A garrafa de Domaine de La Romanée-Conti 1945 foi arrematada por 558 mil dólares! Conheça a história do leilão
Arnaldo Grizzo Publicado em 04/12/2018, às 15h00 - Atualizado em 04/09/2021, às 11h20
Quando em 1985, durante um leilão da Christie’s, o empresário Malcolm Forbes (publisher da revista Forbes) disputou lance a lance com Marvin Shanken (publisher da Wine Spectator) a compra de uma garrafa de Lafitte (Château Lafite-Rothschild atualmente) 1787 que teria pertencido a Thomas Jefferson, o preço final de US$ 156.450 suplantou em várias vezes o maior valor já pago por um vinho na história. Forbes arrematou a peça e esse evento entrou para a história (posteriormente não apenas pela instauração de um recorde de preço impressionante, mas também pela dúvida que pairou – e ainda paira – sobre a autenticidade da garrafa).
No entanto, nos anos que se seguiram, viu-se cada vez mais cifras astronômicas aparecerem nos leilões de vinhos mundo afora. Rótulos raros e garrafas de grandes formatos facilmente atingiram mais de US$ 100 mil até saltar para US$ 200 mil, US$ 300 mil, US$ 500 mil. Em 2010, a Sotheby’s leiloou uma garrafa (comum, de 750 ml) de Lafite 1869 por mais de US$ 230 mil. Em 2007, uma garrafa de 4,5 litros do Château Mouton Rothschild 1945 havia sido vendida por US$ 310 mil.
Até então esse Lafite 1869 ostentava o recorde de preço pago por uma garrafa de tamanho padrão em um leilão e Mouton 1945 detinha a liderança de valor desembolsado por um vinho (não importando o tamanho). Aqui não estamos considerando leilões de caridade – no ano 2000, um colecionador adquiriu uma garrafa de 6 litros de Screaming Eagle 1992 por US$ 500 mil.
Porém, no dia 13 de outubro deste ano, um leilão da Sotheby’s em Nova York estabeleceu um novo recorde geral. Uma garrafa (tamanho padrão) de Domaine de La Romanée-Conti 1945 foi arrematada por um colecionador anônimo por US$ 558 mil depois de uma disputa intensa entre dois possíveis compradores.
Apesar de a garrafa vir de uma safra emblemática, de um produtor famoso e de uma adega de procedência 100% confiável, os leiloeiros esperam um valor entre US$ 22.000 e 31.000. Digamos que eles erraram feio. Na mesma noite, diversas garrafas históricas do Domaine de La Romanée-Conti, de 1937 a 1964 estavam sendo leiloadas. Eram 100 lotes ao todo e, dentre eles, duas garrafas da mítica safra 1945.
Tão logo a primeira foi à venda, Rob Rosania, agente imobiliário de Nova York e conhecido colecionador de vinhos, passou a fazer lances agressivos. Em poucos segundos, o leiloeiro Jamie Ritchie saiu dos US$ 150 mil para US$ 200, com Rosania in loco e um comprador da Ásia dando lances on-line. Quando o valor alcançou US$ 558 mil, o colecionador de Nova York não levantou mais sua plaqueta e o martelo foi batido.
Logo em seguida, porém, ele não quis se dar por vencido e, diante da segunda garrafa da safra 1945, novamente deu lances altos e arrematou por US$ 496 mil (o segundo valor mais alto já pago em um vinho na história). Essas duas garrafas obviamente alavancaram o leilão da Sotheby’s, que, em apenas duas horas, amealhou mais de US$ 7,3 milhões, a maioria em garrafas de Domaine de La Romanée-Conti da coleção pessoal do conhecido produtor da Borgonha, Robert Drouhin. Ao todo, foram 219 garrafas e sete magnuns.
Apesar dos valores impressionantes, não é tão difícil assim explicar o porquê de os preços terem alcançado tamanhas cifras. Primeiro, começamos pelo próprio Domaine de La Romaneé-Conti, o mais aclamado produtor da Borgonha e provavelmente do mundo. Seu vinho mais famoso, o Romanée-Conti recebe o nome do minúsculo vinhedo, de menos de 2 hectares, e tem produção extremamente restrita, de cerca de 5 mil garrafas por ano. Valores pagos por safras recentes superam os US$ 15 mil, imagine então de safras raras.
O ano de 1945 é emblemático e uma das safras mais cobiçadas por colecionadores. Um dos motivos é obviamente histórico, por ser o ano em que findou a II Guerra Mundial.
Além disso, os franceses consideram 1945 como uma safra verdadeiramente milagrosa. Depois de dizimada por geada e granizo, a estação de crescimento foi quente em geral, o que fez com que fossem produzidas apenas 600 garrafas de vinhos “super” concentrados e de muita longevidade. Ou seja, se Romanée-Conti já é raro por natureza, em 1945, foi ainda mais raro e as duas garrafas leiloadas talvez sejam as últimas sobreviventes daquela safra. Vale apontar ainda que, em 1945, as videiras de Romanée-Conti ainda eram remanescentes em pé franco de antes da devastação da filoxera na Borgonha. Após a colheita de 1945, elas precisaram ser replantadas e o vinhedo só teve outra safra em 1952. Além disso, diante de tantas notícias de falsificações que andam surgindo no mundo, as garrafas que agora foram a leilão, tinham um atestado de procedência totalmente íntegro, pois vieram da coleção pessoal de Robert Drouhin, da Maison Joseph Drouhin, empresa que distribuiu os vinhos do Domaine de La Romanée-Conti de 1928 até 1964. Os vinhos foram adquiridos e mantidos pessoalmente por Robert e seu pai, Maurice.
Em 2011, quando uma garrafa de Domaine de La Romanée-Conti foi à leilão pela Christie’s, Aubert de Villaine (proprietário do domaine) disse: “Minha lembrança da última e talvez única garrafa de Romanée-Conti 1945 provada há 10 anos é a de um dos maiores vinhos de todos os tempos. Ela expressa perfeitamente tudo o que torna Romanée-Conti único entre as vinhas do domaine: força, mas também graça e tranquilidade, autoconfiança e uma misteriosa harmonia que intriga e inspira sonhos...”