Unindo a sofisticação francesa com criatividade e improvisação tupiniquim, a chef Eliane Carvalho, do novo restaurante Babette, em São Paulo, conjuga um cardápio digno do ano da França no Brasil
Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 10/08/2009, às 11h58 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
Nascida em Cuiabá, Mato Grosso, Eliane Carvalho esteve envolvida com a arte desde pequena, mas demorou a fazer dela sua profissão. Cursou faculdade de Administração, estudou línguas, se especializou em Marketing, foi dona de lojas e só então, depois de tantas experiências, resolveu mudar o rumo de sua história e rendeu-se à sua vocação: a arte.
Vocação, do latim "vocare", quer dizer "chamado", um chamado interior. No entanto, Eliane não se rendeu à pintura, mas à gastronomia. Depois que a semente germinou de vez, a hoje chef de cozinha vendeu tudo e foi para Paris estudar. Voltou para o Brasil e abriu um restaurante em Cuiabá, o Chez Babette, que funcionou por três anos. Fechou-o ainda com a ideia de voar mais alto.
E voou para Paris novamente, onde fez mais um estágio. Na volta, escolheu São Paulo. O novo Babette, que deu forma a seu sonho, é um charmoso sobrado localizado na deliciosa rua Melo Alves, em São Paulo, e fica próximo (e ao mesmo tempo preservada!) do buchicho das disputadíssimas ruas Oscar Freire, Haddock Lobo e Bela Cintra, na nossa Manhattan paulistana.
Crepe "Carmen Miranda" (ao lado) e Coq-Au-Vin (abaixo |
Uma verdadeira festa de Babette
Era uma noite fria e chuvosa de julho e estávamos lá loucos por bons vinhos e boas harmonizações. Eduardo Madaloso (consultor do setor automotivo), John Freschel (executivo setor industrial), Fabio Gandour (executivo do setor de tecnologia e serviços), Daniel Loneeff (jornalista), Arnaldo Grizzo (editor executivo de ADEGA) e seu editor de vinhos.
Nós, de ADEGA, estávamos confiantes, pois já havia passado por todo aquele delicioso trabalho de discussão e planejamento do Enogourmet. A chef tinha topado o desafio de harmonizar oito pratos com oito vinhos. Ela insistia em seu foie gras e nós em ter na mesa um vinho branco seco aromático. No apagar das luzes, decidimos correr o risco.
#Q#Espumante e Vol-Au-Vent
A grande noite começou com o Vol- Au-Vent com vieiras (frescas!) gratinadas e molho de limão ao lado de um espumante de boa qualidade. Escolhemos um espumante nacional. A chef preparou com esmero nosso primeiro desafio.
O espumante Brut da Miolo fez seu papel com bom desempenho ao lado das sutilezas do prato, que trazia entre os ingredientes: alho poró, beurre manier, noz moscada e queijo gruyère para polvilhar os Vol-Au- Vents. Um belo início!
"Fois Gras Almir" (acima) e "Risoto Cuiabá" (página seguinte) |
Crepe de camarão e manga com Poully-Fumé
O próximo encontro foi esplendoroso. Eliane preparou um crepe de camarão com manga, que carinhosamente denominou "Carmen Miranda". Uma homenagem à cantora e atriz que tem sido homenageada em 2009 por seu centenário.
Este exótico prato, com forte estilo brasileiro, foi acompanhado de um dos mais clássicos vinhos brancos da França, um delicioso Pouilly-Fumé 2006 da renomada casa de Ladoucette. Madaloso ressaltou o equilíbrio entre a textura e o inebriante aroma do molho com o frescor e final levemente doce do mel presente no vinho.
Fois gras e Gewürztraminer? Vai dar certo?
O terceiro dueto foi a mais desafiante harmonização da noite. As discussões sobre o que melhor harmoniza com o foie gras são infindáveis. De um lado, estão os amantes dos vinhos doces brancos como Sauternes e correlatos e, de outro, os fãs de tintos fortificados, com destaque para os deliciosos Banyuls do sul da França. Alguns mais radicais recomendam tintos secos com grande estrutura. Para provocar, decidimos colocar um branco aromático.
