Uma visão do alto da serra

Inovadora, bem ao espírito de seu proprietário, Wandér Weege, a vinícola Pericó traz novos ares ao vinho nacional

Christian Burgos Publicado em 27/06/2011, às 08h31 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47

Wandér Weege já teve seu perfil retratado em diversas publicações de negócios. Sua atuação à frente da Malwee Malhas foi determinante para que ela se transformasse em uma das maiores empresas do Brasil. Um homem sério, polido, que faz jus à sua ascendência alemã (apesar de ser da quarta geração da família que veio da Pomerânia – atualmente parte da Polônia), ele também é um grande visionário.

"Hoje a Pericó é uma empresa e não é mais um hobby"

“Aposentado” de suas funções na empresa de moda e malhas, Weege, ferrenho amante de vinhos, ocupou-se com a vitivinicultura, que, logo, de hobby passou a ser um negócio – como tudo o que ele fez até hoje. Empreendedor nato, ele trouxe sua visão arrojada para a indústria do vinho brasileiro. Sempre em busca da qualidade e do “bem servir”, ele cria diferenciais em seus produtos, aposta também no marketing e na tecnologia que auxilia o homem no campo.

Paciente, mas determinado, esse gentleman implantou sua vinícola no Pericó Valley, em São Joaquim, e, em sua quinta safra, já vai se tornando uma referência, tanto que teve a primazia (e a ousadia) de criar o primeiro vinho do gelo (Ice wine) no Brasil, lançado no ano passado. Como todo empresário de sucesso, Weege trabalha com foco, humildade e com um empenho pessoal raramente visto. Tanto que, em feiras e eventos, é comum vê-lo em seu estande servindo seus vinhos ao público e ouvindo as opiniões a respeito.

ADEGA teve a oportunidade de conversar longamente com este empresário que não brinca em serviço e, aos poucos, vai transformando a indústria do vinho nacional.

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Como entrou no mundo do vinho?

Foi uma casualidade. Eu participava do Clube do Vinho de Blumenau e, posteriormente, do Clube de Gourmet de Florianópolis, desde 1998. Um dia, um amigo disse: “O que você vai fazer daqui uns dias (anos)?” Ia passar a empresa gradativamente para os filhos, Guilherme e Martin (que já a estão administrando) e, na época, a EPAGRI, órgão catarinense de pesquisas de agricultura, comprovou que, em São Joaquim, plantava-se, na altitude, uvas brilhantes para vinhos. Essa notícia veio aos meus ouvidos e fez com que pensasse: “Bom, vou plantar uvas”. Já tinha estado em Portugal em viajem de turismo para vindima e também em outros países. Achei aquilo fantástico. E não tive dúvida. Um dia fui para São Joaquim e visitei diversas áreas. Depois do almoço, marquei com o dono de algumas terras às 14 horas. Às 14h30, o negócio estava fechado. Às 15 horas, o irmão dele apareceu e outra vinícola estava fechada. E às 15h30, um pouquinho depois, a terceira etapa também estava fechada. Comprei três terrenos de uma família só, de três irmãos, um do lado do outro.


Mas não parou por aí, não é?

Depois comprei mais algumas e hoje temos quase 1 milhão de metros no centro de São Joaquim, onde está tudo planejado para fazer uma área verde, para parque, passeios, uma plantação com tudo o que é tipo de frutos. Vamos criar um ponto, uma referência dentro de uma área verde. Há um prédio cuja estrutura de aço está pronta, e os pisos e as laterais são de vidro para você circular e ver todas as plantações ao redor. A prancheta está preparada com todos os desenhos. É só levantar as paredes e a vinícola estará pronta. Em princípio, deve terminar no ano que vem.


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Quantos hectares comprou no Pericó Valley?

Temos 450 hectares. Destes, destinamos 20% ao governo, que é a taxação pela reserva legal, que usamos para reflorestamento com pinheiros, uma árvore que eu adoro. Isso fez com que eu adotasse ela em todos os rótulos da Pericó, que tem uma ligação natural com isso.


Quantos hectares plantados hoje?

Nesse momento 15, e já estão produzindo. Mas já iniciamos a plantação em outros. Ao todo teremos 33. Os terrenos estão sendo preparados. Isso quer dizer: virando a terra, afofando-a com tratores.

"Se alguém tiver uma sugestão, uma reclamação, uma reposição, esteja atento porque este é um consumidor e ele precisa de qualidade, um bom atendimento e uma boa retaguarda"

É algo que as pessoas não costumam fazer em suas terras?

