"Sem idéias, os vinhos são apenas modestos"

O enólogo e professor Denis Dubordieu ensina como a pesquisa aprimora a indústria vinícola, reinterpreta o significado de terroir e fala sobre o mercado internacional dos brancos

Fábio Farah Publicado em 17/12/2007, às 12h47 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

"O gosto de fruta não deve ser mascarado com madeira e álcool", diz Denis

Qual enófilo não adoraria ter nascido em um vinhedo de Sauternes? Foi justamente isso o que aconteceu com Denis Duboudieu. Na adolescência, ele resolveu seguir a carreira acadêmica, mas sem deixar de lado a tradição familiar. O resultado foi a transformação dos vinhedos da família em um laboratório. "Aplico tudo o que descubro nos meus vinhos", afirma Denis. Professor da Universidade de Enologia de Bordeaux, ele especializouse nas moléculas responsáveis pela formação dos aromas nos vinhos brancos. "É melhor fazer vinhos à luz do dia", diz Denis. De passagem pelo Brasil para apresentar seus vinhos, ele corrobora a opinião de que o savoir-faire humano será sempre imprescindível para a produção de qualidade. Confira suas opiniões na entrevista concedida com exclusividade à ADEGA.

De que maneira o senhor conjuga o trabalho acadêmico com a atividade nos vinhedos?
A prática é indispensável à pesquisa. O cientista deve compreender o problema na prática, escutar o mistério, e imaginar maneiras de resolvê-lo. Ele tem duas alternativas: pode conversar com os vinhateiros, recolher opiniões sobre os problemas e buscar soluções. A outra alternativa é ser um pesquisador prático. Esse é o meu caso. Eu quero estudar e aplicar tudo o que aprender no meu vinhedo.

"A pesquisa mais importante para o vinho é a compreensão de seus aromas e sabores", explica Denis

Quais pesquisas o senhor aplicou em seus vinhedos?
Apliquei todas. Por exemplo, eu trabalhei sobre o problema dos aromas desagradáveis, oriundos da oxidação, da redução e da contaminação por microorganismos. E expliquei como eles se formam no vinho. Quando isso se torna compreensível, é possível evitá-los. Além disso, eu também descobri moléculas responsáveis por certos aromas no Sauvignon Blanc. Quando se compreende isso, pode-se melhorar a vinificação, a fermentação e a conservação. É melhor que se faça o vinho à luz do dia.

Com esse conhecimento científico, o senhor tem possibilidades de manipular os aromas no vinho?
Eu deixo que a natureza fale, que a uva diga seus aromas. A primeira coisa é evitar o defeito. Depois disso, posso melhorá-lo. É como a música. Primeiro, deve-se fazer uma música correta para, então, passar para ritmos mais elaborados. O gosto de fruta é frágil. Ele precisa ser protegido para se sobressair. Não deve ser mascarado com madeira e álcool.

De que maneira os aromas frutados mais sutis podem ser protegidos?
No início, nas uvas, evitando que tenham um estresse forte. É preciso também que a cepa esteja adaptada ao clima. Com muito calor, perde-se o caráter frutado. Após esses cuidados básicos, a atenção passa para a vinificação. É preciso sempre guiá-la. A fermentação alcoólica não pode ser rápida. Também não pode ser muito longa, pois o caráter frutado pode se perder pela oxidação. O vinho deve ser aromático não apenas na vinificação, ele deve continuar assim na garrafa, e permanecer assim. Conhecendo-se as propriedades químicas, moleculares, nós podemos compreender como os aromas se perdem e a melhor maneira de conservá-los.

Por ser do meio acadêmico, o senhor realiza intercâmbio de conhecimentos com outras universidades. Quais são as pesquisas em andamento que podem revolucionar o mundo do vinho?
Há muita coisa desconhecida sobre a relação da composição molecular do vinho com seu gosto. Também não conhecemos nada sobre os aromas de certas cepas. Por exemplo, não sabemos nada sobre as moléculas responsáveis pelos aromas da Chardonnay. E ela é a cepa branca mais plantada do mundo. Apesar de reconhecermos seu gosto, as moléculas responsáveis por ele ainda são um mistério. Também não sabemos quimicamente a diferença entre taninos duros e doces, suaves. A pesquisa mais importante para o vinho é a compreensão de seus aromas característicos e sabores.

