Vinhedos com música de Mozart, barricas ao som de Beethoven... Será que a música pode influenciar o vinho?
Arnaldo Grizzo Publicado em 04/07/2023, às 14h00
Imagine-se caminhando em um vinhedo, taça de vinho na mão, em um lugar idílico. Nada ao redor. Apenas você e a natureza. Que sons você ouve? Seu caminhar na grama. Alguns pássaros ao longe. A brisa leve remexendo as folhas. Mas o silêncio predomina.
Inspirado por esse bucolismo, logo você se pega pensando em acordes rítmicos suaves. Uma melodia se forma em sua mente. Talvez você até comece a cantarolar. Que música seria?
Alguns produtores de vinho diriam: Mozart. Entre eles Giancarlo Cignozzi, dono da Il Paradiso di Frassina, de Montalcino; empresa que ele criou no ano 2000 e onde colocou à prova suas ideias de musicoterapia – para plantas.
Ele diz que colocar suas vinhas para ouvir Mozart (só toca obras do compositor austríaco, por acreditar que são as mais indicadas) não é uma estratégia de marketing, mas resultado de uma pesquisa séria.
Sua ideia atraiu a curiosidade de cientistas de universidades italianas, como Stefano Mancuso, da Universidade de Florença, que tem pesquisas ligadas à “inteligência das plantas”.
Segundo Mancuso, as plantas podem perceber sons e frequências específicas. Isso não quer dizer, contudo, que elas prefiram Mozart ou Beethoven, por exemplo. O primeiro resultado observado no vinhedo, segundo Cignozzi, foi notar que as videiras mais próximas das caixas de som cresceram mais e na direção da fonte sonora. No entanto, com o tempo, notaram-se outras diferenças importantes no vinhedo, principalmente uma grande diminuição no número de pragas. Eles acreditam que isso se deve à confusão causada pela música, que confundiria os insetos e também assustaria os pássaros e outras criaturas que se alimentam de uvas.
Mas houve melhora no vinho? A música afetou realmente as uvas e produziu-se um vinho de maior qualidade? Difícil dizer apesar de Cignozzi afirmar que sim.
Que tal então se utilizarmos música não só no vinhedo, mas durante o processo de produção? Será que o efeito seria notado?
O austríaco Markus Bachmann inventou um alto-falante especial que expõe o mosto em processo de fermentação a melodias. Segundo ele, as ondas sonoras influenciam e produzem um vinho melhor.
“Usamos um tipo especial de fermentação de vinho, incorporando música. Quando eles estão na fase de mosto, nós sonorizamos por meio de transdutores especiais de vibração (alto-falantes subaquáticos). Durante o processo de fermentação, alteramos a biologia do vinho usando um amplo espectro de frequências musicais dentro da faixa audível. Os sons da música são inalterados e não distorcidos, de modo que as vibrações musicais cuidadosamente selecionadas têm o maior impacto possível no vinho.
Como resultado, o processo de fermentação e o sabor são influenciados simultaneamente de maneira unificada. O sistema de som elimina a necessidade de armazenamento em barris de carvalho porque a música estimula microrganismos positivos e revive a levedura, melhorando o processo”, garante o produtor dos Sonor Wines.
Apesar de a base científica para essas alegações não estarem à disposição, Bachmann afirma que as leveduras são estimuladas e “consomem mais açúcar”, gerando vinhos com menor teor de açúcar residual. A única “sustentação” científica é a de que já foi provado que ondas sonoras têm impacto sobre moléculas, podendo acelerar processos químicos. Mas elas melhorariam mesmo o vinho? Quem sabe se utilizarmos música numa fase posterior, durante o envelhecimento em barrica ou garrafa?
Uma das vinícolas que “testa” e acredita nos efeitos da música no vinho é a Viña Montes, do Chile. Desde 2004, a empresa de Aurelio Montes usa música na sala de barricas. “Há estudos que comprovam que vibrações suaves provocam nos líquidos um envelhecimento de melhor qualidade do que o silêncio ou do que músicas estridentes,” chegou a afirmar o experiente enólogo.
