A uva Syrah produz vinhos de estilos diversificados que prometem conquistar o mundo. Conheça seus segredos e os melhores rótulos disponíveis no mercado
Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 29/11/2007, às 12h51 - Atualizado em 26/02/2019, às 13h13
Certa vez, enquanto caminhava em direção ao monastério francês de Lérins, junto ao mar, São Patrício teria plantado a uva Syrah no Monte Hermitage, em Rhône. Algumas pessoas situam o “nascimento” dessa variedade na Pérsia, em uma cidade batizada de Shyraz. Em outra versão sobre sua origem – a mais interessante –, ela nasceu na terra dos Faraós, atravessou a Itália, passando por Siracusa (na Sicília) e desembarcou no Vale do Rhône. Não importa quais caminhos a Syrah percorreu antes de chegar nas taças, mas sim que ela tem conquistado, cada vez mais, os paladares de todo o mundo. O que há de tão especial nessa uva? É uma cepa de boa produtividade e de colheita não muito tardia. Profunda e densa. Tem sua qualidade reduzida quando os volumes de uva por hectare são muito altos. E não deve ficar na parreira por mais tempo do que o adequado, pois tem a tendência de perder aromas e acidez.
Ao iniciar a preparação dessa matéria, assumindo a missão de antecipar mais uma vez as tendências do mercado consumidor internacional de vinho, tive uma grata surpresa: as importadoras brasileiras estão preparadíssimas para oferecer uma gama enorme de vinhos feitos a partir dessa uva encantadora. Quase todas elas têm em seus estoques muitas e muitas garrafas, com destaque para uma impressionante enxurrada de grandes produtores da Austrália, país que, fora da França, tem o que há de melhor em Syrah (que lá é chamada de Shiraz).
Syrah: potência e profundidade da Cabernet Sauvignon com a explosão de aromas da Pinot Noir |
Geralmente ao se abordar vinhos tintos, existem duas uvas que representam extremos opostos, dividindo muitos corações ao redor do mundo. De um lado a Cabernet Sauvignon, conhecida como a rainha das uvas e representada em quase todas as regiões do mundo. Uma cepa versátil que conseguiu produzir grandes tintos em todos os continentes. Potente, muscular e austera. Do outro lado, a Pinot Noir, a mais “complicada” das variedades no quesito adaptação. Só em alguns poucos terrenos fora da Borgonha, na França, consegue-se produzir vinhos de alto gabarito com essa intrigante uva. Delicada, elegante, expressiva e com muita finesse.
O leitor deve estar se perguntando onde se situa a Syrah/Shiraz entre esses extremos. Pois bem, ela possui a potência e a profundidade do Cabernet Sauvignon (sem aqueles quase indomáveis taninos) e os aromas explosivos e as sutis complexidades da Pinot Noir. Normalmente, os vinhos a base dessa uva são vendidos por preços menores do que os equivalentes de suas rivais. E vale ressaltar que, por sua sensibilidade ao terroir (palavra que inclui solo e condições climáticas), produz diferentes estilos de vinho, dependendo de sua origem geográfica.
Já na década de 80, os americanos previam que a Syrah seria uma grande uva para o novo milênio. Em 1990, na Califórnia, existiam 340 acres plantados desta cepa. No final de 2002, a área de Syrah tinha atingido um pouco mais de 16.000 acres, um crescimento aproximado de 4.600%. Além da França e da Austrália, que se destacam tanto na oferta quanto na qualidade de seus Syrah/Shiraz, outros países tem alcançado resultados muito interessantes, como Argentina, Chile, Espanha, Portugal, África do Sul e Estados Unidos.
Hoje a Syrah é um ícone da viticultura francesa, após uma injusta desvalorização iniciada em meados do século 20. Para quem não sabe, o único vinho no mundo que fazia sombra aos grandes Bordeaux nos séculos XIX, e até início do século XX, era o Hermitage, feito com essa uva e produzido na cidade de Tain-l’Hermitage, à beira do Rio Rhône. Essa cepa reina absoluta no Vale do Rhône, mais especificamente ao norte desse vale, com início ao sul da cidade de Vienne (à beira do Rio Rhône), e chegando até um pouco ao sul da cidade de Valence, também às margens desse imponente rio.
Os ícones dessa região são os vinhos Côte Rôtie, produzidos no vilarejo de mesmo nome, além dos Hermatige. O interessante dos Cote Rôtie é que eles sempre apresentam uma porcentagem pequena da uva Viognier, a branca de mais charme dessa região. Normalmente os Cote Rôtie são de cor mais intensa e mais aromáticos, enquanto os Hermitage são mais firmes, minerais e tânicos.
Ainda no norte do Rhône, além desses dois vinhos extraordinários, há outros três que têm conquistado adeptos com Syrahs espetaculares e a preços bem mais acessíveis do que seus irmãos afamados. São os impressionantes e profundos Cornas, os deliciosos Saint Joseph e os mais ligeiros e encantadores Crozes-Hermitage.
Vale do Rhône, França |
Uma curiosidade recente é que a caixa de vinho mais cara da história, adquirida em um leilão, era de 12 garrafas do “Hermitage La Chapelle” de Paul Jaboulet, safra 1961. Esse vinho é sempre citado pelos experts como um dos mais prestigiados de todos os tempos. Ele foi escolhido há sete anos como um dos 12 mais importantes vinhos de todos os tempos pela revista norte-americana Wine Spectator (The twelve wines of the XX century).