Esse conhecimento pode inserir os vinhos em uma nova era, na qual o terroir deixa de ser importante e eles passem a ser produzidos quimicamente, com as características desejadas pelos produtores?
A nossa ignorância é muito grande. Jamais conheceremos todas as peças do quebra-cabeças. A natureza é complexa, sempre haverá moléculas ou enzimas misteriosas. Mas seria possível, por exemplo, entender porque vinhos sem açúcar residual são capazes de provocar em nosso cérebro uma sensação de doçura. O conhecimento desse componente possibilitaria imprimir em alguns vinhos a característica interessante de doçura, mas sem açúcar residual.

Ou seja, o terroir continuará sendo fundamental para o vinho...
Esse é um conceito geral e superficial. Para cada produtor o terroir é chez lui (sua casa, propriedade). Isso porque ele vai utilizar este argumento para justificar a originalidade de seu produto. As coisas não são assim. A originalidade do produto é que demonstra a existência de um terroir. E é o consumidor, não o produtor, que deve reconhecer a singularidade de um vinho. Dessa maneira, terroir é a relação entre origem e gosto. Sem o gosto, a origem não interessa nem um pouco. O vinho é o porta-voz do terroir.

#Q#

O senhor reservou parte de seus vinhedos para a produção exclusiva de rosés. Qual é o potencial desse estilo de vinho?
É um fenômeno que ultrapassou os produtores do mundo. Há uma demanda de mercado. As pessoas procuram algo leve, com delicadeza, sem ser muito caro. E o rosé tem justamente essas características. Mas muitos produtores oportunistas podem colocar rosés ruins no mercado para suprir a demanda. Já vimos isso no passado. É uma prática odiável. Eu creio que a única coisa que pode assassinar a marcha rosé é o próprio rosé.

Como avalia o mercado consumidor de vinhos brancos?
Ele é parecido no mundo todo. Plantamos mais vinhos tintos. Isso resultou em muitos produtos que são cópias de cópias de cópias. Com o mesmo gosto. Não há originalidade. É como o rap. Isso ocorreu porque é mais fácil imitar uma cor, no caso dos tintos, do que o aroma dos brancos. E como se fez muito tinto, a produção de brancos é insuficiente para a atual demanda mundial. Outro ponto interessante é que a cepa branca que melhor se adapta em clima quente é a Chardonnay. Os vinhateiros do Novo Mundo, sobretudo dos Estados unidos e da Austrália, produzem muitos Chardonnays banais, com muito álcool e madeira. O fato é que as uvas brancas são melhores nos climas frios e os consumidores estão migrando para um vinho branco mais raro, que tenha originalidade, ou seja, os do Velho Mundo.

Muitos consumidores jovens perderam o interesse pelos brancos por não gostarem desse estilo novo mundo?
Penso que o Chardonnay do Novo Mundo deu oportunidade a muitos consumidores para conhecer o vinho branco. Ele foi o primeiro estágio para que eles começassem a beber esse estilo de vinho. Depois, passaram a procurar outras coisas, outras origens, outras cepas. As pessoas vão descobrir que a cepa não é tudo.

Qual é a lição mais importante que os aspirantes a enófilos deveriam aprender?
Que o fundamental é a relação entre cepa, clima, origem e savoir-faire humano. O vinho não é só o resultado de uma tecnologia. O vinho é o resultado de um projeto humano, no qual o enólogo é o autor. Como na cozinha. Não são os produtos ou os utensílios que fazem a cozinha. Conta muita o savoir-faire do chef. É ele que vai escolher os ingredientes e as técnicas. Sem idéias, os vinhos são apenas modestos.