Um dos grandes nomes da enologia mundial, conversou em exclusividade com ADEGA e contou os fatos mais relevantes dos seus 40 anos de carreira
Redação Publicado em 05/10/2022, às 12h20
Assumir riscos e quebrar paradigmas. Muitos dos 40 anos de carreira do português Luis Pato tiveram essa vertente. Tanto que até hoje ele brinca que não é um enólogo, é um estudante de enologia – “só serei enólogo quando morrer e parar de aprender”. Ou seja, toda a transformação que ele fez na Bairrada e no conceito que havia da variedade Baga surgiu de experimentação e, depois, com anos de experiência.
Sua “rebeldia”, diz ele, já teria nascido com seu pai e avô. O avô foi um sobrevivente da I Guerra Mundial nos fronts de batalha na França e também da pandemia de Gripe Espanhola – “sobreviveu provavelmente porque era cachaceiro”, brinca –, que se instalou na Quinta do Ribeirinho, propriedade história da família Pato. Ele foi um dos primeiros a cultivar vinhas, o que foi seguido por seu filho, João – “um inovador na parte de viticultura”.
Luis Pato “herdou” isso e passou a criar algo novo em uma região considerada bastante tradicionalista e conservadora. Até então, os vinhos locais eram considerados bastante rústicos, ainda que longevos. Foram suas experimentações e audácia que transformaram essa visão e colocaram a Bairrada em evidência no cenário mundial.
Para comemorar 40 anos de carreira, Pato esteve no Brasil e contou, em conversa exclusiva, algumas das fases marcantes de sua vida, além de falar se seu processo criativo. Uma aula de sabedoria que vale a pena conferir.
Luis Pato: [Interropendo] Tem este vinho (Quinta do Ribeirinho Sercialinho) de uma vinha de mais de 60 anos, só o filé mignon, 100% Sercialinho, um vinho só de gota (quando o mosto é extraído sem auxílio da prensa), poucas garrafas. Depois, a uva vai para a prensa, faço microoxigenação e vai para o Vinhas Velhas, portanto, não se perde nada. E ainda é fermentado em madeira de castanhas.
Primeiro porque é a madeira tradicional da região. Segundo, é mais barato. Terceiro, não cheira a carvalho. É importante para conservar o caráter não só da casta, mas também do local onde o vinho nasce.
Não é neutra, tem mais porosidade que o carvalho, portanto, durante a fermentação, o vinho tem mais quantidade de oxigênio do que no carvalho. E por isso fica mais resistente à oxidação. Um vinho fermentado em madeira porosa é mais resistente que um fermentado em inox.
Na região, era hábito os tataravôs plantarem castanheiro para serem usados pelos tataranetos. Foi utilizado para fazer toneis, pipas. O resultado é super elegante. A prensa é mais herbácea, aplicamos oxigênio, alongamos os taninos, eles ficam redondos, dão melhor sensação de volume de boca. Tem tosta, mas não requer muita, e nem quero. E são pipas usadas de 500 litros, que comprei em 2017, então agora já tem cinco anos. Quando é novo, curiosamente, fica um ligeiro toque da castanha, cremoso. E também só usamos leveduras locais.
Não dá problema. Faço uma colheita, faço um pé de cuba (espécie de fermento desidratado), oxidação muito forte – para se multiplicarem as leveduras precisam de oxigênio. E ficamos com uma quantidade de leveduras novas enorme para a fermentação. É apenas usar a natureza, cada vez usamos mais a intervenção mínima, mesmo nos tintos. Nos brancos, temos uma outra linha em que não usamos sulfuroso, não usamos nada. Isso baseado na idade.
Ou seja, usamos sulfuroso para garantir que não haja malolática. Mas, nos tintos, sequer usamos sulfuroso durante a fermentação, só depois da malolática porque não gostamos de bactérias exóticas. Então temos vinhos sem sulfuroso até o final da malolática e, quando adicionamos, eles ficam com 40 miligramas total, que é menos do que os ditos vinhos orgânicos.
Só faço isso porque as uvas são dos meus vinhedos, então conheço o histórico e sei como é a adega, mas descobri que, não usando o sulfuroso na fermentação, o enxofre não combina com as moléculas orgânicas formando tiois, que mascaram o frutado original do vinho. Assim, os vinhos ficam mais frutados. Isso não se aprende nos livros, mas por experiência, às vezes por azar, ou por obra do acaso.
