Originárias do Oriente Próximo, as bebidas produzidas com anis conquistaram os cafés franceses e os paladares do mundo
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 05/03/2008, às 08h40 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
Sambuca con la mosca: licor de anis flambado com café |
Imagine por um instante que você resolveu convidar para um aperitivo, em sua casa, um grupo de amigos. É um grupo eclético, composto por um francês, um italiano, um árabe, um espanhol e um grego. Qual a bebida que você pretende servir para agradar paladares tão distintos? Não é a nossa caipirinha, embora ela talvez seja uma excelente alternativa. A resposta é: uma bebida à base de anis. Ancorada nos mais diversos portos do mar mediterrâneo há muitos anos, as bebidas aromatizadas com anis são um denominador comum entre povos das mais diferentes culturas, inclusive alguns do oriente próximo.#R#
A ciência ainda não foi capaz de provar quem inventou o processo de destilação, mas ao que tudo indica, isso aconteceu na Índia, por volta do ano 800 a.C., e a bebida inicial era uma forma de arak, que é o nome genérico de um grupo de bebidas destiladas incolores com bases variadas, como a cana-de-açúcar (típico de Java, Sumatra e Bornéu), o arroz e a seiva da palmeira, muito comum na Índia. Foram os árabes que levaram o processo de destilação para os países do mediterrâneo junto com suas especiarias. Na Turquia e na ilha de Chypre o arak passou a levar a semente de anis em sua composição e a bebida destilada recebeu o nome de Raki. Com níveis de álcool que beiram os 50%, os raki são bebidas fortes, tomadas em pequenos goles, à temperatura ambiente e em copos muito parecidos com os nossos de cachaça.
Na Grécia, o raki se transforma, fica um pouco mais leve e passa a ser bebido como aperitivo e com uma pedra de gelo. E é precisamente dessa bebida destilada tão intensa que vem o Ouzo, considerado um licor, por levar uma significativa quantidade de açúcar em sua composição. Preparado com diversas plantas e ervas maceradas em um álcool muito puro, o Ouzo recebe essência de anis ou de alcaçuz, açúcar e mais álcool para alcançar uma média de 35 graus. Na tradição grega ele pode ser bebido puro e gelado, em um copo pequeno e transparente. Muitas vezes ele também é bebido com partes iguais de água gelada. Esse agradável aperitivo grego combina perfeitamente com peixes, tanto marinados quanto assados, podendo também ser utilizado na preparação de alguns molhos.
Do outro lado do mar Adriático, a Itália consome licores à base de anis de forma ainda mais diferente. Um dos produtos mais famosos é um licor muito vigoroso, o Sambuca, com 40% de álcool em média, produzido na região de Roma. Ele é bebido ao final das refeições, em delicadas taças de cristal de boca um pouco mais larga. Pode ser servido gelado ou con la mosca, que significa colocar um ou três grãos de café flutuando sobre o líquido e depois flambá-lo. Quando o álcool da superfície se consome, os grãos aquecidos de café transferem seu aromático óleo para o licor.
A grande maioria das bebidas aromatizadas com anis são preparadas da mesma forma, através de maceração de ingredientes, da mistura com um bom álcool de base, da diluição e do adoçamento. O que varia, de local para local de produção, é o tipo de anis utilizado. Em algumas preparações entram os grãos de anis, a nossa conhecida erva-doce, natural da Ásia Menor, da Grécia e do Egito. Com seu aroma rico e doce e suas funções farmacêuticas de auxílio na digestão, esse tipo de anis era, em tempos longínquos, também utilizado para afastar o mau-olhado. Em outras preparações entra a semente do mais raro anisestrelado, nativo do sul da China e do Vietnã. Diferentemente da erva-doce que é um arbusto, o anis-estrelado é uma árvore, que pode alcançar mais de 10 metros de altura. O nome vem de seu fruto, de cor marrom, em formato de estrela de oito pontas, onde cada semente se encontra dentro de uma das pontas. Os sabores de ambas as sementes são muito parecidos e ainda guardam semelhança com uma terceira planta, o alcaçuz, cuja parte mais utilizada nas bebidas normalmente é a raiz. Muito popular nos países nórdicos e nos Estados Unidos, o alcaçuz é muito utilizado na confeitaria e nos cosméticos.
Entre todos os licores com anis consumidos na Europa, nenhum é tão popular quanto o Pastis. Criado para ocupar o vazio deixado pela proibição de fabricação do absinto no começo do século XX, o pastis, de raízes provençais, tomou a França de assalto, assim como a Inglaterra e uma grande parte do extremo norte da Europa. Sua base são os dois tipos de anis, o alcaçuz e mais um número não revelado de outras especiarias, que lhe atribui cor e sabor. Diferentemente das outras bebidas, o pastis não é incolor, tem uma tonalidade amarelada e às vezes até avermelhada. No entanto, sua coloração mais característica é um branco leitoso, obtido pela mistura de água ao líquido puro. A tradição dessa bebida é tão arraigada nos cafés e bistrôs da França que existem copos apropriados, transparentes, baixos e de fundo grosso, com uma fina linha que marca a exata altura de uma dose, além de elegantes garrafas de vidro, com capacidade para meio litro de água, que são deixadas sobre as mesas para que o comensal faça sua própria diluição. Essas garrafas, junto de algumas jarras baixas, mais típicas do sul da França, tornaram-se, ao longo dos anos, itens de colecionadores aficcionados pelo pastis.
Na outra ponta do Mediterrâneo, a Espanha fabrica o Ojen ou Anis, nas versões doce e seca, com maior teor de álcool do que o pastis e com uma fórmula que leva, em geral, só o anis e o alcaçuz. Também é consumido como aperitivo em copos baixos e com um pouco de água. E se ao final desse encontro entre oriente e ocidente seus convivas ainda pedirem mais, ofereça um coquetel: Haven (Abrigo ou Porto). Coloque no fundo de um copo do tipo old fashioned (o copo de whisky), uma colher de sopa de grenadine e três cubos de gelo. Acrescente uma dose de vodca e outra de pastis. Complete o copo com água com gás. Sirva sem mexer.