Spinning cones e o "vinho industrial"

Como funciona a tecnologia dos spinning cones?

Arnaldo Grizzo Publicado em 08/10/2018, às 11h00

 

Torre de cones rotativos

Um ano quente e uvas com grande concentração de açúcar, receita ideal para vinhos de alto teor alcoólico. O que fazer? Jogar água para diluir o mosto? Além de uma prática ilegal, ela dilui todos os componentes da bebida. Que tal então o processo de osmose reversa ou então os tão comentados spinning cones? Assim como o processo de osmose reversa – que separa o vinho em duas partes, a primeira com água e álcool e a segunda com todos os outros componentes (cor, sabores, ácidos etc.), para então destilar a primeira –, em princípio, os spinning cones (cones rotativos) também foram criados para diminuir o volume alcoólico das bebidas. Mas, eles podem fazer muito mais do que isso.

 

Graças às forças centrífuga e de vácuo, essa máquina pode separar não somente o álcool da bebida, mas diferentes frações voláteis (como compostos de cor, sabor e aroma, por exemplo), que são depois reagrupadas para criar um vinho mais próximo do que deseja o produtor (ou seria o consumidor?).

Essa tecnologia, cuja origem remonta aos anos 1930 (para separar isótopos de oxigênio da água e posteriormente usada na indústria alimentícia nos anos 1960 para reter aromas de sucos de fruta), ficou famosa na indústria do vinho nos anos 1990 por recuperar aromas e reduzir o álcool. Contudo, ela foi proibida por algum tempo, mas agora vem sendo utilizada por grandes players da indústria (especialmente nos Estados Unidos) e suscitando diversos debates. Para entender melhor o processo, veja o infográfico.

 

Resolvendo problemas

Segundo a ConeTech, essa tecnologia preserva 100% dos aromas e sabores voláteis do vinho graças ao processo ser realizado a baixas temperaturas e apenas 10% do total produzido precisa ser processado para que haja a diminuição de um grau de álcool. No entanto, além de reduzir o volume alcoólico de vinho finalizados, os spinning cones podem ajudar a retomar fermentações que param devido ao alto teor de álcool – pois as leveduras não suportam e morrem. Dessa forma, basta diminuir o volume de álcool do mosto para que elas voltem a ficar ativas e terminem seu trabalho.

Segundo o enólogo norte-americano Michael Schroeter, essa tecnologia faz com que o produtor tenha mais liberdade na hora de colher as uvas. “Baseamos nossa decisão do momento da colheita em função do sabor e isso nos permite colher os frutos quando consideramos ideal em termos de maturação, sem ter que se preocupar tanto sobre o álcool”, afirmou. Para a enóloga Margaret Davenport, reduzir o teor alcoólico dos vinhos faz sentido também em termos econômicos. “Se você tem uma grande produção, esse processo definitivamente se paga ao trazer o álcool para baixo; pois economizará em impostos”, apontou, lembrando que vinhos com maior volume de álcool pagam mais taxas.

Apesar de pensado originalmente para a redução do teor alcoólico dos vinhos, essa tecnologia pode realizar outras “maravilhas”, já que é capaz de separar os diversos componentes das bebidas. Para se ter uma ideia, entre os serviços oferecidos pela ConeTech em seu site na internet estão a “remoção de SO2”, “recuperação de sabores e aromas”, além da “consulta de sweet spot”, ou seja, uma forma de descobrir se os compostos do vinho estão em um estado de perfeito equilíbrio. Com todos os compostos separados, é possível recombiná-los para criar um vinho 100% montado, ao gosto do produtor, ou do consumidor, como preferir.

 

Isso é vinho?

Há quem afirme que, atualmente, mais de 30% dos vinhos norte-americanos, incluindo os premium, passam pelo processo da coluna de spinning cones. Uma pesquisa feita em 2006, contudo, apontava que 18% dos vinhos californianos passavam pelo processo. Mas esse procedimento não está restrito ao mercado dos Estados Unidos. A ConeTech afirma ter clientes em todas as partes do mundo e, mais que isso, alega que a maioria dos que experimentaram os seus serviços resolveu adquirir o maquinário por conta própria. E isso não significa apenas os grandes produtores, mas também médios e pequenos, já que a tecnologia tem se tornado cada vez mais acessível.

E, apesar de cada vez mais comum, ainda são poucos os enólogos e produtores que falam abertamente sobre seu uso, pois têm medo de que seus vinhos percam a “aura de artesanato” e de ser um produto natural, vindo direto do campo, com mínima intervenção. Para Margaret Davenport, por exemplo, os spinning cones deveriam ser usados apenas em casos de emergência. “É um tipo de salvamento, não é algo que você quer fazer rotineiramente. Se você faz o que pensa ser realmente um bom vinho, mas acha que tem muito álcool, isso para mim soa como se você tivesse feito algo de errado na vinificação”, afirmou ao lembrar que há outros métodos de reduzir o álcool dos vinhos sem usar uma tecnologia tão intervencionista, como técnicas de controle no vinhedo e na cantina, incluindo controle de leveduras.

O enólogo Randall Graham também questiona o uso do método “invasivo”: “Se um produtor faz um vinho de denominação de origem, então há um contrato implícito que ele assina efetivamente prometendo produzir um vinho com algum grau de tipicidade, que suponho que também inclui as características da safra. Se esse produtor utiliza técnicas para acabar com características da safra, mesmo que ele esteja, talvez, produzindo um vinho que a maioria dos consumidores prefira, acredito que esteja agindo de má fé. Se um produtor está produzindo um vinho de mesa, aí acho que há um conjunto diferente de critérios aplicáveis. O contrato é simplesmente com o consumidor: fazer o melhor vinho possível”.

Mas, por mais contraditório que seja, não se pode negar que os spinning cones veem revolucionando a indústria do vinho e ainda causarão muita polêmica, especialmente nessa época de busca às origens e estilos “naturais”.

 

spinning cones osmose