Não tinha nada a ver com isso, não sabia praticamente nada. Sabia o que meu pai sabia. Tive ajuda do meu tio, irmão da minha mãe, que era um agrônomo com conhecimento químico, o que não era uma coisa muito normal. Isso ajudou bastante no início. Eu era um imberbe que fazia umas brincadeiras. Continuo a fazer brincadeiras, mas agora já sei a razão porque se faz. Começo a estudar as novas coisas no mínimo nove meses antes. Um exemplo: a minha próxima evolução vai ser deixar de usar leveduras de Champagne para fazer espumante. Vou começar a usar as leveduras locais. Os professores de enologia dizem: “não dá para aguentar a pressão necessária para fazer um espumante”. Bem, tivemos um pequeno erro nos pét-nat. Então experimentei o vinho base de Maria Gomes de solo arenoso com leveduras de Prosecco, com leveduras de solo arenoso e com leveduras de solo argilo-calcário, as nossas. As que fermentaram melhor foram as nossas. E, curiosamente – isso para mim é super histórico – no nariz, a de areia tem o sílex e a outra tem o aroma da tosta que o calcário costuma dar, ou seja, tem uma ligação com o lugar onde crescem. Sem arriscar, não chegamos lá.
Fui a primeira pessoa a fazer poda verde em Portugal, em 1990. Só que nós fazíamos mal. Não havia conhecimento. Qual era a minha lógica, sendo tradicionalista? Era tornar a coisa mais simples e seguir a floração. Via quais daqueles cachos vingavam, tirava uma parte e deixava outros. Assim foi. Na época, meu feitor fez isso porque o pessoal se recusou a cortar cachos... Quando eles chegaram para colher, viram que essas uvas estavam melhores do que as outras. Fui à Vinexpo e, quando voltei, os cachos tinham crescido enormemente. Perguntei ao feitor: “não fizeste nada?” “Não, a parreira compensou e aumentou o tamanho dos que ficaram”. Isso tudo para dizer que só em 1995 é que fiz bem, quando comecei a seguir a fase do pintor (quando as uvas começam a pegar cor).
Porque depois dele a parreira já não faz essa compensação, se reduz, fica reduzido. E em 2001 tivemos uma estagiária para fazer o controle da maturação. E, quando vejo, em final de agosto, as uvas tinham, 8,5, 9 graus. Digo: “está fantástico para o espumante”. Aí entra a questão: “O que é que é uva madura? Para fazer tinto, branco ou espumante?” São coisas completamente diferentes em termos de maturação. Você está fazendo poda verde? Não, estou fazendo poda madura para o espumante. Nada se perde, tudo se transforma. O único problema é que temos que ir duas vezes à parreira para colher. Então, para fazer o melhor tinto, eu era obrigado a fazer espumante. Era uma necessidade e é muito melhor para mim e também para o consumidor.
A Baga não era uma uva fácil e achava-se era só vinho tinto. Quando comecei, a Baga fazia duas grandes safras em dez anos. E o meu trabalho de 40 anos foi ver o que podia fazer para Baga se tornar uma casta reconhecida mundialmente. Para isso, tinha que torná-la mais redonda. E isso foi sendo feito ao longo do tempo. Comecei a fazer o desengace em 1985, para tirar a parte mais herbácea. E depois, em 1995, fizemos vinho de vinhas únicas. E depois começamos usar para espumantes e não perdemos quase nada. O vinho, ao reduzir a quantidade, começou a ficar mais redondo.
A Baga começou a ficar menos rústica, mais suave, mais elegante, mais fácil de beber. Porque ela é da família do Nebbiolo, Sangiovese Grosso, Xinomavro da Grécia... É uma questão de evolução. Comecei a arredondar o mais possível de tal modo que agora já estamos fazendo vinhos muito redondos. Alguns dizem: “Eles agora não duram tanto quanto antes?” Antes duravam 40 anos, agora duram 30. Para mim isso chega perfeitamente [risos]. Mas nós temos que entender que, para a Baga progredir e aparecer como casta reconhecida mundialmente, temos que a tornar mais adaptada ao gosto das pessoas de hoje.
