Terminologia na análise sensorial de vinhos

A avaliação enológica adequada requer a padronização dos termos utilizados pelos degustadores para descrever a bebida e aponta o caminho para a maior profissionalização do setor

Dr. Alberto Miele* Publicado em 12/03/2007, às 07h44 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

A análise sensorial do vinho aumenta o prazer da degustação

A análise sensorial é uma excelente ferramenta para enólogos e consumidores de vinho. Aos enólogos, propicia conhecimentos que vão desde o planejamento da elaboração de produtos, passando pela decisão de sua comercialização e chegando à rastreabilidade. Aos consumidores, possibilita o melhor conhecimento do vinho, aumentando, por conseguinte, o prazer da degustação.

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Há menos de duas décadas, as pessoas envolvidos com a vitivinicultura da Serra Gaúcha tinham certas deficiências em analisar os vinhos utilizando a análise sensorial. Constatava-se haver certo desconhecimento da metodologia de análise e de vocabulário. Por isso, talvez, havia uma certa inibição dos degustadores. O tempo passou, e hoje verifica-se uma melhora considerável na qualificação das pessoas envolvidas com o setor vitivinícola. Algumas instituições participaram ativamente neste processo de aprendizado e de aperfeiçoamento. Citam-se, entre elas, a Associação Brasileira de Enologia, que tem realizado sessões de degustação; a Embrapa Uva e Vinho; o Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves; e as mais diversas associações de enófilo(a)s que se reúnem em confrarias. Entretanto, há muito ainda por fazer em relação à qualificação de um grupo de especialistas em análise sensorial de vinhos, principalmente considerando-se que, por ano, entram no mercado um número razoável de jovens enólogos. Mas o caminho está correto, pois o aprendizado deve ser incorporado às pessoas de forma metódica, gradual e contínua.

Um grupo qualificado de degustadores deve praticar, preferencialmente, uma linguagem uniforme, ou seja, a terminologia utilizada não pode ser inadequada ou ambígua. Infelizmente, ainda que em pequena escala, isso tem ocorrido com profissionais nas mais diferentes situações.

O objetivo do presente artigo é alertar e conscientizar o degustador para a necessidade de se utilizar uma terminologia adequada durante as sessões de análise sensorial, pois ela é fundamental para o entendimento dos membros de um painel de degustação.

Aspecto
Amarelo x Amarelo-palha: as cores do espectro solar são absorvidas pelas moléculas dos pigmentos de forma diferenciada. A cor aparente relacionase ao comprimento de onda que foi refletido, ou seja, não foi absorvido pelo pigmento. A intensidade de cor de um vinho com matiz amarelo-claro é menor que a de outro com matiz amarelo-palha. Em determinadas ocasiões, o degustador classifica um vinho como sendo amarelo-palha quando o matiz amarelo predomina e sua intensidade é relativamente fraca. Segundo Emile Peynaud, em seu livro Le goût du vin, a cor amarelo-esverdeada dos vinhos brancos é devida à absorção, pelos pigmentos existentes no vinho, de comprimentos de onda na faixa de 400 a 435 nm (absorção da cor violeta); a cor amarela, na faixa de 435 a 480 nm (absorção da cor azul); e a cor laranja, na faixa de 480 a 490 nm (absorção da cor verde-azul).

Rubi x Púrpura x Violeta: com relação aos vinhos tintos, ainda segundo E. Peynaud, a cor vermelha do vinho deve-se à absorção de comprimentos de onda de 490 a 500 nm (absorção das cores azul e verde); a púrpura, entre 500 e 600 nm (absorção da cor verde); e a violeta, entre 560 e 580 nm (absorção das cores amarelo e verde). Das três cores citadas (rubi, púrpura e violeta), o comprimento de onda de absorção dessas cores é crescente. Portanto, o rubi caracteriza-se por ser vermelho, ainda que tenha as mais diversas nuances; o púrpura não pode ser confundido com seus vizinhos próximos, o rubi, de um lado, e o violeta, de outro; o violeta é inconfundível.

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Aroma
Aroma x Bouquet x Fragrância: a análise sensorial de vinhos, devido às suas características, principalmente quando ela ocorre em ocasiões especiais e inspira momentos de poesia, favorece o uso de terminologia ampla, poética muitas vezes, mas não adequadas à avaliação técnica de vinhos.

