Listamos rótulos de ''brancos secos de guarda" das mais diversas regiões vinícolas
Por Arnaldo Grizzo Publicado em 03/06/2016, às 16h30
Vinho bom é vinho velho. Esta talvez seja a mais antiga e comum falácia que todo enófilo já ouviu. Hoje não há quem não saiba que nem todo vinho é feito para envelhecer. Mas, ainda assim, há exceções com vários rótulos capazes de amadurecerem muito bem. Mais recentemente, porém, apareceu outra “regra” afirmando que os vinhos brancos não são “de guarda”. E, novamente, devemos lembrar que o mundo está repleto de exceções para contradizê-la.
“Vinhos de guarda” costumam ter algumas características em comum, uma delas (e talvez a principal) é a acidez. A acidez ajuda a manter o frescor do vinho com o passar do tempo. Além disso, outros processos enológicos podem colaborar para uma boa evolução, como tratamento adequado em carvalho, por exemplo. A qualidade da uva também conta. Dessa forma, alguns brancos, mesmo não tendo os taninos dos tintos, são, sim, capazes de envelhecer.
Resolvemos então listar 10 estilos de “brancos de guarda”. E vamos tentar nos ater aos secos, pois os doces todos sabemos que costumam evoluir bem. Mas, sempre lembrando que, em toda regra, há exceções.
Não é novidade para ninguém que os Chardonnay da Borgonha são capazes de envelhecer por décadas. Há quem sustente que os grandes se mantêm tranquilamente por até 30 anos. Entre os que integram essa seleta categoria estão os vinhos de Montrachet (considerado um dos mais caros do mundo, contando tintos e brancos), Musigny, Meursault, Corton-Charlemagne e os Chablis Grand Cru. Todos eles certamente vão envelhecer bem por, pelo menos, 10 anos em adega. No entanto, apesar de nem todos terem o “dom da longevidade” tão desenvolvido, há Chardonnays borgonheses mais básicos capazes de suportar cinco anos de guarda lindamente.
Os Rieslings definitivamente estão entre os brancos mais longevos do mundo e os alemães certamente estão no topo da lista. Obviamente que os doces e brotrytizados, como os Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, são vinhos de longa guarda – aguentam 20 anos com facilidade. No entanto, mesmo os mais secos apresentam uma capacidade fenomenal de suportar a passagem do tempo, graças a uma acidez quase cortante. Assim, os Auslese e Spätlese, por exemplo, evoluem tranquilamente por uma década ou mais. E mesmo as versões verdadeiramente secas se portam dignamente por quase 10 anos em adega.
Os grandes Bordeaux tintos são capazes de envelhecer por décadas, mas alguns brancos não ficam tão para trás nesse quesito. Um bom exemplo de brancos bordaleses de guarda são os de Graves – provavelmente a única região de Bordeaux onde tintos e brancos possuem status quase similares. Sauternes, cujos vinhos brancos doces são quase eternos, está dentro dessa região. Mas, mesmo os brancos secos, costumeiramente feitos com a combinação de Sémillon e Sauvignon Blanc, apresentam longa vida. Alguns dos melhores estão dentro da sub-região de Pessac-Léognan (terra do Château Haut-Brion) e perduram por uma década ou mais, com louvor.
A fama dos brancos californianos nasceu há 40 anos, quando eles venceram alguns dos melhores franceses no Julgamento de Paris. Na época, o Chateau Montelena superou vinhos de Meursault, Bâtard-Montrachet e Puligny-Montrachet, por exemplo. Desde então, os norte-americanos vêm se especializando em Chardonnays. Com ajuda das barricas de carvalho, seus brancos ganham longevidade. Napa Valley e Sonoma (onde estão os dois Chardonnays mais caros dos Estados Unidos – o Marcassin Estate e o Peter Michael) possuem ótimos exemplares que podem evoluir de cinco a 10 anos sem problemas. Mas há quem defenda que eles suportam ainda mais tempo.