Antigamente dizia-se que a Baga era boa em solo calcário. É verdade. Mas eles não sabiam o porquê. No calcário, a Baga não tem tanto risco de podridão como na areia, porque, na época das chuvas, estão em estresse hídrico. Aí vem a chuva e as plantas estão ávidas por água. E na areia, a água vai diretamente à raiz, aumenta o tamanho do bago, rebenta a podridão. No calcário, não vai diretamente à raiz, demora um tempo para chegar, e isso permite que não haja podridão. O dilema da Baga no Dão é o solo arenoso. Eu também tenho problema no solo arenoso de pé franco. Só que, como pé franco produz muito pouco, a maturação é antecipada. Então faço a colheita deste pé franco de Baga na areia antes dos outros lugares para evitar a podridão. E hoje ainda há previsões meteorológicas muito mais aceitáveis do que quando comecei...
Felizmente fui criticado, porque quando não somos criticados quer dizer que somos iguais aos outros... Eu tenho um espírito muito racionalista. No meu lado de engenharia aprendi a otimizar, otimizar, otimizar. E é o que faço. Eu otimizo a produção fazendo duas colheitas para não perder nada. Se quero fazer uma coisa nova, planejo com bastante antecedência, até para o meu subconsciente ir trabalhando. Por exemplo, quando nasce um neto ou neta, faço um vinho especial. No primeiro neto, fiz um vinho de sobremesa de colheita antecipada. No seguinte, fiz um vinho tinto de uva branca.
Os pais deram-lhe o nome de Fernando, e um dos meus nomes de família é Pires, da minha avó paterna. Fiz então uma brincadeira, peguei Maria Gomes, que é branca (Fernão Pires é como se chama a Maria Gomes fora da Bairrada), e só pus 6% de cascas de Baga. Ele ficou tinto. Não inventei nada. Mais tarde, fiz o oposto, quando nasceu uma neta da minha filha mais nova. Fiz um laranja, mas não um laranja com uva branca, um laranja com Baga. Hoje faço dois vinhos de uma forma estranhíssima. Colho de manhã, a Maria Gomes, e de tarde, a Baga. Ponho na prensa a Maria Gomes, retiro o líquido e guardo a casca. Ponho na prensa a Baga, retiro o líquido e guardo a casca. E cruzo. Faço tinto de uva branca e laranja de uva tinta.
Sim, e este rótulo, o Pato Rebel, foi um desafio. Por que não fazer um Baga de verão? E fiz. Qual é o truque? Uso zero madeira, 5% de Bical, que arredonda os taninos, e sobremadurez.
Hoje tenho minha própria visão e tornei-me independente. Não preciso de copiar porque criei a minha própria forma de conhecimento. Faço muitas coisas “fora da caixa” e tenho uma formação que me permite interpretar de maneira diferente. Um exemplo: o primeiro espumante que fiz sem sulfuroso, foi o primeiro em Portugal.
Fiz microoxigenação para retirar a cor. Em vez de usar carvão, usei oxigênio, que é uma coisa que acho que não faz mal. Não é agressivo. Engarrafei e, ao fim de seis meses, tive a visita de um jornalista inglês, um grande amigo. Ele disse: “isso está um bocado oxidado”. O que sucede é que, daí a dois anos e meio, o vinho já não estava oxidado. Para mim, era estranhíssimo interpretar o porquê. Mas é muito simples. A borra das leveduras mortas consome o oxigênio e ajuda a atenuar a oxidação. Não uso sulfuroso, pois oxidei totalmente o mosto. Mas o vinho não é oxidado.
Tem que ser cuidado. Não estou a sugerir que se oxigene tudo. Tem que se saber até onde e para quê se usa. Oxigênio não faz mal nenhum. Depende de como é utilizado.
Minha filha mais nova, Maria João, está trabalhando comigo. Ela é de uma geração diferente e agora me desafiou a fazer um outro tipo de vinho, um vinho para a sua geração, não clássico. “Você gosta de inovar sempre, está sempre a inovar...” Claro, tenho que estar sempre a inovar para manter a cabeça jovem. E ela no processo de aprendizagem comigo.
Vamos ficar sempre com uma parte clássica e uma parte mais moderna. Não podemos esquecer que o mundo está sempre em evolução. Não sou um espírito fechado. Mas não quer dizer que não continuamos com os clássicos. A Maria João vai, por exemplo, herdar a Vinha Pan e Formal, a Vinha Barossa, e a Luísa vai herdar a Quinta do Ribeirinho e a Filipa, como não quer ter vinhos de vinhedo, quer ter sua marca, vai herdar outras vinhas. E cada uma vai ficar com vinhas diferentes para não haver guerras. Cada uma independente das outras. Assim consigo garantir que mais uma geração da família Pato sobreviva no vinho.