A padronização da terminologia em análise sensorial é fundamental nos painéis de degustação

Deve-se utilizar os termos aroma para os alimentos em geral. No caso do vinho, diz-se aroma quando as substâncias aromáticas que o caracterizam são primárias, ou seja, provenientes da uva, ou secundárias se forem oriundas das fermentações alcoólica e malolática; e bouquet, quando são terciárias, provenientes da maturação e envelhecimento do vinho. Os termos fragrância e perfume são reservados para cosméticos e perfumes. A palavra odor, também utilizada como sinônimo de cheiro e de aroma, na análise sensorial de vinhos, geralmente tem uma conotação negativa, e, portanto, deve ser usada quando o produto apresenta um defeito.

Gosto e Sabor
Gosto x Sabor: há apenas quatro gostos: doce, ácido, salgado e amargo. Eles são percebidos pelas papilas existentes na língua. Entretanto, há um número infinito de sabores, os quais são percebidos pelas papilas da língua, pela percepção retronasal e pelos nervos trigeminais. A palavra gosto pode ser usada quando houver a necessidade de se referir não apenas aos quatro gostos básicos, mas especificar a que produto se assemelha. Por exemplo, gosto de carvalho, gosto de citrus, gosto de amora, gosto de maçã.

Vegetal x Herbáceo: é um dos descritores mais difíceis de se estabelecer, pois requer conhecimento profundo por parte do degustador do vinho que se está avaliando e uma intuição muito pronunciada do futuro deste produto. Há uma interface difícil de ser estabelecida entre vegetal e herbáceo. Diz-se que o vinho é vegetal quando apresenta essa característica, mas ela tende a desaparecer com o tempo. Não se constitui, então, em caráter negativo. O herbáceo, por outro lado, é mais intenso, não desaparece com a maturação e o envelhecimento do vinho, e é considerado um caráter negativo.

Fim de boca x Retrogosto: esses dois descritores são usados quase que indistintamente e, muitas vezes, como sinônimos.

Deve-se ater, contudo, aos conceitos dos mais eminentes degustadores de vinho, expressos em publicações clássicas sobre a análise sensorial. O fim de boca é definido como a sensação que se sente no final da degustação, mas antes de deglutir o vinho; o retrogosto relaciona-se à sensação percebida após a deglutição do vinho e pode apresentar um caráter negativo.

Intenso x Bom: ao avaliar um vinho, freqüentemente o degustador refere-se à intensidade do aroma ou do gosto/sabor como bom, quando na verdade ele deseja se referir à sua intensidade. A palavra bom refere-se à qualidade, não à intensidade. Neste caso, deve-se utilizar os termos forte ou intenso.

A análise sensorial é objetiva e, em certos casos, subjetiva. Quando interferem os fatores subjetivos, o conceito de cada degustador sobre um determinado vinho pode ser diferente dos demais degustadores. Depende basicamente do conhecimento anterior que se tem e está gravado na memória de cada pessoa. Pode haver, então, uma diversidade muito grande entre os membros de um painel de degustação. Mas a correta utilização da terminologia deve ser priorizada. Considerando este contexto, o presente artigo tem o propósito de expor o problema, chamar a atenção e fomentar discussões sobre a análise sensorial de vinhos.

Bibliografia
AMERINE, M. A.; ROESSLER, E. B. Wines: their sensory evaluation. San Francisco: Freeman, 1983.
MEILGAARD, M.; CIVILLE, G. V.; CARR, B. T. Sensory evaluation techniques. 3rd. ed. Boca Raton: CRC, 1999.
MIELE, A. MIOLO, A. O sabor do vinho. Bento Gonçalves: Vinícola Miolo: Embrapa Uva e Vinho, 2003.
PEYNAUD, E. Le goût du vin. Paris: Dunod, 1980.
VEDEL, A.; CHARLES, G.; CHARNAY, P.; TOURMAEAU, J. Essai sur la dégustation des vins. Mâcon: Institut National des Appelations d’Origine des Vins et Eaux-de-Vie, 1972.
*da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, RS. E-mail: miele@cnpuv. embrapa.br