Reestruturação da vitivinicultura paulista é puxada por novos produtores que apostam em uvas finas e a associação a experiências
Os vinhos de inverno, por meio da dupla poda, e o enoturismo são duas das apostas para reestruturar o setor vitivinícola de São Paulo, cujo rendimento médio da produção de uva (18.901 kg/ha) fica em quarto lugar entre os estados brasileiros – atrás de Pernambuco (48.081), Bahia (28.209) e Rio Grande do Sul (19.247).
Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2023, e foram usados em um fórum sobre o tema, realizado na ProWine, com a presença de Adriana Verdi, assessora do gabinete da Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.
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Na apresentação, ela falou sobre a “mudança de paradigma” feita por novos empreendedores da Serra da Mantiqueira, com o uso da técnica da dupla poda, a partir de 2010. A região tem se diferenciado por não produzir vinhos de mesa e se dedicar exclusivamente às uvas finas, como Chardonnay e Syrah.
Em relação ao enoturismo, a assessora destacou o projeto “Rotas do Vinho de São Paulo”, lançado em agosto deste ano. São 66 vinícolas selecionadas – 55 divididas em cinco rotas e outras 11 espalhadas pelo estado. Todas atendem a dois critérios: estar formalizadas e ter, pelo menos, uma atividade bem estruturada para os turistas.
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Depois da palestra, na quinta-feira (3), Adriana Verdi concedeu uma entrevista exclusiva para o site da Revista ADEGA, na qual resumiu o atual cenário da indústria do vinho no estado de São Paulo e citou as iniciativas do governo estadual para suplantar alguns dos principais desafios da vitivinicultura paulista. Confira:
- ADEGA - Quais dos dados apresentados a senhora destacaria, sob o recorte da produção de uva destinada ao processamento e à elaboração de vinho?
Adriana Verdi - A gente tem observado que as regiões tradicionais ainda têm focado em algumas variedades de vinho de mesa, principalmente com a Niágara, que é uma uva para consumir in natura, mas que, tradicionalmente, sempre foi utilizada também no processamento de suco e vinhos. Além da Isabel e da Bordô, cuja presença é significativa na região de Jundiaí e de São Roque.
Já as regiões mais novas, principalmente a de Pinhal, de Campos do Jordão, de São Bento do Sapucaí e da Alta Mogiana, estão focando nas variedades finas, tendo a Syrah como carro-chefe. É um novo perfil de produtor, que não tem muita tradição, que não é do segmento, mas que tem capital e conhecimento para a produção de vinho fino.
- Quais regiões ou cidades paulistas têm ganhado destaque nesse setor nos últimos anos?
O destaque é a região de Espírito Santo do Pinhal e as redondezas: São João da Boa Vista, Santo Antônio do Jardim e Itobi. É uma região cafeeira, com uma certa altitude.
- Durante o fórum, a senhora citou que praticamente todas as vinícolas do estado desenvolvem o enoturismo. Qual a importância dessa atividade?
Seja uma vinícola tradicional ou uma mais moderna, com esse novo perfil de produtor, todas já nascem com esse foco no turismo, com essa associação. A gente observa que o enoturismo é uma fonte importante de recursos. Não é só a venda do produto, mas tudo o que envolve a paisagem, a gastronomia e a oferta de experiências. É um conjunto que vem com o vinho. Tudo isso também é importante para o segmento de serviços, porque não basta ter um bom produto, o vinho tem de ser bem servido, requer um requinte.
- Como foi o desenvolvimento das Rotas do Vinho de São Paulo? Quantas vinícolas já foram integradas ao projeto desde o lançamento?
Trata-se de um trabalho realizado por quatro secretarias: da Agricultura e Abastecimento, do Turismo, do Desenvolvimento Econômico e da Cultura. Elas que propuseram esse trabalho, mediante uma demanda que chegou ao governo do estado. Foram selecionadas 66 vinícolas e estabelecidas seis concentrações: a do Circuito das Frutas, de Jundiaí; a Serra dos Encontros, que é a região de Pinhal; a Alta Mogiana, que é a região de Franca e Ribeirão Preto; a dos Bandeirantes, que é a de São Roque; a Alta Mantiqueira, de Campos do Jordão; e a dos Destinos, que agrega produtores espalhados por São Paulo.
As rotas foram organizadas, em um primeiro momento, com base em dois critérios. Para se inscrever, o produtor tem que ser formal e seguir as normas, principalmente do Ministério da Agricultura. Além disso, ofertar – de forma adequada e estruturada – no mínimo, uma atividade ligada ao enoturismo.
- Na apresentação, a senhora listou os seis principais desafios enfrentados pela vitivinicultura em São Paulo: escassez de matéria-prima, disponibilidade de mão de obra qualificada, tributação, ausência de informações, informalização e falta de identidade do vinho paulista. O que o estado tem feito, em parceria com os produtores, para que essas dificuldades sejam suplantadas?
A mão de obra é um desafio, não só do segmento vinho, mas também das demais culturas e agroindústrias no estado de São Paulo. Nesse sentido, nós estamos ofertando um curso voltado à formação de mão de obra em parceria com a Escola Paula Souza e com o Instituto Federal, em São Roque. Então, de certa forma, essa dor está sendo atacada, mas ainda requer um estudo bastante aprofundado para ofertar cursos de qualificação para o pessoal que vai trabalhar com o vinho nas vinícolas, na gastronomia. Ou seja, é um trabalho que ainda merece certa atenção do estado.
Outra questão que já foi mais importante é a produção de mudas. Hoje, a Secretaria Estadual da Agricultura, por meio da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), está proporcionando as principais variedades para o segmento.
Sobre as demais dores que foram colocadas, nós estamos tratando algumas, enquanto outras estão à espera de um planejamento para podermos trabalhar.
- Para finalizar: o vinho de inverno, com o uso da técnica da dupla poda, é a principal tendência para fortalecer a produção de vinho no estado de São Paulo?
Com certeza. A dupla poda veio para ficar. Essas regiões não tradicionais que estão emergindo e se destacando podem explorar a maior amplitude térmica e isso é um diferencial importante, é um recurso para a melhoria da qualidade da produção de uva e, consequentemente, do vinho. Além de tirar a colheita de uma fase mais úmida do ano, o que também é um ganho importante para a qualidade.