Sim, quase ninguém faz isso, só pega o buraquinho e planta. Nós afofamos todos esses 15 hectares que existem produzindo.


Qual era o plano inicial?

Fizemos uma previsão inicial, não só em número de hectares como de mercado. Reservamos uma verba bem ampla para mídia, fazendo com que o nome e o produto fossem conhecidos. Para que não surgisse apenas mais uma vinícola... Todas são bem vindas, o sol nasceu para todos, mas queríamos também nos apresentar, porque, com o preparo do terreno, o terroir ficou excelente. Sabíamos, pela química da engenharia de terras e de assessores que temos, o que resultaria daí com nossas castas francesas. E deu no que deu, realmente um produto extra. Lançamos o primeiro espumante das terras de altitude, o Cave Pericó branco e rosé brut, fazendo com que Santa Catarina tivesse uma referência.


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Vemos que seus vizinhos plantaram muitas uvas tintas e, além de plantar muitas uvas tintas, montaram infraestruturas vinícolas para vinificação de vinhos tintos. Acabou-se descobrindo que há uma vocação diferenciada do seu terroir...

Sim, o rosé inclusive já foi premiado como o melhor nacional. Agora, isso é fácil de apresentar. Minha especialidade é têxtil. Na Malwee Malhas aprendi também inúmeros conceitos da vida com o meu pai. Ele disse: “Meu filho, fale quando você está com o passarinho na mão. Quando é fato ou realidade. E para um fato ser realidade, nada mais, nada melhor que bem servir com qualidade”. Se alguém tiver uma sugestão, uma reclamação, uma reposição, esteja atento porque este é um consumidor e ele precisa de qualidade, um bom atendimento e uma boa retaguarda. E aí, no caso do vinho, lembrei dessas três etapas, sendo que a principal é qualidade. Os nossos assessores da Alemanha observavam muito isso e, pesquisando durante muitos anos, indicaram-me o Pericó Valley. É uma terra ensolarada, com noites frias e, principalmente, tem o basalto naquela região. E não tem chuva de pedra. São Joaquim tem, infelizmente, há 1.400 metros, diversas regiões com chuva de pedra cujas terras servem para outra finalidade.


Mas, para ter qualidade, quais os conceitos usados?

Obviamente, o preparo do terreno. Fiquei dois anos só preparando o terreno, quatro viradas, afofando-o. Virada de um metro, não virada de 30, 25 centímetros. Todo mundo falava: “Esse cara está se perdendo, está louco”. Depois, deu no que deu quando as castas foram plantadas.


E seu plano de vinícola hoje obviamente contempla mais infra-estrutura para produção de espumantes e para produção de brancos do que quando iniciou o projeto?

Quando iniciamos, o objetivo principal eram vinhos tintos. Mas, por circunstâncias do clima e do Brix, o índice do açúcar no campo, observamos que ali seria ideal para fazer espumante. E como gosto de um espumante, fizemos. Estamos ampliando com os rosés, que foi nosso primeiro vinho, mas agora vamos contemplar o Chardonnay, que é a menina dos olhos, e os tintos, Cabernet e Merlot.

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“Pericó Valley é uma terra ensolarada, com noites frias e, principalmente, tem o basalto naquela região. E não tem chuva de pedra. São Joaquim tem, infelizmente, há 1.400 metros, diversas regiões com chuva de pedra cujas terras servem para outra finalidade”

Qual o tamanho ideal dentro do seu plano de expansão?

Meu projeto pessoal nesta terra já é uma missão cumprida na parte têxtil, porque a nossa companhia tem 105 anos. Eu tinha que me ocupar com alguma coisa agora que estou aposentado – só participando do conselho da empresa, não mais no dia-a-dia –, para não ficar ocioso. Era preciso uma atividade, mas, com esses prêmios, com essas soluções que nós encontramos nos nossos vinhos, isso fez com que tomasse um rumo de um negócio. Hoje a Pericó é uma empresa e não é mais um hobby. Temos mais três etapas planejadas previstas na planta, mas inicialmente são esses 33 hectares que devem estar produzindo vinhos daqui uns três ou quatro anos. E a vinícola já está sendo feita de forma modular com outras etapas de expansão.


Você revolucionou criando o primeiro Ice wine brasileiro...