Eliane apresentou seus escalopes de foie gras conhecidos por "Foie Gras Almir", temperados com sal e pimenta verde e acompanhados por rodelas de maçãs caramelizadas, brunoise de beterraba e molho de redução de cidra e manteiga e de balsâmico.
O balsâmico foi responsável pelo toque mais agressivo do prato e esse foi o ponto forte do casamento. Apesar de muito audacioso, agradou a maioria dos presentes. O delicioso consorte desse marcante prato foi o Tiefenbrunner Gewürztraminer 2006 do Alto Adige, norte da Itália. O resultado? Foi a harmonização campeã de votos. Um luxo de desafio, que deixou um gostinho de "quero mais".
Tradição borgonhesa
Após os pratos à base de frutos do mar e um foie gras, migramos para uma ave, cujo prato é um dos mais tradicionais das terras de Nicolas Sarkozy. Eliane preparou o tradicional Coq- Au-Vin com purê de batatas assadas.
Trata-se de uma verdadeira bandeira da culinária francesa, que vai sendo descoberto no paladar a cada garfada. Existem variações no preparo e, no caso do da Babette, o cozimento do frango é feito no fogão e o purê no forno.
A harmonização foi a mais óbvia e também a mais encantadora dentre todas, ou seja, um bom e raçudo Pinot Noir da Borgonha. O casamento do Coq-Au-Vin com o jovem Nuits- St-Georges Au Bas de Combes 2006 da Domaine J. Cacheux só destacou a tipicidade desse Pinot Noir de raça, firme e com boa concentração de frutas.
#Q#Encontro Brasil e Portugal
O quarto prato mostrou que a cozinha do Babette é muito mais que deliciosas receitas francesas. O risoto de codornas assadas com pinoli e banana da terra frita é uma homenagem à terra natal da chef e ganhou o nome de "Risoto Cuiabá".
É uma festa de sabores provocantes, que teve como acompanhante um elegante português, o Syrah/ Touriga Nacional 2003 da Quinta do Alqueve, do Ribatejo. Um conjunto sensacional repleto de sensualidade e complementaridade na boca. "Sensacional harmonização", disse John.
Picanha, nhoque e corte chileno
O próximo casamento teve como inspiração uma deliciosa superstição que se repete todos os meses no dia 29, o "Gnocchi della Fortuna". Nossa incansável chef preparou um medalhão de picanha acompanhado por um nhoque de mandioca. "A receita e o preparo do nhoque é de minha mãe, que não cede a receita", afirma Eliane.
O prato delicado, com toques de alecrim, resultou numa deliciosa e intensa sensação ao lado do Borobo 2003, um inusitado corte de Cabernet Sauvignon, Syrah e Pinot Noir, produzido no Chile pela prestigiada Casa Lapostolle. Um vinho firme e com personalidade. Fabio aplaudiu a harmonização.
Pato, pera e um equívoco
O último prato antes da sobremesa trouxe o contraste e potência do pato confit desfiado servido sobre pera assada recheada com champignons e queijo brie. Estávamos, até então, impecavelmente na sequência correta da crescente intensidade dos pratos à mesa.Nesse caso, porém, erramos.
Este confit tinha que ser o antecessor da picanha, ou seja, deveríamos tê-lo degustado em penúltimo lugar e não em último. A harmonização foi prejudicada, pois o poderoso aussie Shiraz Savitar 2005, da Casa Mitolo, suplantou o prato em intensidade. Coisas da vida. Experiências que fazem parte da rotina por apaixonados por novas harmonizações
Chocolate e Porto
Para finalizar a especial noite, o parfait de chocolate com creme anglaise e pistache recebeu a companhia de um bom Porto LBV 2001, da Quinta das Tecedeiras. Um final em grande estilo, pois a doçura na medida do vinho foi "orquestradalmente" complementada pelo parfait, de doçura equilibrada do chocolate seguido de um coullis inesquecível de pistache francês.
Essa harmonização de chocolate com vinho do Porto pode rivalizar com a mais famosa dentre todas: chocolate com o vinho francês Banyuls, aquele mesmo do foie gras. No fim, só a sensação de felicidade. Uma noite perfeita, "Comme Il faut"!