Nomes que ajudaram a mudar a história de como o vinho é produzido em suas regiões
Arnaldo Grizzo Publicado em 08/08/2018, às 12h00
Há avanços que definitivamente mudam a forma como o vinho é produzido. Durante os séculos, uma lista de técnicas e tecnologias revolucionaram a história da vitivinicultura. No entanto, um instrumento, uma ferramenta, uma técnica não costuma ser um agente transformador por si só. Por trás de tudo há sempre a mão do homem.
Sendo assim, vamos falar não das técnicas que ajudaram a moldar vinhos, mas dos personagens que verdadeiramente revolucionaram a forma como o vinho é produzido em suas respectivas regiões. É difícil elencar apenas 10 personagens, pois, na história do vinho, pode-se dizer que há centenas de pessoas que tiveram seus nomes marcados por grandes feitos e mudanças drásticas que trouxeram avanço ou definiram a vitivinicultura de um lugar.
Apontamos aqui uma dezena de pessoas que certamente foram marcantes para o vinho em suas regiões, mas sabemos que diversas outras poderiam ser incluídas como, por exemplo, o barão Bettino Ricasoli, dito criador da “fórmula de Chianti” ainda no século XVIII, ou então Dom Pérignon, o abade que teria “inventado” Champagne, ou ainda nomes mais recentes, como André Tchelistcheff, enólogo que foi decisivo na evolução dos vinhos norte-americanos no começo do século XX, entre outros. Segue aqui a nossa lista.
Angelo Gaja e Barbaresco
Pode-se dizer que os dois grandes vinhos do Piemonte, Barolo e Barbaresco, são fenômenos relativamente recentes na vitivinicultura. Eles se tornaram famosos há pouco tempo. Barbaresco é o mais recente de todos e graças ao inquieto Angelo Gaja. Quando ele ingressou na vinícola controlada até então por seu pai, Giovanni, propôs diversas mudanças, mas sua grande aposta foi vinificar com uvas somente de Barbaresco – região até então menos prestigiada que Barolo. Ele ainda introduziu o uso de barricas novas para o envelhecimento dos vinhos, além do cultivo de variedades francesas. E diz-se ainda que ele foi um dos primeiros a usar fermentação malolática no Piemonte. Diversas de suas mudanças teriam sido influenciadas por um estágio que Gaja fez com Robert Mondavi, na Califórnia. Na década de 1960, havia ao redor de 100 produtores na região de Barbaresco, com 190 hectares de vinhas. Depois da revolução de Gaja, há cerca de 200 produtores e por volta de 600 hectares.
Robert Mondavi e os varietais
Robert Mondavi foi um dos maiores incentivadores do vinho nos Estados Unidos, tanto do consumo quanto da produção. Ele é lembrado principalmente por ser um dos pilares da introdução dos vinhos rotulados com suas variedades (apesar de a “campanha varietal” ter começado com Frank Schoomaker e Alexis Lichine). Até então, os vinhos costumavam levar o nome de regiões famosas para que o consumidor tivesse uma ideia do estilo e das castas usadas. Mondavi ajudou a espalhar a cultura do vinho entre os norte-americanos com a produção de linhas básicas, mas também investiu no aumento de qualidade, fazendo com que toda a indústria seguisse seus passos. Ele ainda se uniu a nomes fortes do vinho na França como Philippe de Rothschild, na Itália, como a família Frescobaldi, e no Chile, como Eduardo Chadwick, para produzir ícones como Opus One e Seña, por exemplo. Diversos grandes talentos da enologia norte-americana começaram a trabalhar em suas vinícolas.