Agradeço a colocação do “revolucionou”, mas não fui eu. Uma vez, dialogando com Roberto Rabachino, da federação italiana de sommelier em Flores da Cunha, ele disse: “Se São Joaquim é realmente tão frio quanto vocês falam, porque então não fazer um Ice wine? Deixa uma gleba ali e pronto”. Eu disse: “Vamos ver se vai dar”. E realmente aconteceu. Em 4 de junho de 2009, a colheita começou às 6h15 da manhã com 7,5°C negativos e escuro. Levamos repórteres da cidade para comprovar. Alguns saíram às 5h da manhã da cidade, até um pouco antes, para nos dar a notícia: “Está esfriando, pode vir que a coisa vai acontecer”.

"Fiquei dois anos só preparando o terreno, quatro viradas, afofando-o. Virada de um metro, não virada de 30, 25 centímetros. Todo mundo falava: ‘Esse cara está se perdendo, está louco’"

E teve alarmes falsos antes disso?

Três vezes falaram que a temperatura ia chegar, mas só chegava a 3°, 5° negativos. Mas eu queria entrar com o pé direito e fiz certo. Roberto Rabachino me deu a ideia, eu topei o desafio e ousadamente fizemos. Foram produzidas 3.600 garrafas e já vendemos mais da metade, agora temos ainda um lote e depois a reserva do fundador.


Foi possível fazer o mesmo no ano passado?

Em 2010 não chegou a ter esse frio. O mínimo foi 5°C negativos. Só que tivemos uma surpresa. O frio demorou para chegar e o cacho ficou no pé mais de 50 dias que os do ano anterior. Com isso, deu uma qualidade tão fantástica que está até competindo com o legítimo Ice wine. Este nós vamos usar para degustações, uso particular, porque não chegou ao padrão de Ice wine que é, no mínimo, 6° negativos.

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Muitos dos seus vizinhos também deixaram algumas uvas no pé depois do lançamento do Ice wine?

Acredito que sim. Esperando que acontecesse mais frio, correram o risco.

Aquela região pode acabar virando um berço de Ice wine brasileiro?

Pode sim, inclusive sei que toda a gente da região de altitude, não só na região de São Joaquim, deixou uvas no pé já este ano novamente.

“Quando iniciamos, o objetivo principal era vinhos. Mas, por circunstâncias do clima e do Brix, o índice do açúcar no campo, observamos que ali seria ideal para fazer espumante”


Vocês mudaram uma coisa típica no Ice wine que foi fazê-lo a partir de Cabernet Sauvignon. Isso é muito curioso...

A uva, justamente por ser mais tardia, era especial para isso. Não adiantaria deixar outra, pois ficaria passa. Fizemos os lançamento no dia 10 de outubro de 2010 (10/10/10) às 10 horas, 10 minutos e 10 segundos.


Você está trazendo para o vinho aquele conceito do mundo da moda, coleções novas a cada período?

Sempre tem que ter coleção nova. Tem que ter coragem, criatividade.

"Sempre tem que ter coleção nova. Tem que ter coragem, criatividade"

Santa Catarina é uma terra de sangue novo no vinho, não?

Sim, temos industriais, temos empresários, médicos, dentistas e temos outros profissionais liberais que montaram suas fazendas, seu vinhedos.


Você tem uma forte ascendência alemã, mas é um patriota.

Sou da quarta geração. 100% brasileiro. Em 1861 vieram os parentes por parte de mãe e, em 1867, vieram os familiares Weege, da Pomerânia, que graças à II Guerra, ficou do lado da Polônia. Mas eu incentivo muito a manutenção de costumes, folclores e hábitos desse povo que veio de lá.


Poderia falar um pouco da história do grupo?

Meu bisavô veio em 1867 ainda jovem e se estabeleceu em Pomerode. Teve treze filhos, faleceram cinco. Os oito que ficaram, quatro eram moças e quatro homens. Ele teve uma visão em coisas direcionadas divinamente penso eu. Os filhos homens ganhavam um entroncamento de rua e um riacho para colocar uma turbina (elétrica). Então, em 1906, meu avô tinha recém casado e recebeu isso como presente: uma casa comercial numa encruzilhada de ruas; onde colocou uma pequena usina. Tinha uma loja comercial, aí depois uma pequena mercearia e um açougue. Aí a coisa começou e hoje a firma Weege tem 105 anos. Meu avô me perguntou o que eu queria estudar: “Quer ser engenheiro, advogado?” Demos uma volta em inúmeras empresas e eu gostei do ramo da malharia. Fui estudar no SENAI em química e têxtil, no Rio de Janeiro. Formei-me em 1967 e, em 68, iniciamos.


A inovação é o segredo da competitividade?

De tudo o que existe...