Paolo Scavino mostra como o Barolo pode ser o rei dos vinhos de olho na modernidade

Arnaldo Grizzo, Christian Burgos e Eduardo Milan Publicado em 31/07/2020, às 15h00

 

Enrico Scavino, filho de Paolo, foi um dos primeiros a vinificar um cru separadamente, seu Bric del Fiasc

Barolo, rei dos vinhos, vinho dos reis. Esta alcunha deixa transparecer um pouco da filosofia por trás de um dos vinhos mais famosos e longevos da Itália. A tradição da Nebbiolo, uva por trás desse gigante piemontês, sugere séculos e séculos de labor e respeito às práticas ancestrais dos viticultores da região noroeste italiana. No entanto, a história de Barolo é marcada pela inovação. Mesmo seu vinho considerado um monumento, tamanha força e estrutura, ele sempre foi e continua sendo lapidado, pouco a pouco, por produtores visionários.

Acredita-se que a primeira a perceber que os vinhos locais precisavam mudar foi a última marquesa de Barolo, Juliette Colbert di Maulévrier, ou Giulia Falletti di Barolo. Filha de aristocratas franceses da época da Revolução, ela se casou com o marquês Carlo Tancredi Falletti di Barolo no início do século XIX. Ela desenvolveu grande interesse pela filantropia, mas também por agricultura e contratou um enólogo francês, Louis Oudart, para ajudar os viticultores locais a melhorarem suas técnicas. Antes, Barolo era doce – como boa parte dos vinhos célebres da época –, então ele transformou-o em uma bebida seca, no estilo de Bordeaux. E foi esse novo vinho que passou a ser servido nas mesas dos nobres e ganhou a reputação de “rei dos vinhos”.

 

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A fama fez com que muitos produtores, durante um século ou mais, mantivessem as tradições, mas também fez com que muitos colhessem os louros e se esquecessem da qualidade. Depois da II Guerra Mundial, Barolo presenciou uma série de modernidades que se seguem até hoje, com muitos avanços e mudanças. Algumas na viticultura, outras na enologia. Aos poucos, os produtores passaram a compreender melhor o valor do terroir e aderiram às novas técnicas enológicas. Um deles foi Paolo Scavino.

 

Lorenzo e seu filho, Paolo, levaram a família para Castiglione Falletto e fundaram a empresa em 1921

Precocidade

Em 1921, Paolo, então com 18 anos, e seu pai, Lorenzo, fundaram a empresa familiar que leva seu nome. Na época, os Scavino decidiram mudar da região de Gallo Grinzane para Castiglione Falletto, mais para o interior de Barolo. Eles adquiriram 3,5 hectares de vinhedo. “Era mais como uma fazenda, com vinhedos, animais e outras culturas. Na época, vinificávamos metade e vendíamos a outra metade para vinícolas maiores”, lembra Elisa Scavino, bisneta de Lorenzo, que hoje, junto com o pai, Enrico, e a irmã, Enrica, ajuda a gerir o negócio.

 

Verduno tem um solo bastante particular, de pedra calcária, com um pouco de ferro, areia e também há giz em uma concentração significativa

Em 1951, Enrico, com apenas 10 anos, já fazia parte dos negócios. Ele seria o grande transformador da Paolo Scavino e também se tornaria um dos vanguardistas em Barolo. “Quando ele começou, já havia vinícolas estabelecidas, mas foi a geração mais nova que trouxe uma energia para a comuna”. Seu pai foi um dos primeiros a trabalhar na terra verdadeiramente, investindo pouco a pouco no vinhedo, começando a comprar crus importantes de Barolo. “É uma história curta, mas muitas coisas ocorreram”, aponta orgulhosa Elisa.

 

Scavino fez um longo trabalho de seleção massal para poder replantar seus vinhedos

Ela diz que, naquela época, o conceito de trabalho em Barolo era quantidade e não qualidade. “A qualidade não era paga”. Diante de uma enxurrada de vinhos de qualidade duvidável na região, Enrico percebeu que precisava ir em outra direção. Em 1978, ele foi um dos primeiros a vinificar um cru separadamente, seu Bric del Fiasc. “Foi um avanço. Ainda hoje, mas naquela época especialmente, Barolo era um blend de vinhedos de diferentes comunas. Vinificar separadamente era prestar uma homenagem e reconhecer uma qualidade especial do terroir”, afirma Elisa.