Philippe de Rothschild e o mis en bouteille
Até hoje os negociantes têm papel fundamental na produção e distribuição dos vinhos de Bordeaux. No entanto, o poder e influência deles já foi muito maior do que é atualmente. Até a década de 1920, por exemplo, os Châteaux vendiam seus vinhos em barricas para os negociantes, que posteriormente engarrafavam. Ou seja, não havia qualquer controle de qualidade por parte do produtor a partir do momento que o vinho saia de suas caves. Foi quanto o barão Philippe de Rothschild decidiu colocar um fim nessa prática, engarrafando seus vinhos em sua propriedade, garantindo assim a procedência. O barão também foi inovador no marketing, tendo comissionado artistas de renome para ilustrar os rótulos de seu vinho em cada nova safra. Mouton já estampou “telas” de Miró, Dali, Picasso, Kandinsky, Chagall, Warholl etc. Ele ainda saiu em busca de novos “terroirs” pelo mundo, fazendo parcerias que resultaram em Opus One e Almaviva, por exemplo.
A viúva Clicquot e a remuage
Barbe Nicole Ponsardin Clicquot foi uma grande empreendedora e se Champagne tem a fama que possui atualmente, deve muito a ela. A viúva (veuve, em francês) Clicquot teve atuação decisiva no marketing de seus vinhos principalmente entre as mais importantes aristocracias europeias do século XIX. No entanto, além do marketing, ela estava interessada na qualidade de seus produtos e uma de suas principais contribuições para o Champagne foi a invenção da mesa de remuage. Até então, os espumantes locais eram turvos, pois as leveduras mortas (que levam à segunda fermentação) continuavam na garrafa. Para resolver o problema da turbidez, a viúva colocou as garrafas de ponta cabeça para que as leveduras se concentrassem na ponta e congelou seus gargalos. Dessa forma, as garrafas eram abertas, as leveduras expelidas e o vinho se tornava claro. Uma revolução fundamental para os espumantes e a técnica é usada até hoje.
Piero Antinori e os Supertoscanos
Em meados do século XX, Chianti era um vinho famoso, mas tinha uma reputação de qualidade baixa, ou seja, ao mesmo tempo que o nome garantia uma boa venda, não era possível agregar valor ao produto. Foi nesse cenário que alguns produtores começaram a se incomodar e tentar inovar. Um dos descontentes era Piero Antinori. Ele decidiu cultivar e produzir vinhos que tivessem, além da autóctone Sangiovese, cepas francesas como Cabernet Sauvignon, por exemplo. No entanto, as regras da denominação de origem não permitiam que rótulos contendo outras castas levassem o nome de Chianti. Assim nasceu o Tignanello, que, assim como o Sassicaia de Mario Incisa della Rocchetta, revolucionou a produção de vinhos não somente em Chianti, mas em toda a região da Toscana. “As pessoas entenderam que, com algumas pequenas modificações na vinificação, era possível atingir o patamar de um vinho como Tignanello, que atraía a curiosidade dos críticos”, afirmou Antinori.
Fernando Nicolau de Almeida e o Douro além do Porto
Na história do Douro há diversos personagens importantes. Um dos primeiros obviamente é Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que criou a região demarcada do Douro para a produção de Vinho do Porto em 1756. Outra foi Antónia Adelaide Ferreira, a Dona Ferreirinha, a grande dama do vinho português. Outro foi Fernando Nicola de Almeida, enólogo da Casa Ferreirinha, que, em 1952, criou o mítico Barca Velha, o primeiro tinto tranquilo do Douro a fazer sucesso mundo afora. Até hoje, ele foi produzido em apenas 16 safras. Apesar de os tradicionais produtores terem demorado para aderir aos tintos tranquilos, foi ele quem abriu as portas para que o Douro hoje fosse muito mais do que somente Vinho do Porto. O caminho dos vinhos tranquilos da região atualmente está cada vez mais amplo e foi sendo pavimentado pelos Douro Boys e outros tantos enólogos jovens e empreendedores que se destacam.
