Logo no nascimento do cinema, os produtores de Champagne perceberam a importância dessa nova arte
Arnaldo Grizzo Publicado em 26/12/2023, às 12h00
Diz-se que o cinema nasceu oficialmente em 28 de dezembro de 1895. Naquele dia, por volta das 21h, no número 14 do Boulevard des Capucines, em Paris, no Salon Indien, no subsolo do Grand Café, um luxuoso estabelecimento da época, cerca de 50 pessoas (entre pagantes e convidados) assistiram à primeira sessão comercial de cinema da história.
Entre os presentes estavam Marius Lallemand, do teatro Folies Bergère, Gabriel Thomas do museu Grévin e o mágico Georges Méliès, que comprou e depois dirigiu o teatro Robert-Houdin.
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Curiosamente, a primeira apresentação comercial do “cinematógrafo”, ocorreu na ausência de seus inventores Auguste e Louis Lumière, que confiaram a organização dessa performance parisiense ao pai, Antoine Lumière. E mais curioso ainda é que Antoine não era favorável ao nome cinematógrafo, que foi dado ao aparelho inventado pelos filhos.
Era uma palavra difícil de ser pronunciada, tanto que nenhum nome aparece na patente depositada em 13 de fevereiro de 1895. Uma lenda diz que Antoine até se deixou convencer por um de seus amigos, um tal Lechère, representante da casa Moët & Chandon, a adotar o nome de “Domitor”, termo derivado de “dominador”, que era exatamente o que Lechère previu que esta nova invenção faria com as pessoas.
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Essa teria sido uma primeira (mesmo que fracassada) intervenção do Champagne no que se tornaria a sétima arte. Em pouco tempo, os produtores – sempre muito atentos ao marketing de seus produtos ao redor do planeta – descobriram e apostaram no cinema, patrocinando diversos filmes publicitários.
Um ano antes dessa primeira exibição comercial, em 26 de dezembro de 1894, um artigo do jornal Lyon Républicain relata que “os irmãos Lumière estão atualmente trabalhando na construção de um novo cinetógrafo, não menos notável que o de [Thomas] Edison e do qual os Lyonnais em breve, acreditamos, terão o primeiro gosto”.
Mas a primeira sessão ocorreria em Paris, em 22 de março do ano seguinte, e não em Lyon. Nela, Louis Lumière projetou a “Saída de fábrica” nos prédios da companhia de incentivo à indústria nacional. Antes da estreia comercial, os Lumière fizeram outras 11 exibições na França e também na Bélgica, na maior parte das vezes para cientistas e curiosos.
Naquela primeira sessão comercial de 1895, 10 pequenos filmes foram apresentados. No salão, primeiramente apareceu uma tela com a fotografia estática da Place Bellecour em Lyon.
Diante disso, Georges Méliès, que se tornaria um dos maiores nomes do cinema, ficou desapontado. “É para nos mostrar projeções que nos incomodamos? Eu tenho feito isso por mais de dez anos”.
Ele havia sido convidado naquela mesma tarde por Antoine, que lhe garantira grandes surpresas. Logo em seguida: “um cavalo arrastando um bonde veio em nossa direção, seguido por outros carros, depois por transeuntes, enfim, toda a agitação da rua. Diante desse espetáculo, ficamos todos sem palavras, estupefatos, surpresos além da expressão”. Veja abaixo o filme:
Essa primeira sessão contou com filmagens rápidas de cenas cotidianas que duraram cerca de 20 minutos ao todo.
Poucos meses depois dessa primeira sessão, os Lumière rodaram seu primeiro filme sobre Champagne, feito sob encomenda da Moët & Chandon, em Epernay, que foi denominado “De la Vigne au Tonneau” (literalmente “do vinhedo à barrica”). E, em pouco tempo, a invenção dos irmãos ganhou fama mundial, fazendo com que seus operadores corressem o planeta a filmar “documentários” comissionados.
A Exposição Universal de 1900 se tornaria um marco para a expansão da nova invenção. Numa tela de 18 metros de altura e 21 metros de comprimento, na Galerie des Machines instalada no Champ -de-Mars, os irmãos Lumière projetaram diversos filmes.
Um deles sobre a casa de Champagne Mercier. O visionário Eugène Mercier contratou os serviços dos Lumière para fazer um filme comercial, rodado em Epernay e Luxemburgo pelo operador de câmera Lavesvre – vale apontar que Alexandre Promio, um dos principais operadores de câmera dos irmãos Lumière, trabalhou como representante de vendas da Mercier em Lyon. O filme atraiu 3.723.821 espectadores e serviu de inspiração para outros cineastas.
Ao contrário dos Lumière, Georges Méliès foi o primeiro, com Alice Guy, a primeira cineasta mulher, a “colocar o cinematógrafo ao serviço da arte teatral”. Em 1901, um ano antes de “Le Voyage dans la Lune”, seu maior sucesso internacional e uma das primeiras obras-primas do cinema, ele dirigiu “Barba Azul”.
E assim a Mercier também se tornou a primeira casa de Champagne a aparecer em um filme de ficção. Acredita-se que Méliès foi o primeiro a se engajar no merchandising, pois uma garrafa gigante de Champagne Mercier surge de forma surpreendente em uma cena do filme, sendo transportada por dois funcionários.
Nesse mesmo ano, também foram lançados “Par le Trou de la Serrure” (O que se vê pelo buraco da fechadura) de Ferdinand Zecca e “Rêve et Réalité” (Sonho e Realidade) – dois filmes em que Champagne representa a personificação da bravura.
Em 1905, Zecca e Gaston Velle dirigem “L'Amant de la Lune” (O Amante da Lua), um curta-metragem com garrafas gigantes de Champagne realizando uma dança. Garrafas da bebida também aparecerão em algumas das primeiras obras de D.W. Griffith e de Friedrich Wilhelm Murnau, duas lendas do cinema.
Champagne esteve bastante presente no cinema mudo de então. Um clássico é “Le Champagne de Rigadin” (1915), de Georges Monca, com Charles Prince, conhecido como “Rigadin”, um dos atores cômicos de maior sucesso da época, juntamente com Max Linder.
Nesta comédia, Champagne esguicha no rosto dele enquanto ele tenta desarmar uma bomba que não explodiu. Charlie Chaplin também aproveitou a “explosão” das rolhas de Champagne em seu “O Aventureiro” (1917), quando o garçom abre uma garrafa e o condenado fugitivo (Chaplin) levanta as mãos pensando ter ouvido uma arma disparando (mesmo sendo um filme mudo, todos compreendem a cena).
E as referências, como sabemos, são intermináveis. De Alfred Hitchcock – que chegou a fazer um filme intitulado Champagne em 1928 – a Steven Spielberg, passando por Quentin Tarantino, Sergio Leone, Brian de Palma e tantos outros, foram diversos os diretores que estamparam Champagne em suas obras.
Do James Bond ao Superman, também são inúmeros os personagens clássicos que empunharam uma taça ou até mesmo uma garrafa de Champagne nas telas. Ou seja, Champagne e cinema, desde o início, produzem clássicos.