Enrico também foi um dos primeiros a experimentar com barricas de carvalho novas. Ele percebia que os grandes botti já não eram capazes de dar ao vinho a complexidade necessária e, mais do que isso, com a idade, poderiam gerar vinhos muito reduzidos. “Meu pai sabia que, em certo momento, precisava mudar essas barricas antigas. Naquela altura dos anos 1980, as novas barricas chegaram ao Piemonte, então ele tentou. Ele sempre foi muito mente aberta. Quando usou essas barricas, a primeira experiência foi horrível. Ele não gostava do carvalho antigo, mas não estava preparado para o novo. Porém, no começo, era experimental. Aos poucos ele entendeu a função das barricas – que não se trata de extração de aromas e taninos. Entendeu que isso poderia ser arrumado depois. A coisa boa, na verdade, era a oxigenação que ocorria nas pequenas barricas. A oxigenação otimizou a estabilização dos vinhos – eles ficavam límpidos mais rapidamente e você fixa o que extraiu na fermentação. Então, ele não desistiu e continuou a experimentar. Nunca fizemos 100% carvalho, nunca fomos extremos. Meu pai sempre foi um pioneiro, mas sempre foi muito cuidadoso, sempre seguiu o seu gosto”, conta Elisa.

 

Os diferentes Barolos

Do início modesto, com 3,5 hectares, Paolo Scavino passou a 23 atualmente, sendo 19 crus que produzem sete Barolos, cinco deles de vinhedo único e dois blends de diferentes comunas. Todos os vinhos são vinificados separadamente, pois a ideia é valorizar o terroir. “A ideia por trás da vinificação é mostrar o terroir, a pureza, elegância da uva e do lugar em que estamos. Por essa razão, na vinificação tentamos interpretar a safra, e o tratamento é o mesmo para os vinhedos. Isso é importante, pois, dessa forma, você consegue ler e ver a personalidade de cada lugar, já que cada vinhedo tem uma oportunidade igual”, revela Elisa. E assim seus cinco single vineyard (Bricco Ambrogio, Monvigliero, Cannubi, Bric del Fiasc e Rocche dell’Annunziata) se tornam expressões singulares da região onde se encontram.

 

As filhas Elisa e Enrica  ajudam o pai a gerenciar o negócio da família

“Bricco Ambrogio, da região de Roddi (norte de Barolo), é o único cru da comuna e é a única comuna em Barolo que tem apenas um cru. É um dos menores de Barolo”, começa Elisa, falando de um de seus crus mais importantes em termos de tamanho (4 hectares comprados em 2001). Ela diz que, em 2001, a família vendeu as uvas que tinham sido trabalhadas pelo dono anterior, mas que, mesmo diante do conturbado clima de 2002, cujas tempestades de granizo aniquilaram a produção de diversas comunas em Barolo, produziram um vinho. “Foi o único cru que fizemos em 2002, pois não foi afetado. Tivemos muito trabalho, mas, no fim, a qualidade foi incrível. Minha irmã e eu convencemos meu pai a fazê-lo, mesmo ele sabendo que seria difícil. Naquela safra, todo mundo teve prejuízo, 2002 não se pagou”, admite. Segundo ela, este é um cru que tem mais solo calcário, gerando um dos Barolos mais ricos e de estrutura mais suaves, persistente, muito aromático, não apenas no nariz, mas com longo final. “Feminino, de expressão elegante, mesmo na juventude, normalmente um dos mais agradáveis e prontos”.

Sobre Monvigliero, em Verduno, a região mais setentrional de Barolo, a herdeira dos Scavino diz que é um lugar cobiçado pela família desde o início. “Tivemos a oportunidade de alugar esse vinhedo de 0,85 hectares em 2000. Ele tem 40, 45 anos, então é bem maduro, e imediatamente misturamos no nosso Barolo. Em 2007, o dono o vendeu e logo fiemos um single vineyard”. De acordo com Elisa, Verduno tem um solo típico, bastante particular, de pedra calcária, com um pouco de ferro e areia. Também há giz em uma concentração significativa. “Isso faz com que o vinho seja muito fino, elegante, mineral, fresco, especiado, floral e profundo, mas muito delicado, um pouco mais clássico. Você sente mais do que Bricco Ambrogio, que geralmente é mais redondo em sua expressão”, aponta.

