O milagre mais significante do mundo dos negócios de vinho nos últimos 50 anos -, na visão de um amigo e influente négociant
Christopher Cannan Publicado em 18/05/2016, às 11h00 - Atualizado às 11h22
Meu relacionamento com Robert Parker remonta a 1981 quando recebi um telefonema requisitando que organizássemos uma visita para o Domaine du Vieux Télégraphe, em Châteauneuf-du-Pape, para Mr. Parker, um advogado e autor de uma pouco conhecida newsletter local de vinho perto de Baltimore, nos Estados Unidos.
Pouco mais do que isso soube-se de Bob Parker até o começo de 1983 quando ele afirmou que 1982 em Bordeaux era a safra do século e nenhum colecionador sério ou amante de Bordeaux deveria perdê-la. Robert Finigan, o escritor de vinho mais influente na época, aconselhou o contrário, dizendo que 1982 havia sido uma safra pouco usual, com baixa acidez e pouca capacidade de envelhecimento.
Infelizmente para o desafortunado Mr. Finigan, o comércio americano e os consumidores queriam comprar e foram levados pelo entusiasmo eloquente de Robert Parker sobre a safra. Além disso, a taxa de câmbio estava muito favorável na época e os rótulos pareciam ter um ótimo preço. A verdade é que os vinhos de 1982 foram especiais, ricos e potentes, com sabores massivos de fruta madura, embora muitos estejam começando a declinar nesse momento. Certamente, eles eram o tipo de vinho que atraiam imensamente o paladar americano e o de Robert Parker em particular.
Indiferente de quem estivesse certo sobre a safra, o comércio e os consumidores foram em frente e compraram quantidades massivas de Bordeaux 1982 e a reputação de Parker como um guia bem informado para os vinhos mais desejados foi estabelecida quase que do dia para a noite.
A metodologia de Parker
Pouco depois, Bob foi ao nosso escritório em Bordeaux para uma prova de uma vasta série de vinhos da França e da Espanha. As notas foram publicadas em seguida em sua newsletter agora apropriadamente chamada de “The Wine Advocate”. Essa foi a primeira de muitas provas similares que ocorreram nos 25 anos seguintes. Foi uma oportunidade para Bob avaliar uma vasta gama de vinhos de vários países da Europa em um único lugar, evitando assim a necessidade de visitar cada produtor individualmente.
Essas degustações eram excepcionais de muitas maneiras, especialmente na pontualidade de Bob e seu enorme entusiasmo na expectativa de uma prova excitante e gratificante. Algumas vezes, mais de 200 vinhos da França, Espanha, Portugal e Itália seriam provados durante um dia com uma breve pausa para o almoço. Poucas pessoas têm a capacidade de degustar e julgar tantos vinhos nessa velocidade. Ainda assim, as resenhas, quando publicadas, eram completamente eloquentes e cativantes. Sem mencionar o famoso sistema de 100 pontos de Bob, que se tornou um padrão e permanece o método mais preciso e realista de avaliação atual.
O Sistema de avaliação de 100 pontos foi um dos grandes trunfos de Parker
Algumas vezes, durante as provas, um produtor conhecido estava presente. Em uma ocasião, lembro que o Marques de Griñon, da Espanha, juntou-se a nós e tentou convencer Bob a acompanhá-lo em uma turnê pelos vinhedos espanhóis em seu Jaguar. Para o crédito de Bob, ele não aceitou o convite pois não gostaria de ser percebido como estando sob a influência de qualquer produtor em específico. Nesse aspecto, a integridade de Bob é total. Ele nunca aceitou (e nunca aceitará) publicidade ou quaisquer outros benefícios propostos pelos produtores, sem dúvida, em inúmeras ocasiões.
A situação com importadores e distribuidores é um pouco diferente, pois eles estão aptos a mostrar a Bob uma vasta gama de vinhos em um único lugar e conseguir a importação nos Estados Unidos. Bob está sempre apoiando esses distribuidores que se dão ao trabalho de procurar vinhos excitantes para o mercado americano e, nesse aspecto, fomos sortudos o suficiente para ter uma das edições da “The Wine Advocate” em 1990 parcialmente dedicadas às nossas seleções e atividades. Ao longo dos anos, muitas das nossas seleções receberam resenhas positivas nas páginas de “The Wine Advocate” e não há dúvida de que as vendas e a notoriedade dos vinhos integrantes delas se beneficiaram enormemente.
De olho em tudo
Além disso, Bob não apenas dará boas notas para vinhos ícone, ele também presta atenção ao preço e recomenda bons custo-benefício quando os percebe. Dito isso, a influência de Bob é tamanha que ele pode fazer ou derrubar a reputação de um rótulo. Isso o levou a situações embaraçosas às vezes, incluindo um ataque por um cão feroz no Château Cheval Blanc, por exemplo.
Ao longo dos anos, organizamos muitas degustações para Bob em vários lugares, incluindo perto da sua casa em Maryland, onde costuma usar um excelente restaurante local chamado “The Oregon Grill” para os eventos. Cada prova no Grill era seguida de um lauto almoço com os rótulos favoritos do dia. As provas também ocorriam na Borgonha, em 1980, e continuam anualmente no Vale do Rhône, onde ele usa a adega de Alain Graillot, em Crozes Hermitage, para os eventos.