Comprei muitas e estou agora numa fase de comprar mais. Temos uma estrutura de máquinas na região da Bairrada então não dá para ter vinhedos em outra região. Estamos numa fase de intervenção mínima, não usamos herbicida ou pesticida, nos fungicidas estamos num processo de desenvolver e substituir o cobre por ozônio – ozônio é curativo enquanto o cobre é preventivo. Já uso ozônio há 30 anos, então não sou conhecido só como Mister Baga, mas como Mister Ozônio. E faço os vinhos onde tenho mais conhecimento. Flying winemaker é coisa do passado, pois hoje não é só aplicar receita, é preciso estudar cada vez mais a natureza. Mas temos vários vinhedos, até para serem diversos, para cada um dar sua característica.
Sou o maior produtor mundial [risos]. Este rótulo 2020 tem 12,5 graus de álcool e 9,5 de acidez. É um vinho para durar mais 30 anos, porque tem essa acidez e, depois, como a idade, lembra um Riesling da Alsácia. A Jancis Robinson, no livro “Grapes”, menciona a Sercialinho. E eu pensei em fazer uma pipa separada, mandei uma caixa para ela e, quando ela foi apresentar o livro por esse mundo fora, dizia: “Vamos mostrar uma casta de um vinho que nunca ouviram falar”. E eu era o maior produtor...
O mundo está sempre em mudança e temos que olhar para o mundo. Tive alguns choques na minha vida. Na primeira prova de degustação no International Wine Challenge, em Londres, onde se degustava vinhos de todo mundo às cegas, para mim, foi como abrir a visão ao que existia em volta. Não era só o meu vinho, era o vinho do mundo. Em 1990, lembro que eles gostaram de um vinho que, para mim, era uma coisa execrável. Tecnicamente não tinha defeito, mas era um Chardonnay com carvalho americano, dourado, 15 graus de álcool. Achavam fantástico. Em 1991, já não gostavam daquilo. Ou seja, perceber as modas do vinho foi um choque. O choque que até hoje marca a minha rebeldia. Por fim, foi um prazer contar como eu fui rústico e como agora sou mais civilizado [risos].
Espumante rosado 100% Baga elaborado pelo método tradicional. Muito bem feito no estilo mais vinoso, tem acidez refrescante, ótimo volume de boca e textura cremosa e tensa.
Este é um blend de 60% Baga e 40% Touriga Nacional, sem passagem por madeira. Uma ótima versão desse tinto, que esbanja ameixa e amoras frescas escoltadas por notas florais, de ervas e de especiarias, tudo equilibrado por acidez vibrante e taninos tensos.
Um vinho que mostra frutas brancas e de caroço de perfil mais fresco acompanhadas de notas florais, de ervas e de frutos secos, que aparecem tanto no nariz quanto na boca. De corpo médio e gostoso de beber, tem acidez na medida, textura cremosa e final também médio, com toques de limão siciliano.
Elaborado exclusivamente a partir de uvas Baga advindas de vinhedos entre 20 e 80 anos de idade, plantados em solo argilo-calcários, com estágio de 10 meses em grandes pipas novas e usadas de carvalho francês. Tenso, firme e vertical, impressiona pela vibrante acidez e pela excelente textura de taninos lembrando giz.
Franco nos aromas e nítido nos sabores, tem acidez refrescante e textura firme e cremosa, que envolvem sua fruta lembrando pêssegos e peras. Tem bom volume de boca e final médio/longo, com toques de ervas e de limão siciliano. Um ótimo acompanhante para os frutos do mar.
Frutado e muito gostoso de beber, chama atenção pela acidez refrescante, pelos taninos tensos e finos e pela qualidade de sua fruta lembrando ameixas. Fluido e de corpo médio, tem final suculento e persistente, que convida a uma segunda taça, de preferência na companhia de embutidos.
Alia frescor de acidez e concentração de fruta, tudo sustentado por taninos firmes, tensos e de grãos finos. Austero e intenso, tem final cheio e persistente, com toques terrosos, de ameixas, de ervas e de especiarias doces. Gastronômico por natureza, pede a companhia de carnes mais gordurosas.