René Barbier e o Priorato libertário
Até o fim da década de 1970, o Priorato era apenas mais uma entre as milhares de pequenas regiões da Espanha produtoras de vinho. Poucos conheciam seus vinhos. No entanto, um rapaz “meio hippie” reuniu um grupo de amigos e começou a se aventurar naquela região produzindo vinhos. “Começamos em 1989, sem luz, sem nada, com bomba à mão, barricas... em uma granja. Transformamos a granja numa vinícola. Montamos uma cooperativa em que cada um tinha suas propriedades e elaborávamos num mesmo lugar para não gastar tanto dinheiro”, lembra René Barbier, que na época juntou os amigos Alvaro Palacios, Daphne Glorian, José Luiz Perez e Carles Pastrana nessa empreitada. Foi com esse grupo e com uma filosofia de produção muito simples que ele ajudou a colocar o Priorato no mapa dos melhores vinhos do mundo no começo dos anos 1990, quando Robert Parker “descobriu” a região conferindo altas pontuações a seus rótulos.
Jean-Luc Thunevin e os vinhos de garagem
A alcunha já diz muito: o rebelde de Saint-Émilion. A história dos Vins de Garage bordaleses não começou com Jean-Luc Thunevin – o Château Le Pin já podia ser considerado um vinho de garagem, ou melhor, de autor quando Jacques Thienpont assumiu a propriedade em 1979 –, mas ele é o principal nome desse movimento. A expressão “Vin de Garage” surgiu porque Thunevin e sua esposa, Murielle Andraud, começaram fazendo seus vinhos em tanques que ficavam na garagem de sua casa em Saint-Émilion no início dos anos 1990. A ideia era romper com as tradições bordalesas, mais que isso, sequer respeitar as “arcaicas” regras das denominações locais para produzir vinhos verdadeiramente singulares com técnicas ousadas. Por não respeitar as regulamentações, chegou a ter vinhos “rebaixados” à categoria “vin de table” (vinho de mesa), um deles levou a alcunha de “L’Interdit” (O Proibido). Hoje, Thunevin é uma inspiração para muitos não somente em Bordeaux.
Nicolás Catena Zapata e o novo Malbec
Nicolás Catena Zapata não foi o primeiro a cultivar Malbec na Argentina, mas foi ele quem revolucionou a sua produção no país. Depois de voltar dos Estados Unidos na década de 1980, ele trouxe de lá não somente uma visão audaciosa e empreendedora, mas também as mais modernas técnicas de enologia que passou a aplicar em sua propriedade. Ele foi o primeiro a experimentar vinhas acima de 1.500 metros de altitude, o que se provou uma boa aposta. Ele também investiu pesado na seleção de clones de Malbec para que essa uva resultasse nos vinhos de qualidade que ele acreditava serem possíveis de ser produzidos. Pode-se dizer que Nicolás Catena definiu o padrão do Malbec que faria sucesso e tornaria vitivinicultura a Argentina conhecida no mundo. Sua influência foi fundamental para o crescimento da indústria vinícola no país e ainda hoje ele e sua equipe tomam as rédeas dos desenvolvimentos em pesquisa e inovação na Argentina.
Josko Gravner e as ânforas modernas
Foi após uma visita à Geórgia que Josko Gravner, dito papa dos vinhos laranjas, passou ver a vitivinicultura de uma forma diferente. “O vinho é uma questão de filosofia e não de enologia”, alega. Foi então que deixou de lado as barricas de carvalho e passou a usar ânforas de barro para envelhecer seus vinhos no Friuli. Além disso, deixou de lado as cepas internacionais e começou a cultivar Ribolla Gialla, casta tradicional friulana. E ainda passou a fazer longas macerações em seus brancos que, graças a isso, acabaram por ganhar uma cor âmbar e receberam a alcunha de vinhos laranjas. São “brancos feitos com técnica de tintos”. Essa filosofia – e suas variações – vem influenciando produtores não somente na Itália, mas em todas as partes do mundo, com exemplares feitos em Portugal, na França, na Áustria, no Chile, nos Estados Unidos e até no Brasil.