 

Enrico Scavino foi um dos primeiros produtores na região de Barolo a experimentar barricas de carvalho novas

Em Cannubi, a família aluga meio hectare. O solo da região é pura pedra calcária, o vinhedo tem quase 60 anos e é todo plantado com Michet, um subvarietal de Nebbiolo –muito espesso e com uvas menores. “É extremamente elegante, complexo, muito harmônico, muito borgonhês no estilo. É um dos mais charmosos, mais pronunciados, dos crus mais intrigantes. É aromático e aveludado. 90% de Cannubi é nariz, camadas e complexidade do nariz”, anima-se Elisa.

Em Castiglione Falletto, bem perto de La Morra e Barolo, no centro da região, está o primeiro cru feito pela família. O nome, na realidade, é Fiasco, mas eles o chamam de Bric del Fiasc, que no dialeto piemontês significa monte de Fiasco. Segundo Elisa, a posição central desse cru é interessante, pois reúne duas famílias importantes de solo em Barolo, as pedras calcárias e o arenito. “O solo normalmente tem mais camadas e é muito profundo. Isso reflete a personalidade da comuna, que tem austeridade, mas também muita elegância. E, como é realmente no meio, tem um mix de características. Ele leva mais tempo para expressar seu potencial, mas é um vinhedo que representa o tradicional, o clássico da estrutura de Barolo”, diz.

O último cru é o Rocche dell’Annunziata, em La Morra. A propriedade foi adquirida pelos Scavino em 1990 e logo se tornou fonte do seu único vinho Riserva. “Era uma oportunidade incrível, com uma vinha super velha, acima de 50 anos, que tinha sido deixada de lado por alguns anos, sem ser trabalhada, pois o dono tinha morrido e a esposa estava tentando vender. Meu pai comprou e podou, e a primeira safra foi fantástica”, lembra Elisa. Ela afirma que a primeira parte do solo é de areia, mas é dura, mais dura que o calcário e, apesar da “fidelidade” da família à Castiglione Falletto, esse cru expressa o melhor da Nebbiolo: a complexidade, a textura, o perfume, a elegância. “Não é um cru de austeridade ou potência, mas tem profundidade”, finaliza.

 

A empresa investe no mapeamento de perfil do solo de seus vinhedos e do uso da madeira para ter um bom aproveitamento dos diferentes estágios da vinificação

Sempre em frente

Ao reconhecer a importância fundamental do terroir de Barolo, a família Scavino segue pensando em como desenvolver ainda mais a personalidade de seus vinhos. Tanto que ao replantar suas vinhas, tem feito um trabalho de seleção massal, resultado de anos e anos de experimentos de Enrico. “Temos alguns clones no vinhedo para estudar as diferenças. Meu pai fez essas microvinificações por anos sabendo que, em certo ponto, alguns crus precisariam ser replantados. Ele pegou clones, mas também fez seleção massal das vinhas que ele considerava as melhores. Ele degustou e analisou os vinhos e viu que as nossas seleções eram muito melhores que os clones. Então antes de replantar, colocou uma marca nas melhores parreiras e fizemos a nossa própria vinha”, diz Elisa.

“Um grande vinho é grande desde o começo até o fim. Ele não se torna bom depois de 10 anos”, Elisa Scavino

Ainda dentro desse conceito, a empresa está investindo no mapeamento dos perfis de solo de seus vinhedos. “Contratamos geólogos da Universidade de Turim para analisar o solo. Eles medem a consistência, fazem avaliações em campo, é coisa de nerd”, brinca Elisa.

O uso da madeira também vem sendo cada vez mais estudado e a vinícola faz uso de diferentes formatos em diferentes estágios da vinificação: “A função dos pequenos cascos é oxigenação versus redução. Dois anos em barricas pequenas, mesmo não sendo novas, é muito, pois há muito contato com a superfície e a evolução é muito intensa. Aí você perde um pouco da elegância e do frescor, o mistério do Barolo. Com os cascos maiores, o processo fica mais lento e gostamos mais. Então, no nosso processo de vinificação, usamos aço (fermentação), barrica (malolática e parte do envelhecimento), casco (maior parte do envelhecimento), aço (para estabilização e refinamento) e garrafa. A fermentação é natural, por 20, 25 dias”, afirma a herdeira dos Scavino.

