Uma harmonização do peru

Harmonizações audaciosas com a culinária de maior influência e estilo de nosso continente

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 08/02/2010, às 14h50 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46

Pratos clássicos peruanos tiveram toques contemporâneos e compuseram uma harmonização com brancos e espumantes

Em uma filial da casa fundada por Gastón Acurio – ícone da gastronomia peruana, com restaurantes espalhados por toda a América –, ADEGA promoveu uma harmonização especial, unindo a espetacular culinária do país andino com vinhos brancos ou espumantes.

A Cebicheria La Mar de São Paulo é comandada por Carlos Martignago, que além de ter a responsabilidade pela gestão, tem uma grande paixão pelo vinho e pela culinária, é claro. Os apaixonados pela boa mesa agraciados nessa noite inesquecível foram Carlos Frederico (empresário), André Kerbauy (executivo setor de tecnologia e serviços), Renato Zimmermann (empresário do setor esportivo), Nicola Calicchio (consultor empresarial), Paulo Pereira (executivo setor esportivo), Giusepe Lo Russo (empresário do setor de marketing), Christian Burgos (publisher de ADEGA) e seu editor de vinhos.

Cebiche clássico e espumante nacional

Variações de Cebiche, prato típico, obviamente tiveram lugar central no jantar

O impacto começou logo nas boas vindas à mesa com uma harmonização muito interessante. Tivemos o Cebiche Clássico, preparado com robalo fresco, leite de tigre clássico, cebola roxa e coentro. O leite de tigre, um dos grandes segredos do Cebiche peruano, é elaborado com limão, caldo de peixe, salsão, coentro, pimenta dedo-de-moça, alho e gengibre.

Para se ter uma ideia da rotina da casa, todo dia são usados 60 quilos de limão exclusivamente para a preparação desse delicioso ingrediente de nome muito interessante. Um preparo diário com um ritual importante, pois é utilizado em um grande gama de pratos.

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O robalo, levemente marinado no leite de tigre, mostrava frescor, média intensidade e final delicioso de boca. Precisava de um vinho que contrapusesse esse delicioso retrogosto. O consorte escolhido foi a Cave Geisse Nature Terroir 2006, um dos grandes espumantes do País. O conjunto formou um clássico matching. Carlos Frederico ficou impressionado com o prato e com o espumante e mais ainda com a harmonia do par, pois a sensação causada no palato do cebiche foi complementada pelos toques pungentes e da especial acidez do inusitado e surpreendente espumante.


Cebiche Chifa e Cava espanhola – campeões da noite

Logo a seguir tivemos o Cebiche Chifa, com lembranças do primeiro prato, que foi preparado com Buri (o olho de boi), leite de tigre novamente, gergelim torrado, cenoura, nabo, cebola roxa, coentro e amendoim. Os preparados se parecem, pois o leite de tigre era o mesmo, mas o conjunto era diferente e tinha no amendoim um diferencial.

Foram muitas as combinações com frutos do mar

O Chifa com ligeira acidez era contrabalanceado pelo amido do amendoim. O conjunto no palato era fenomenal, provocando diversas reações no grupo de comensais. Todos muito impressionados pelo preparado e mais ainda pela sequência, pois a encantadora harmonia na evolução era mesmo uma aula, que era recitada por Carlos Martignago a cada prato que chegava à mesa.

Com esse conjunto balanceado entre acido e básico, tínhamos mesmo que ter um outro grande espumante. Nesse momento, era servido a todos uma deliciosa e marcante Cava, produzida em Saint Sadurni d’Anoia, nas cercanias de Barcelona, por uma das mais especiais casas da região, a Juve y Camps. A Brut Nature Reserva de Familia Gran Reserva 2004 estava sensacional e reluzente. Uma harmonização espetacular segundo André Kerbauy, pois a complementaridade no palato estava irretocável. Ao final do jantar essa harmonização foi eleita a mais especial de toda a noite, com quase unanimidade dos votos.


Tiradito Laqueado (atum) e Champagne

O terceiro encontro foi com o Tiradito Laqueado. O prato é preparado com finas lâminas de atum laqueado na chapa com leite de tigre e toques de maracujá. Um preparado sensacional, que mais uma vez tinha a acidez do leite de tigre com o toque da fruta tropical.