Já os Cote Rôtie, conhecidos por LaLaLas (uma alusão aos Crus La Mouline, La Landonne e La Turque), do genial produtor Marcel Guigal, tiveram seus preços multiplicados por três nos últimos cinco anos. Atualmente uma garrafa desse vinho, da safra corrente, chega a custar quase US$ 800 nos Estados Unidos.
Esses vinhos provam que a Syrah é uma uva monumental e de muita personalidade. Qualquer um desses LaLaLa’s fica 36 meses em barricas de carvalho francês de primeiro uso. Nem os Premier Gran Cru de Bordeaux ficam tanto tempo em barricas.
Ainda na França, a Syrah também exerce um papel importante no Sul, mais especificamente no Languedoc- Roussilon. Na maioria das vezes, em cortes com as locais Grenache, Mourvedre e Carignan.
A Shiraz é a bandeira da Austrália, país que atualmente lidera a exportação de vinhos em alguns importantes mercados. A Austrália é líder em volume e renda, por exemplo, no mercado inglês, o mais competitivo do mundo.
Apesar de ser um país do Novo Mundo, a Austrália possui plantação de Shyraz desde o século XIX, na década de 30, no Hunter Valley, em New South Wales. Trinta anos depois, a uva estava presente em Barossa, no coração da South Austrália. Hoje podemos encontrar excelentes Shiraz que continuam brilhando nessas regiões tradicionais. Além delas, uma outra região está ganhando espaço, o Western Austrália, no longínquo lado oeste, cujas especialidades são excelentes Cabernet Sauvignons.
Vinhedo em Hunter Valley: primórdios da Shiraz na Austrália |
Os destaques na South Austrália, que tem como referência a cidade de Adelaide, são as regiões de Clare, Éden e Barossa Valley, essa última talvez seja a mais imponente região a produzir os mais intensos e longevos Shiraz do país. Completam as expressivas regiões de South Austrália: Southern Vales (que tem como destaque o McLaren Vale), Riverland, Coonawara e a espetacular revelação dos últimos anos, Langhorne Creek..
Em New South Wales, situa-se, ao norte da cidade de Sydnei, o Upper Hunter e o Hunter Valleys. Ao sul da região de New South Wales, há, em torno da grande Melboune, a magnífica região de Victoria, composta das sub-regiões de Yarra Valley (sensacionais Shiraz), complementadas por Rutherglen, Macedon Rock, Glenrowaw-Milawa, Goulburn e Pyrennes, entre outras.
No lado oeste, Western, destaques para o maravilhoso Swan Lake e o sensacional Margaret River, ambos localizados nas cercanias de Perth.
Velho Mundo
Espanha, Portugal e Itália têm desenvolvido muito o plantio da Syrah nos últimos anos. Na Espanha, a uva mostra força em várias regiões. As que têm mais se destacado são o Domínio de Valdepusa, nos arredores de Madri, e Sardon del Duero, ao lado da Ribera del Duero. Além delas, destaca-se cada vez o Penèdes.
Em Portugal, as regiões mais expressivas são a Estremadura, o Alentejo e o Ribatejo, esta última mais desprezada, mas que talvez possua os melhores Syrahs do país. Na Itália, a Syrah tem destaque na costa da Toscana, na grande sub região de Maremma, e no Chianti, no coração da Toscana. Na Sicília, essa variedade consolida-se a cada ano com vinhos robustos e de muita presença.
Outros países do Novo Mundo que merecem destaque na produção de Syrah, além da Austrália, são África do Sul, Chile, Argentina e Estados Unidos. No Brasil existem plantações de Syrah, com destaque para as do Nordeste, mas são incipientes.
A África do Sul, que já mereceu capa na revista ADEGA, tem mostrado muita aptidão no desenvolvimento da Syrah. Pode-se encontrar reluzentes e intensos Syrah em quase todas as regiões desse maravilhoso país, mas os destaques vão para Constantia (novidade), Stellenbosch, Swartland e Paarl.
Nos Estados Unidos, a paixão pelo Syrah cresce a cada ano. John Shafer produziu, em Stag´s Leap, um Syrah com o nome “Relentless”, em homenagem à incansável enóloga de sua vinícola. Um vinho muito especial. Os mais destacados Syrahs dos Estados Unidos provém de Napa e Sonoma. Infelizmente há poucos exemplares desse país disponíveis aqui no Brasil.
Cave projetada abaixo de vinhedo em Sonoma. Nos Estados Unidos, a paixão pela Syrah cresce a cada ano |
Na Argentina, a Syrah vem se desenvolvendo de maneira impressionante na grande Mendoza e no Vale de Uco. Antes a variedade era apenas encontrada em cortes, mas atualmente vários produtores engarrafam Syrahs puros ou com predominância. Certamente haverá grandes expoentes nos próximos anos.
O Chile largou na frente dos argentinos na elaboração de Syrah. O país produz, além de muitos varietais a excelentes preços, Syrahs de altíssima gama. Colchagua e Aconcágua são os maiores destaques, mas tanto Casablanca, antes especialista somente em brancos, quanto o Vale de Santo Antonio (Leyda), ganham expressão na produção de vinhos diferenciados a base dessa uva. Por último, o Vale de Limarí, ao norte de Santiago, há cerca de 400 quilômetros, também insere no mercado vinhos intensos a base dessa cepa.
Degustamos mais de 80 Syrah/Shiraz. Os destaques encontram-se na seção Cave dessa edição. Essa foi a maior degustação temática empreendida por ADEGA, na qual muitos vinhos de excelente qualidade foram descobertos para você, nosso leitor. Desfrute de diversos vinhos com quatro estrelas para cima. E o melhor: a um excelente preço. Viva a Syrah/Shiraz.