A história da Quinta do Noval e seu mítico vinhedo chamado de “Nacional”

Quinta do Noval se destacou ao longo dos séculos produzido com videiras diretamente enraizadas no solo português

Arnaldo Grizzo Publicado em 03/06/2024, às 09h00

- Quinta do Noval

No outono de 1981 um incêndio destruiu as caves, a linha de engarrafamento e escritórios da firma gestora da Quinta do Noval em Vila Nova de Gaia e é por isso que alguns fatos e datas da história dessa vinícola icônica do Douro acabaram se perdendo.

Acredita-se, por exemplo, que os primeiros Vintage da empresa, cujos primeiros registros remontam a 1715, tenham nascido no início da década de 1930.

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É curioso, pois, diante da crise mundial e de um mercado recentemente bem abastecido pelo Vintage de 1927, declarado pela maioria dos produtores, teoricamente havia pouco interesse em apontar um Vintage tão cedo.

Em 1931, crê-se que apenas Noval, Cálem, Ramos Pinto e Niepoort tenham declarado uma safra Vintage para seus Vinhos do Porto, sendo que as outras grandes casas ignoraram o ano. Esse passo fez com que a Quinta do Noval ganhasse notoriedade no mercado e também teoricamente marcou o início de lenda, o Porto Quinta do Noval Nacional.

 

Até hoje muitos pensam que o “Nacional” refere-se ao vinhedo ser da variedade Touriga Nacional. No entanto, a palavra refere-se ao fato de as videiras “serem videiras portuguesas crescendo em solo português, sem porta-enxerto americano, e por isso diretamente ‘enraizadas no solo da nação’”. A parcela do Nacional é uma pequena área com videiras de pé franco (Touriga Francesa, Tinto Cão, Touriga Nacional, Sousão e Tinta Roriz), no coração da vinha da Quinta do Noval, intocada pela filoxera.

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O Vintage Nacional é um fenômeno que não segue necessariamente o mesmo ritmo do resto da Quinta do Noval. Há anos em que um Nacional é produzido sem que Noval declare o Vintage.

Outros anos a Quinta declara um grande Vintage mas não declara o Nacional. “Frequentemente, temos a possibilidade de produzir ambos: um Quinta do Noval Vintage e um Nacional Vintage. Mas quando tal acontece, os vinhos são sempre totalmente distintos”. Contudo, a história da Quinta do Noval não se resume ao seu vinho mais icônico.

Romano?

A Quinta do Noval, situada no vale do Douro, é uma propriedade histórica com influências da presença castreja (1º milênio a.C.) e romana (século I - IV). Originalmente um castro romanizado, a quinta foi posteriormente incorporada ao patrimônio eclesiástico no século XVIII. Escavações revelaram estruturas arquitetônicas, incluindo um compartimento romano possivelmente utilizado para armazenar cereais e líquidos, como vinho.

A presença de vestígios arqueológicos, como dolia, moendas manuais, pesos de tear, e objetos cerâmicos, indica uma função agrícola e doméstica. O local também apresenta elementos construtivos romanos, como tegulae e tijolos, além de artefatos como alfinetes, fíbulas e moedas romanas, evidenciando a longa ocupação romana da área até o século IV.

A lenda de um romano que fazia vinho na região ganha respaldo nesses achados arqueológicos.

Mas o primeiro documento ligado à Quinta do Noval é de 1715. Nesse ano, Francisco Álvares Taveira recebeu a propriedade como parte de seu patrimônio eclesiástico para poder ser admitido pela Sé de Braga como abade de Gouvães do Douro. O documento descreve diversas propriedades, incluindo casas, vinhas, terras agrícolas e olivais, totalizando 478 mil réis, que renderiam 26.200 réis anualmente. Diversas das propriedades mencionadas no documento podem corresponder a áreas atuais da Quinta do Noval.

Brasil e corsários

A propriedade foi possivelmente plantada com vinhas pelos avós do abade Francisco Álvares Taveira no século XVII. Mas a origem da quinta remonta à colonização do castro de Vilarinho de Cotas, evoluindo ao longo do tempo com o plantio de vinhas e outras culturas, tornando-se uma referência na produção vitivinícola. Mas a história da Quinta do Noval revela uma sucessão de proprietários e expansões ao longo dos anos. 