Durante as degustações, Bob não é muito comunicativo sobre os vinhos, mas ele faz comentários sobre algum que acha especialmente impressionante. Sobre vinhos de que não gosta, não faz comentários e raramente os inclui na sua newsletter, já que ele concentra seu espaço limitado para os vinhos que recomenda. Ocasionalmente, ele nos fala sobre um produtor que recomenda, mas que não tem importador nos Estados Unidos. Não é preciso dizer, sabendo que teremos o apoio de Parker, que vamos correndo encontrar o produtor em questão e negociar exclusividade nos Estados Unidos e em outros mercados.
A influência de Parker
Obviamente que todos conhecemos a influência de Parker no mundo do vinho, concordando ou não com esse fenômeno. Entretanto, nenhuma culpa deve recair sobre Bob por essa situação extraordinária. Como em muitos outros campos, ele estava no lugar certo na hora certa e brilhantemente conseguiu cultivar seu sucesso inicial com os conselhos e a consultoria que os consumidores achavam que precisavam. Para muitos, é um pouco lamentável que uma só pessoa tenha tanto poder e influência para dizer quais vinhos são bem sucedidos e quais não, até mesmo a ponto de eclipsar a influência do comerciante de vinhos local, que deveria saber melhor de que seus clientes gostam ou precisam.
O fenômeno foi tão longe que provocou o virtual desaparecimento do vendedor clássico de vinho, que tinha profundo conhecimento sobre seus produtores, visitava e degustava na propriedade a cada ano. Hoje, muitos comerciantes confiam inteiramente nos pontos de Parker e raramente viajam para os vinhedos.
Essa situação ainda é agravada pelo fato de que todo mundo está confiando em um homem que tem seu próprio critério de avaliação. Com os anos, o gosto de Parker evoluiu dos vinhos massivos, estruturados, amadeirados, super extraídos, para os que possuem equilíbrio, elegância e menos influência do carvalho. Isso levou muitos produtores a fazer vinhos de acordo com o gosto de Bob, sacrificando a noção de terroir e origem. Há muita discussão sobre esse assunto, mas felizmente hoje vemos um movimento na direção de vinhos mais naturais que realmente expressem suas origens.
Durante as degustações, Bob não é muito comunicativo sobre os vinhos, mas faz comentários sobre algum que acha especialmente impressionante. Sobre vinhos de que não gosta, não faz comentários e raramente os inclui na sua newsletter, já que ele concentra seu espaço limitado para os vinhos que recomenda |
A crítica
O sistema de pontuação tem seus críticos também. O vinho, por ser um produto vivo, é julgado em um estágio de sua evolução. Muito raramente os vinhos são degustados novamente e reavaliados. Assim como a pontuação também não dá a indicação do estilo do vinho, seja ele franco e rico, seja difícil e focado, por exemplo. A história triste hoje é que poucas pessoas realmente leem as resenhas bem escritas e articuladas de Bob. Elas apenas olham as notas de 95 pontos ou mais. Muitos dos vinhos que marcam de 88 a 94 são negligenciados, mesmo sendo de bom custo-benefício e favorecidos com uma resenha muito positiva.
Tem que ser dito que, no passado, havia menos vinhos para serem julgados e os níveis de qualidade não eram os mesmos de hoje. Pode-se argumentar que Bob Parker é parcialmente responsável por esse desenvolvimento excitante em nome da qualidade. Não há espaço, em um mercado saturado, para vinhos que não estejam buscando a perfeição. Atualmente, a possibilidade de escolha de rótulos notáveis do mundo todo é quase opressiva.
Há agora tantos vinhos para serem avaliados que Bob teve que delegar uma grande parte das degustações para uma equipe cuidadosamente selecionada, com gosto e abordagem similares aos seus. Essa evolução está se transformando em algo positivo, com alguns escritores/degustadores excelentes a bordo, completando um time imbatível e mantendo a influência da publicação.
Deve-se também falar sobre os excepcionais livros de Bob. Com o tempo, diversas edições de seu “Wine Buyer’s Guide” foram lançadas. Para alguns, isso é uma bíblia e entusiastas frequentemente podem ser vistos nas lojas de vinhos com uma cópia desse guia para se aconselharem. Seus livros sobre Bordeaux, Rhône e Borgonha são informativos e dão completa atenção aos detalhes, com estatísticas fascinantes e texto muito agradável.
A influência de Parker é agora global; das pradarias de Maryland “The Wine Advocate” é atualmente vista por todo o mundo. A influência pode ser ainda maior na Ásia agora do que nos Estados Unidos. Também na Europa, onde todos afirmam saber tudo sobre vinho, a publicação de Parker é largamente lida e muito influente.
Apesar de todo o sucesso e poder da publicação e dos livros de Bob, ele ainda é uma pessoa humilde, pé no chão, um americano de fácil trato que adora piada, esportes e, acima de tudo, vinhos. Ele é simpático, entusiasmado e bem informado. Sua influência no comércio e consumo de vinho fino deverá permanecer conosco ainda por muitos anos.