Vivendo dentro dessa tradição de experimentos, seria de se esperar que, assim como o pai – hoje com mais de 70 anos –, suas filhas tivessem esse ímpeto da mudança, porém Elisa não se vê tomando rumos diferentes dos já trilhados. “Não temos que fazer muita coisa. Não quero mudar. Gosto do estilo do vinho do meu pai”, ri, admitindo que nem sempre foi assim e dando a entender que os genes que levaram seu pai transformar tantas coisas em Barolo estão, sim, dentro dela: “Algumas vezes éramos muito críticos um com o outro, éramos como cão e gato, eu ficava muito frustrada e ele ficava muito chateado, mas somos muito próximos e nos respeitamos muito”.

 

Barolo bom é Barolo velho?

Segundo Elisa Scavino, engana-se quem pensa que todo Barolo deve ser degustado já maduro, depois de anos em adega. “Quando meu pai era jovem, muitos Barolos eram sujos no nariz, oxidados, com taninos muito duros. No começo, os vinhos eram muito nervosos e duros, então eles diziam que se deveria esperar 10 anos. Hoje, ainda é verdade, 10 anos depois o vinho é melhor. Mas estamos acostumados a beber Barolos jovens e, pessoalmente, bebo Barolo jovem ou então muito mais velhos. Para mim, os estágios intermediários são mais difíceis. Acho que, em geral, houve um aumento de qualidade, um melhor trabalho no vinhedo, melhor uso da madeira, que geraram vinhos de qualidade que podem ser apreciados quando jovens. Você até pode escolher bebê-los mais tarde, envelhecê-los, mas a escolha é sua. Acho que agora há mais escolha”, afirma.
“O DNA do vinho está lá desde quando ele é jovem. Então, um grande um vinho é grande desde o começo até o fim. Ele não se torna bom depois de 10 anos. Ele está se refinando, evoluindo, mas, se você tiver uma desarmonia, é para sempre, não vai ficar melhor”, resume.

 

Vinhos avaliados

 

AD 91 pontos - BAROLO 2008

Paolo Scavino, Piemonte, Itália (World Wine R$ 353). Uma safra que produziu vinhos mais clássicos como a de 2001. Este estagia 10 meses em barricas e 14 meses em botti (tonéis). Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados e aromas de frutas vermelhas lembrando cerejas e groselhas, com notas herbáceas, florais e de tabaco, além de toques minerais, tostados, defumados e de especiarias. Em boca, é frutado, redondo, cheio, tem ótima acidez, taninos marcantes, mas muito bem resolvidos e de boa textura, num final elegante e longo, com cerejas ao licor. Álcool 14,5%. EM

 

AD 95 pontos - BAROLO BRIC DEL FIASC 2005

Paolo Scavino, Piemonte, Itália (World Wine R$ 690). Bric del Fiasc foi um dos primeiros vinhedos de Barolo a ser vinificado em separado, o que acontece desde 1978. Apresenta cor vermelho-rubi vivo e aromas de frutas vermelhas mais maduras, com notas minerais, florais, defumadas e de tabaco, além de toques terrosos e de ervas secas. Em boca, é o mais austero, tem impressionante estrutura, está jovem e o mais fechado dos três Barolo provados. Profundo, longo, intenso, classudo. Potente e elegante ao mesmo tempo, com longa estrada para percorrer. Álcool 14,5%. EM

 

AD 93 pontos - BAROLO MONVIGLIERO 2007

Paolo Scavino, Piemonte, Itália (World Wine R$ 508). Primeira safra deste vinho. Solo com alta concentração de giz (que se sente na boca). Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados e aromas de frutas vermelhas e negras, como ameixas e cerejas frescas, além de toques minerais, florais, herbáceos, especiados e de alcaçuz. Em boca, surpreende pela qualidade da fruta, ácida e saborosa, é estruturado, suculento, sedutor, persistente, tem taninos marcantes e de boa textura. Exuberante e com ótimo volume de boca, seu final é longo e profundo. Álcool 14,5%. EM

 

AD 90 pontos - LANGHE BIANCO 2011

Paolo Scavino, Piemonte, Itália (World Wine R$ 106). Sem passagem por madeira, mas com três meses de sur lie, este branco é composto de 70% Sauvignon Blanc e 30% Chardonnay. Apresenta cor amarelo-citrino de reflexos esverdeados e aromas de frutas brancas e de caroço maduras, com notas florais, herbáceas e minerais. Em boca, é fresco, frutado, estruturado, tem acidez vibrante, bom volume de boca, final persistente e mineral, com um agradável toque salino. Chama a atenção pelo equilíbrio e vibração do conjunto. Álcool 13%. EM

 

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