O Tiradito é servido levemente morno, o que lhe concede uma característica diferente dos cebiches anteriores. Tinha um equilíbrio impressionante, pois o intenso sabor do atum era contraposto pelos deliciosos toques acidez dos molhos.

O conjunto com leve toque picante precisava de mais um vinho com acidez marcante e muita vivacidade. Escolhemos para fazer uma comparação com os espumantes anteriores mais um Brut Nature, mas dessa vez um Champagne, o Zero Dosage da Maison Ayala, de Aÿ. A combinação foi sensacional, pois o seco champagne casou com a sensualidade do Tiradito. Tanto prato quanto vinho estavam especiais e juntos fizeram uma multiplicação, pois cresceram quando se encontraram no palato. Uma dupla fantástica.

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Super Uña (frutos do mar) e Gewürztraminer

Como a maratona enogastronômica olímpica era longa, decidimos mudar e sair dos Cebiches para um prato mais ousado e diferente. Martignago nos propiciou conhecer o Super Uña, um recheado de camarão, caranguejo, castanha de caju e caldo de peixe, com toques de pimenta chinesa.

Por se tratar de uma fritura, tinha muita intensidade dos frutos do mar com a força da castanha de caju. A pimenta estava na medida e não podíamos chamar o preparado de muito picante. Tudo muito equilibrado, mas com intensidade acima da média.

Depois de três espumantes decidimos ir para um vinho com personalidade tanto no corpo quanto aromaticamente. O escolhido foi um dos vinhos hits em pratos Thai’s (como é chamada a culinária tailandesa), um Gewürztraminer. O produtor do vinho era a espetacular Domaine Paul Blanck da Alsácia, de onde vem um dos mais sensuais e especiais vinhos elaborados a partir desta casta – que é, sem dúvida, uma das mais aromáticas dentre todas, quando o assunto são brancos aromáticos. Christian Burgos, fã confesso de exóticas harmonizações, aplaudiu o conjunto, pois o frescor e intensidade do vinho fizeram o Super Uña se destacar ainda mais.

Anticucho La Mar (polvo) e Sancerre

Após esse conjunto de pratos que podem ser considerados aperitivos ou antepastos, Martignago começava a trazer à mesa pratos quentes de mais complexidade. O próximo a ser servido foi o Anticucho La Mar.

Ele é um espetinho de polvo grelhado com molho chimichurri parrillero (orégano fresco, azeite e toques de alho) servido quente com batatas mortero (cozida, espremida rusticamente com toques de pimenta dedo-de-moça). Um prato com conjunto fresco e intenso ao mesmo tempo.

Aqui poderíamos ter muitas opções de harmonização, mas escolhemos um delicioso, presente e mineral Sauvignon Blanc. No caso, optamos por um dos mais originais e típicos dentre todos, o Sancerre Comte de Lafond, produzido pela família Ladoucette, em pleno coração do Vale do Loire, na França.

Na opinião deste editor de vinhos, esta foi uma das mais clássicas harmonizações dos últimos anos, pois aliava um prato de frutos do mar (polvo) de média intensidade com a leveza e, ao mesmo tempo, personalidade incomum de um dos vinhos mais espetaculares do planeta, um bom Sauvignon Blanc. A acidez e mineralidade do vinho foram contrapostas pela textura do polvo e da batata mortero com o toque provocante do chimichurri. Inesquecível encontro entre um delicioso prato e um espetacular vinho.

Três espumantes, quatro brancos e um Porto acompanharam os pratos da noite

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Olho de Boi e Vermentino

O que mais estaria por vir? O próximo branco acompanharia mais um preparado típico peruano, o “Olho de Boi”, mas dessa vez quente. Este prato, chamado no La Mar de Anticucho Clássico, foi elaborado a partir do Buri grelhado à la antigua acompanhado de mandiocas douradas ao molho molho aji (base de pimenta peruana, dita rocoto).