Uma pesquisa com seus vinhos teria revelado que o sabor teria sido alterado em 40% por uma música impactante e 25% por um ritmo mais melodioso – porém, isso foi notado na fase de degustação.
Outra empresa chilena que embarcou na ideia da influência da música foi Viñas Inéditas com o projeto Terroir Sonoro, do enólogo, e músico amador, Juan José Ledesma, em 2011. A vibração dos barris, quando submetido à música, fez com que ele refletisse sobre o efeito que uma vibração teria sobre o vinho e decidiu testar durante o período de envelhecimento.
Em 2013, foi realizada a vinificação experimental de 12.000 quilos de uvas. O vinho foi guardado em barricas de carvalho francês, metade com um sistema sonoro e metade em silêncio. Paralelamente, uma música original foi composta de acordo com o perfil organoléptico e “personalidade” de cada vinho. Esta música foi gravada em um estúdio e masterizada para ser reproduzida em cada barril usando transdutores eletromagnéticos.
Houve diferenças notáveis nos vinhos? Em provas cegas, os vinhos submetidos à música destacaram-se por seus perfis aromáticos mais complexos.
A vinícola sul-africana DeMorgenzon é outra adepta da “musicoterapia”. No caso deles, há som (música barroca e clássica) em todos os ambientes, desde o vinhedo até os mínimos cantos da adega, sala de barricas etc. Segundo os donos, em 1973, um livro – de título “The Sound of Music and Plants”, de Dorothy L. Retallack – detalhou experimentos conduzidos no Colorado Woman’s College, em Denver, que apontam que tocar música suave para as plantas fazia com que elas crescem mais rápido, com mais vigor e mais saúde.
Acredita-se que as primeiras pesquisas comerciais sobre o assunto foram realizadas em 1972, analisando efeitos das ondas sonoras na floração da cevada. Posteriormente, durante a década de 1990, pesquisadores trataram várias culturas e vegetais com ondas sonoras de alta frequência e também com música clássica.
Houve relatos de crescimento de muitos frutos recordistas em tamanho – fato que teria sido atribuído à música – com tomates de 2 kg e beterrabas de 13 kg, por exemplo. E estudos realizados na Universidade de Bilkent, na Turquia, descobriram que a música clássica pode ter efeitos positivos no crescimento das raízes.
Nos anos 1980, Sternheimer trabalhou na regulação da biossíntese de proteínas por certas sequências musicais e esse trabalho o levou a patentear seu famoso “processo de regulação epigenética da síntese de proteínas por escalas de ressonância”, em que introduz uma teoria revolucionária que explicaria, entre outras coisas, a influência da música nos organismos vivos. Ele afirma que, através de mecanismos biológicos complexos, a música pode influenciar um organismo vivo e afetar seu metabolismo.
Uma empresa que segue sua abordagem é a Genodics, que cuida dos vinhedos e das caves do Champagne Apollonis, por exemplo. Desde 2010, todas as garrafas que envelhecem nas caves geridas por Michel Loriot (cujo avô era músico) são embaladas pelo som de grandes compositores e, desde 2012, toca-se música nos vinhedos para estimular a resistência natural das videiras. Durante dois meses, a fermentação é feita ao som da Sinfonia Pastoral de Beethoven. Então, segue-se com Mozart, Brahms, Vivaldi ou Elgar.
O time da Genodics afirma ter descoberto uma sequência extremamente precisa de notas musicais que estimulam o crescimento de plantas, ajudando as videiras a desenvolver uma defesa natural contra a Esca, uma doença relativamente comum. Contudo, essas sequências não curam as plantas já afetadas.
Segundo Loriot, a doença e os porta-enxertos mortos nos vinhedos com a música diminuíram significativamente após a instalação dos alto-falantes.
Mas, enfim, com toda essa música, seja no vinhedo, seja no tanque de fermentação, seja no amadurecimento da barrica, produziu-se um vinho melhor? Não há ciência que comprove. Mas, se você acreditar, quem sabe o vinho não esteja mais “harmônico”.