Em 1762, a Quinta do Noval foi vendida a Domingos Francisco Guimarães, um destacado membro da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Originário de Vila Nova das Infantas, Guimarães, teve um papel significativo na expansão da propriedade, assim como seu filho, Nicolau Guimarães. 

Domingos, o pai, teve uma vida comercial ativa no Porto, com vínculos no mercado brasileiro. Emigrando para o Brasil por volta de 1731, enfrentou adversidades quando o navio em que estava foi capturado por corsários argelinos. Após o pagamento de resgate por parte de sua família, ele retornou ao Porto, onde passou a trabalhar como escrivão e despachante na alfândega. 

A família Guimarães enfrentou desafios e sofreu acusações relacionadas à qualidade inferior de vinhos enviados para o Brasil. Essas circunstâncias podem ter influenciado a exclusão das terras do Noval das primeiras demarcações pombalinas de 1757, restringindo sua classificação para produzir vinhos de exportação apenas em 1761. 

A Quinta do Noval permaneceu sob a posse da família Guimarães por 100 anos, até 1862. Durante esse período, Nicolau Francisco Guimarães expandiu a propriedade, aumentando sua produção de vinho. Contudo, a partir de 1860, a produção diminuiu devido a problemas de manutenção e ataques de oidium, levando a uma fase de declínio.

Filoxera e socalcos largos

Em 1876, o Capitão José Peixoto Guimarães e sua esposa D. Teresa de Jesus Guimarães venderam a Quinta do Noval para José Maria Rebello Valente, um comerciante de vinhos do Porto. Rebello Valente revitalizou a propriedade, renovando as vinhas velhas, construindo instalações e explorando recursos hídricos escassos na região. A produção aumentou significativamente, atingindo 150 pipas por volta de 1868. Os vinhos do Noval, sob sua gestão, foram elogiados por sua qualidade em exposições internacionais. 

Após a morte de Rebello Valente, a Quinta do Noval passou para sua filha D. Maria José Valente Allen, casada com Alfredo Allen, Visconde de Vilar d'Allen. O visconde, contudo, teve que lidar com a filoxera e tentou “deter-lhe a marcha, mas todos os seus esforços, por mais inteligentes e poderosos, foram baldados”. Com isso, ocorreu um declínio avassalador na produção. 

Em 1894, António José da Silva Júnior, um conhecido exportador de vinhos, adquiriu a propriedade, implementando novas práticas vitícolas e modernizando as instalações. Após a morte de António José da Silva Júnior em 1923, a quinta foi herdada por sua filha Teresa Maria Silva e seu marido Luís Fernando Queriol de Vasconcelos Porto. A família Queriol de Vasconcelos Porto promoveu inovações, transformou os antigos socalcos estreitos em socalcos mais largos, que são característica do Noval, com as suas escadas caiadas de branco. Estes socalcos permitem uma utilização mais eficiente do solo e uma melhor exposição solar, tendo sido considerados revolucionários na época. 

Em 1930, Teresa Rita, filha de Teresa Maria, casou-se com Cristiano Van Zeller e assim a propriedade passou a ter relação com a família que já era proprietária da Quinta do Roriz. Durante a gestão de Fernando e Luís Van Zeller a partir de 1963, a Quinta do Noval passou por modernizações até que, em 1993, a família Van Zeller vendeu a empresa à Axa Millésimes,que detém propriedades vinícolas importantes, como os Châteaux Pichon-Longueville e Suduiraut, por exemplo. 

Christian Seely tornou-se Diretor Geral da Quinta do Noval após a aquisição pela Axa em 1993. Desde então, a propriedade tem passado por um programa ambicioso de melhorias técnicas, incluindo replantio e renovação das vinhas, construção de uma nova adega, melhorias nos armazéns e uma nova linha de engarrafamento. 

Além do magnífico Quinta do Noval Nacional, elaborado apenas em anos excepcionais e em quantidades muito limitadas (entre 200 e 250 caixas cada Vintage), e dos outros Vintage, Rubys e Tawnyes, os 192 hectares da Quinta do Noval vêm produzindo excelentes vinhos tranquilos, provando a capacidade do terroir duriense para so mais variados estilos.

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