do que uma feita à máquina, e isso faz diferença. Nas taças artesanais, nenhuma é igual a outra, há sempre uma variação, por menor que seja. Maquinas são perfeitas, não importa o que aconteça. Da nossa produção total, que é de 15 milhões de taças ao ano, 5% do trabalho é manual. O que as pessoas não sabem é que nós produzimos para outras companhias também, como para a Waterford, Tiffany etc. Essa é, na verdade, a maior parte do meu negócio.

"Não adianta comprar a taça certa e um vinho de R$ 10 esperando que ele se transforme num Pétrus, porque nossas taças não fazem milagres"

Como a taça influencia a percepção do sabor do vinho?
Não posso dizer isso, porque, se disser, não fará sentido. As pessoas precisam testar para perceber, minhas palavras não bastam. Você precisa comparar um vinho em taças diferentes, precisa sentir e provar as diferenças, do contrário, não vai acreditar. Logo na primeira comparação já vai dizer "Uau!". É realmente inacreditável. Mas não adianta comprar a taça certa e um vinho de R$ 10 esperando que ele se transforme num Pétrus, porque nossas taças não fazem milagres.

O que torna a taça de vocês diferente das demais? Algum material especial?
Não. O material é exatamente o mesmo das outras taças. O que nos torna únicos é o "knowhow", a forma como trabalhamos com elas, dando formatos especiais que evidenciam as características das variedades de vinhos.