Para ser o "melhor sommelier do mundo", é preciso um conhecimento enciclopédico não só sobre vinhos
por Arnaldo Grizzo
De lá para cá, atento aos mínimos detalhes, correndo de um lado para o outro com uma garrafa na mão e um simpático sorriso, sempre. A vida de um sommelier não é simples, o que dizer então de um que almeja se transformar em um dos maiores do mundo?
O mineiro Guilherme Corrêa, 38 anos, não para. Originalmente formado em Economia para UFMG, ele sagrouse bicampeão do concurso promovido pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), em março. Nascido de família tradicional de classe média de Belo Horizonte, Corrêa ganhou novamente o direito de representar o País no campeonato “Meilleur Sommelier du Monde”, que ocorrerá em 2010, no Chile. Ele foi campeão pela ABS em 2006 e participou da competição internacional no ano seguinte, na Grécia.
Seu gosto pelo vinho, que surgiu praticamente “do nada” – apenas como um gosto de juventude mesmo, já que sua família nunca teve relação mais estreita com a bebida –, transformou-se em uma profissão. Mas, mais do que isso, em uma maneira de vivenciar o mundo e se aprimorar. É com esse espírito que Corrêa busca desafios. Sua meta é o conhecimento.
Em meio aos conturbados dias da Expovinis no estande da Decanter, importadora para qual trabalha, o sommelier arrumou um tempinho para conversar com a Revista ADEGA e contar como é a vida de quem sonha em ser um dos melhores do mundo em sua profissão.
Por que participar de concursos de sommeliers?
A ideia de participar, para mim, é um desafio. Já trabalho tanto – manhã, tarde e noite, e fim de semana – e percebi que o concurso me desafiaria a estudar. Era a única forma de me forçar a fazer um projeto, um plano de estudo.
Ser campeão do concurso da ABS lhe dá a oportunidade de participar do campeonato mundial. Como é?
O concurso promovido pela Association de la Sommellerie Internationale (ASI) é realizado normalmente a cada três anos e existe desde 1969. A cada ano em um lugar diferente. A ASI, hoje, tem 41 países associados. Cada associação manda o campeão nacional para representar o país. O concurso tem a prova teórica escrita, degustação de vinhos e destilados às cegas escrita, prova de harmonização vinho-alimentos também escrita, e uma prova em que você simula o serviço num restaurante. Tem um ritual para seguir, em que tudo é avaliado – sua comunicação, postura, expressão em língua estrangeira. Cada prova tem um peso e os três melhores vão disputar uma final. Essa final normalmente é realizada ao vivo, uma situação chamada “tomada de serviço completo”, que você tem surpresas e tem que agir como se estivesse num ambiente de restaurante e ainda degustar líquidos às cegas. O líquido pode ser um chá, um vinho alterado, qualquer coisa. No último Mundial, foram 14 destilados para serem degustados em cinco minutos e identificados. Então, é um nível de treinamento de anos e anos e conhecimento enciclopédico. Na Europa, os profissionais ficam anos se dedicando aos concursos. Tem todo um suporte, patrocinador, comissão técnica. É levado muito a sério. Na última prova, foram cobradas regiões vinícolas da Suécia, do Leste Europeu. A gente tinha que colocar no mapa todas as regiões vinícolas da Eslovênia. Só de decorar aqueles nomes eslavos com tantas consoantes já é difícil até se fosse em prova de múltipla escolha e, na verdade, é descritivo. Só uma pessoa que está há muitos anos estudando para ter essa base toda sólida.
Como é que se prepara para isso?
Logicamente, na Europa eles têm um outro acesso, podem contar não só com literatura, mas também viajam muito, têm muito material à disposição. No meu caso, compro meus próprios livros todos no exterior. Hoje, devo estar com uns 350 livros importados na minha biblioteca. Tem que estudar, e com profundidade. Não tem outra forma.
O nível lá fora é muito grande?
Os sommeliers lá fora têm uma estrutura melhor para estudar, com apoio. O Brasil está crescendo muito. Cada vez os concursos trazem uma nova leva de sommeliers muito preparados. Nesse último, fiquei encantado. Tinha uma meninada jovem muito boa, muito estudiosa. A coisa está começando a mudar, mas a gente ainda está muito longe de conseguir almejar uma posição de destaque internacional. Não que não tenhamos habilidade, mas pelo que vi no último mundial, falta estrutura. Aqui é tudo feito na garra mesmo. Temos sommeliers muito bons no Brasil. Está começando a mudar o perfil daquele cara que não precisava se esforçar para se destacar.
E aqui na América do Sul?
Aqui estamos mais ou menos no mesmo nível, de modo geral, Brasil, Argentina e Chile... Aliás, o sommelier brasileiro até tem mais acesso do que o argentino. Nós temos mais acesso a vinhos do mundo inteiro, a gastronomia de São Paulo é uma das melhores do mundo. Mas, nas Américas, a escola mais forte talvez seja a canadense. Eles estão perto da elite européia.
E o que vem com o título mundial?
Quem ganha o título de melhor do mundo escolhe onde vai trabalhar. Por exemplo, o Andreas Larsson (último campeão), um dia está dando palestra na Coréia do Sul, outro em Nova York. Então, ele passa a ser uma figura visada por toda a indústria para escolher vinhos, produtos. Para todos os tipos de atividade de promoção, o sommelier agrega muito valor. Então, é uma coisa incrível o prestígio.
E o concurso nacional, é reconhecido pelas pessoas aqui?
Nunca pensei no que isso gera de prestígio aqui. A minha ideia realmente foi para me desenvolver mais como profissional, estudar mais. Mas, de certa forma, fico feliz que essa meninada nova venha me procurar. Nunca guardei o conhecimento para mim. Tudo o que aprendo, gosto de passar.
Quais as chances no Mundial?
Acho que ainda não temos condições de competir com a elite, infelizmente. No primeiro, em 2007, fui para aprender, não tinha noção do que era feito em nível internacional. Agora, nesse segundo, já sei como a coisa funciona e quero, durante esse ano, estudar muito para sair de lá e dizer: “Fiz um belíssimo Mundial”.
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