Na mais bela simplicidade, Adega Mayor prova que a beleza não precisa ser grandiosa
por Carolina Almeida
O mundo é cheio de lendas, e as lendas são necessárias não só para explicar fatos que teoricamente não têm explicação como também para brincar com o nosso imaginário. Mais do que elucidar, elas trazem pingos de cultura e costumes de um povo. Em Portugal, as lendas são tão comuns que muitas vezes não conseguimos distinguir a verdade da ficção. Cada lugar tem a sua, e cada uma é contada de uma forma.
A vila de Campo Maior, no Alentejo, não foge à regra, e uma das lendas mais populares de lá diz respeito a seu surgimento. Durante muito tempo, a península ibérica foi fruto de disputas entre os mouros e os povos cristãos que habitavam a região, e ataques às populações nativas não eram raros. Cansados do sofrimento, algumas famílias se reuniram para buscar um lugar amplo, onde pudessem viver tranquilamente e unidos, uns protegendo os outros. Depois de muito caminhar, depararam-se com um amplo terreno verde. Um deles gritou: "Companheiros! Aqui será o nosso Campo Maior! Nele poderemos caber à vontade e dele faremos um reduto contra os nossos inimigos". Assim nasceu a lenda do Campo Maior, uma vila portuguesa com pouco menos de 8 mil habitantes. E nesse clima tranquilo, acolhedor e amistoso é que foi fincada a Adega Mayor - paradoxalmente uma edificação pequena e de certa forma despretensiosa.
O renomado arquiteto Siza Vieira nunca antes havia se aventurado em projetos de vinícolas
Do café ao vinho
A Adega Mayor era um projeto antigo de seu proprietário, o Comendador Manuel Rui Azinhais Nabeiro, dono também da Delta Cafés, uma das maiores empresas cafeicultoras de toda a península ibérica. Em 1998, nasceu a ideia de estender o negócio para a vinicultura, proeminente no Alentejo, e depois de muito planejar faltou apenas escolher o arquiteto. Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira, conhecido internacionalmente por Siza Vieira, foi o escolhido para tocar projeto.
O mais conceituado arquiteto português, Siza Vieira já tinha trabalhos premiados no mundo inteiro e desenhou, entre outros, a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, a Igreja de Santa Maria, em Marco de Canavezes (Portugal) e o Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, mas nunca havia se aventurado na arquitetura de vinícolas. Talvez por isso seu projeto tenha tido tanto sucesso.
Barricas ficam em uma cave subterrânea - uma das poucas no Alentejo - com paredes de 60 cm de espessura para manter a refrigeração
Longe de preceitos, vícios e preconceitos, o português usou os princípios geométricos de uma adega clássica para desenhar um retângulo de 40 por 120 metros. Contrastando com mais de 70 hectares de vinhas da planície - ou seja, um "tapete verde" -, o edifício branco se configura como uma beleza simples, mas profunda. A pureza quase celestial do prédio contribui para a sensação de união entre o trabalho do homem, nesse caso a própria vinícola, e a natureza, que parece estar completamente integrada à construção.
Elegância
Sem muitos artefatos exteriores, a vinícola, com seus muros de quase 9 metros de altura, mostra sua verdadeira imponência na parte interna. Em apenas três pisos, consegue cumprir seu papel. Produção, armazenamento e zona social convivem no espaço. No primeiro piso, equipamentos de alta tecnologia são usados para a produção do vinho. É lá que está a sala das barricas, quase uma obra de arte, uma das únicas do Alentejo que não está numa cave subterrânea. As paredes, de 60 cm de espessura, garantem que o sistema de refrigeração mantenha os vinhos na temperatura ideal. O mais curioso é que essa sala, de cerca de mil metros quadrados, não possui, nas áreas centrais, qualquer pilar de sustentação.
Em seguida vem o andar dos funcionários, com laboratórios onde são realizados os testes para controle de qualidade. E, finalmente, no ultimo piso, como não poderia deixar de ser, a vertente mais social do vinho. Nessa última camada foi criada uma sala de provas e espaços para a confraternização. Ainda no último piso, Siza Vieira projetou um terraço panorâmico, cuja vista abrange, além das vinhas, os olivais e sobreiros plantados ao redor. Como essa parte está em cima da sala de barricas, foi criado um espelho d'água, que reflete os raios solares, para que o envelhecimento dos vinhos não seja afetado.
Por essas e por outras, a Adega Mayor foi a única vinícola portuguesa a figurar na exposição "How Wine Became Modern: Design + Wine 1976 to Now" do MoMA de São Francisco. Junto a diversos projetos gráficos, fotografia, escultura e artes em geral, ela ilustrou a redefinição da identidade do vinho, no viés econômico, social e cultural.
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