Os tintos Reserva e Gran Reserva riojanos podem durar décadas. Mas nem sempre lembramos que os brancos, também os Reserva e Gran Reserva, comportam-se muito bem diante da passagem do tempo. A principal variedade branca lá utilizada é a Viura (ou Macabeo), que geralmente é mesclada com a Malvasia e a Garnacha Blanca. Assim como os tintos, os brancos Reserva e Gran Reserva passam muito tempo em barrica antes de serem engarrafados e comercializados. Isso lhes confere um “fortaleza” capaz de suportar 10 anos de envelhecimento com graciosidade ímpar, como o clássico Viña Tondonia ou o Capellanía, da Marques de Murrieta, por exemplo.
Os brancos famosos do Piemonte são os Gavi, produzidos com a variedade Cortese. Há ainda os Roero, feitos com Arneis. Isso sem contar os Moscatos. No entanto, nos últimos anos, quem vem se destacando em termos de longevidade são os Chardonnays. Não à toa, os principais produtores vêm investindo na variedade e indo para um estilo borgonhês. Nomes como Coppo (com o Monteriolo), Pio Cesare (com o Piodilei), La Spinetta (com o Lidia) e Gaja (com o Gaia & Rey, provavelmente o branco mais valorizado da Itália nos últimos anos) mostram o quanto o Chardonnay pode oferecer no Piemonte e, em provas recentes, provam que envelhecer lindamente por cerca de uma década ou mais.
Na terra do Pinotage, cada vez mais os brancos vêm se destacando. Para se ter uma ideia, entre os top 10 vinhos mais caros e procurados da África do Sul estão dois brancos, um deles um Chenin Blanc e o outro de um blend (composto por Chenin), ambos da mítica The Sadie Family. Vale lembrar ainda que a Chenin Blanc é a uva mais plantada do país, com cerca de 18% dos vinhedos, muitos deles muito antigos. Apesar de tradicionalmente ter ido para o lado dos brancos frutados e leves, ultimamente os produtores também estão criando Chenin para guarda. Nomes consagrados como Ken Forrester, por exemplo, chegam a sugerir que eles possam durar até 20 anos. E olhe que estamos falando dos secos...
Quando se juntam os termos “Portugal” e “longevidade”, as primeiras coisas que vêm à mente são Vinho do Porto e Madeira. No entanto, quando falamos de vinhos tranquilos, tantos tintos quanto brancos, uma região portuguesa certamente se destaca: a Bairrada. Seus tintos, muitos deles feitos de Baga, estão entre os mais longevos do mundo. Mas os brancos não ficam para trás. Um exemplo clássico é o branco do Palácio do Buçaco, feito com Encruzado, Maria Gomes e Bical, capaz de envelhecer por 40 anos ou mais, segundo os produtores. Eles, aliás, sugerem consumir o vinho somente cerca de oito anos após o engarrafamento. Mas lá há diversos exemplos de brancos longevos (que suportam bem cerca de uma década em garrafa) de variedades como Arinto, Bical, Sauvignon Blanc, sejam monovarietais ou, mais frequentemente, blends.
A Sémillon é uma uva que costuma resultar em vinhos de boa guarda. No Novo Mundo, um dos lugares onde ela mais se destacou foi na Austrália, especialmente em Hunter Valley. Lá, ainda hoje ela é a variedade ícone da região e, durante muitos anos, foram produzidos alguns dos melhores exemplares do mundo. Além disso, eles quase sempre eram vinhos pensados para a guarda. Apesar de alguns produtores terem adotado um estilo mais leve ultimamente, ainda é possível encontrar vinhos clássicos que evoluem maravilhosamente bem por 10 anos ou mais. Segundo o crítico australiano Oz Clarke, a Sémillon de Hunter Valley é um enigma do mundo do vinho, pois às vezes ela se parece com um Chardonnay ou, em alguns casos, um Riesling.
Há diversos grandes vinhos no Rhône, feitos com diversas variedades de uvas. Muitos deles, tintos e brancos, podem servir para a guarda. Mas, um dos exemplos mais clássicos e “garantidos” são os vinhos de Hermitage. Poderíamos falar dos Vin de Paille, os vinhos doces feitos com uvas quase passas, que duram décadas. No entanto, os brancos secos de Hermitage também são longevos. Feitos com Marsanne e Roussanne, eles podem envelhecer perfeitamente de cinco a 25 anos. Há quem diga que 15 anos seria um bom tempo para guardar esses brancos do Rhône.