O prato por si só já é quase uma fábula do diferente e exótico. O peixe é encorpado e levemente “pesado”, mas que grelhado no espetinho (anticucho) casava muito bem com a personalidade da mandioca e com o marcante molho de Aji.

Para acompanhar esse imponente Anticucho, não podíamos deixar de ter um vinho com muita personalidade, intensidade e força. Escolhemos o Vermentino, algo diferente e que pudesse valorizar esta refeição com muita presença. Vento Maremma 2007 é o nome do escolhido para estar ao lado do Buri. A uva Vermentino reina na ilha da Sardenha, na Ligúria e também é muito plantada na costa da Toscana, de onde vem esse exemplar. A inspiração para essa escolha, além de tecnicamente ser um vinho diferenciado e cheio de personalidade, veio de Marilisa Alegrini, uma das mais influentes mulheres do mundo do vinho, que, em sua última visita no Brasil, respondeu a uma pergunta de um colega jornalista: “Qual é o seu vinho do dia-a-dia? Marilisa foi taxativa: “Meu Vermentino da Terre del’Oro, minha nova propriedade na Toscana”. Vale ressaltar que Marilisa é originaria do Vêneto e produz um dos melhores Amarones de toda a região. A resposta dela nos surpreendeu e ao mesmo tempo trouxe inspiração. Realizar esse desejo não foi simples, pois foi difícil achar um Vermentino de estirpe aqui no Brasil (os vinhos da Toscana de Marilisa ainda não desembarcaram por aqui).

O casamento entre o Vento 2007 e o Anticucho de Buri foi sublime, pois não havia mesmo hipótese de colocarmos um vinho frágil ao lado do marcante preparado. O Vento 2007 foi complementando irretocavelmente os sabores mais básicos do prato com uma acidez mediana e um final de boca sensacional. Uma experiência diferente e que vale provar. Tanto vinho como prato surpreenderam e causaram uma deliciosa sensação de harmonização no palato.


Tacu Tacu Arequipa e Mersault

A próxima e última celebração antes do vinho do Porto foi o casamento entre o Mersault Verget 2006 com o Tacu Tacu Arequipa. O vinho não precisa muitos comentários, pois dessa pequena comuna da Borgonha são provenientes os mais charmosos e delicados vinhos franceses à base de Chardonnay.

Já o Tacu Tacu, uma baita novidade, preparado à base de feijão branco amassado rusticamente, acompanhado de arroz branco, frito na grelha, com camarões grelhados ao molho de coral (elaborado com coral de vieras e caldo de camarão).

Este prato era ponto fora da curva e precisava de um vinho elegante para contrapor tanta inovação e potência. O elegante Mersault caiu muito bem colocando na boca uma vibrante acidez, que faltava ao paladar. Uma harmonização longe de ser unanimidade, pois a combinação vinho e feijão é sempre um desafio, mas o feijão com o camarão trouxe uma deliciosa harmonização por contraste. A conclusão aqui foi simples, tanto prato quanto o vinho tinham que ser os últimos a serem servidos e foi realmente isso que fez a diferença na harmonização.

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Crocante de Camu Camu e Porto

Chegávamos à sobremesa, que Martignago fez questão de frisar que é um dos carros chefes da casa. Nessa altura, todos já sabiam que o tinto da noite seria um Porto e que seu consorte à mesa seria uma sobremesa com muito estilo e mais uma vez diferente do que estamos acostumados.

O Crocante de Camu Camu é elaborado a partir de um tuille de castanha de caju (manteiga batida com a castanha), Camu Camu (fruta de origem amazônica), coulle de morango e sorvete de chocolate. Incríveis sensações trazem essa sobremesa, que está mais para força do que para a delicadeza.

Depois de sete pratos servidos ao lado de vinhos brancos e espumantes, um belo Porto acompanhou a exótica sobremesa

O conjunto não podia mesmo deixar de harmonizar com o excelente Porto Vintage 2004, da Quinta do Crasto, que, a propósito, fechou a noite com uma doçura encantadora.


La Mar: Rua Tabapuã, 1410 – Itaim Bibi, São Paulo, SP (11) 3073-1213 - www.lamarcebicheria.com