Acompanhe a visita de ADEGA ao Minho e conheça as características de suas sub-regiões e aprecie os vinhos verdes
Marcelo Copello Publicado em 26/11/2024, às 12h27
O Vinho Verde é hoje, ao mesmo tempo, um dos vinhos mais tradicionais e mais modernos de Portugal. Os "Verdes", que já tiveram seus dias de glória em nosso mercado, estão de volta, agora atualizados, com melhor qualidade e maior diversidade de estilos. A Revista DEGA esteve no Minho, visitando alguns produtores para ver de perto as razões do revejunescimento desta região.
O Minho localiza-se no extremo noroeste de Portugal, limitado ao norte pelo rio Minho, fronteira natural com a Espanha; ao sul pelo rio Douro e as serras da Freita, Arada e Montemuro; a leste pelas serras da Peneda, Gerês, Cabreira e Marão, e à oeste pelo Oceano Atlântico.
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A melhor e mais notória descrição da região foi feita pelo geógrafo luso Amorim Girão, que comparou o Minho a um imenso anfiteatro. "Tendo o mar como palco, as filas da orquestra são as várzeas do litoral; as cadeiras intermediárias encontram-se nas colinas onde se fizeram as principais cidades; e as últimas filas encontram-se no cimo das encostas das serras que separam a região de Trás-os-Montes e das Beiras". E pode-se dizer ainda que as escadas de acesso a este anfiteatro são os rios Minho, Lima, Cávado, Ave e Douro, que cortam a região em sentido leste-oeste.
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Uma das características mais marcantes do Minho é ter sido, desde a antiguidade, densamente povoado e intensamente cultivado.
Á água é abundante (cinco dos dez mais importantes rios de Portugal estão aqui) e a agricultura de subsistência, em micro propriedades, domina a paisagem da região.
O RDVV é a maior região vitivinícola de Portugal e uma das maiores da Europa, com sete mil quilômetros quadrados. Seus 34 mil hectares de vinhedos correspondem a 15% da área vitícola nacional e produzem ao ano cerca de 100 milhões de litros de vinho (60% brancos).
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A região engloba 35 mil produtores, quase todos muito pequenos, já que 90% das propriedades agrícolas tem menos de cinco hectares. As 20 maiores empresas engarrafadoras controlam, no entanto, cerca de 90% do vinho da região. As duas maiores são a Quinta da Aveleda e a Vercoope (aglomerado de várias adegas cooperativas).
Instituída em 1908, a RDVV só foi regulamentada a partir de 1926, com a criação da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), responsável por certificar produtos, promover e controlar as Denominações de Origem (DO) e as Indicações Geográficas (IG) do Minho, garantindo a genuinidade e a qualidade dos produtos da região.
O clima da região é ameno, chuvoso e fortemente influenciado pelo oceano Atlântico, pois o relevo em "anfiteatro" e o curso dos rios ajudam os ventos do mar a penetrar na região. Os 1500 mm de média anual de chuvas concentram-se no inverno frio, com o verão sendo seco e morno (média de 20ºC). Os solos são bem variados, porém, fora algumas manchas de xisto, o que domina é o granito, que confere acidez aos vinhos.
Os sistemas tradicionais de condução de vinha na região chamam a atenção. O primeiro deles, raro de se ver hoje, é a "uveiras" ou vinha de enforcado, videiras que se elevam entralaçadas em árvores e que podem atingir grande altura, exigindo escadas elevadas na época da colheita.
Outra maneira ancestral de plantar uvas na região são os Arjoões e as Ramadas. Estes sistemas tradicionais, no entanto, resultam em vinhos de qualidade inferior, pois provocam ensombramentos que dificultam a exposição ao sol e a correta maturação das uvas. Hoje as vinícolas adotam práticas mais modernas e boa parte dos vinhedos está sendo convertida para sistemas diversos, variantes da espaldeira.
Um dos maiores patrimônios do vinho português são suas castas autóctones, que tornam seus vinhos únicos. O CVRVV classificou as castas da região em "recomendadas" e "autorizadas", fixando percentagens mínimas para as primeiras e máximas para as segundas.
Assim, para ser um "Vinho Verde" é necessário ter em sua elaboração um mínimo de 75% de castas "recomendadas" e um máximo de 25% de castas "autorizadas". São muito nomes, preste atenção. Recomendas brancas: Alvarinho (também chamada de Galego ou Galeguinho), Arinto (ou Pedernã), Avesso, Azal, Batoca, Loureiro e Trajadura. Nas tintas: Alvarelhão (ou Brancelho), Amaral (ou Azal tinto), Barrocal, Espadeiro, Padeiro, Pedral, Rabo de Anho e Vinhão.
De todas as uvas mencionadas acima, a mais importante é, sem dúvida, a Alvarinho. Seu perfil se diferencia significativamente das demais castas brancas da DOC Vinhos Verdes. Sua intensidade de cor é maior, o aroma é mais intenso e seu caráter gustativo é de maior maciez alcoólica, com maior estrutura, equilíbrio e persistência.
Enquanto a cepa Loureiro é mais floral, a Azal e a Avesso são mais cítricas, a Pedernã e Trajadura lembram banana e maçã, por exemplo. A Alvarinho tem perfil mais para frutas amarelas maduras, como pêssego, manga, abacaxi, laranja ou maracujá, além de florais e cítricos.
A Alvarinho é uma das cepas de menor rendimento do mundo, seus bagos são pequenos e sua película grossa. Cem quilos de uva rendem pouco mais de 50 litros de vinho. Seu ciclo é curto, as uvas amadurecem precocemente, o que na região é uma dádiva, e tem boa resistência a pragas. Outra característica da Alvarinho, que a torna "moderna", é sua afinidade com fermentação em barricas de carvalho e maceração pelicular com batonnage, dando ainda mais estrutura ao vinho.
Hoje existem claramente dois estilos de Vinhos Verdes. Os "Vinhos Verdes DOC", sem indicação de sub-região ou casta são mais tradicionais, leves, menos alcoólicos, chegando a ser levemente frisantes (algum são gaseificados). Já os Vinhos Verdes com indicação de sub-região e/ou casta podem ter mais álcool e corpo.
A legislação dos Vinhos Verdes vem se modernizando de maneira inteligente, mantendo a tipicidade do vinho tradicional e permitindo o crescimento dos vinhos modernos. Enquanto os "Vinhos Verdes DOC" devem manter seu teor alcoólico entre 8% e 11,5%, os demais (incluindo os Alvarinhos), podem chegar aos 14% de álcool! A acidez mínima para os "VV DOC" é de seis gramas de ácido tartárico por litro, para os Alvarinhos este número é 4,5, o que mantém os vinhos tradicionais muito frescos e permite Alvarinhos untuosos e amanteigados.
Os brancos são elaborados pelo método que os portugueses chamam de "bica aberta", com a fermentação sem a presença dos sólidos. Os tintos são, muitas vezes, fermentados em lagares, com a presença das castas, o que localmente chama-se de "curtimenta". Os vinhos rosados são produzidos exclusivamente a partir de uvas tintas, vinificadas de forma semelhante aos vinhos brancos. A fermentação malolática, que diminui a acidez nos vinhos, muitas vezes é utilizada (embora muitos enólogos não a pratiquem), produzindo o gás carbônico que dá origem ao "pico" ou "agulha" dos Vinhos Verdes mais tradicionais. Em muitos produtos também há adição de gás carbônico, com máquinas, em um processo semelhante ao dos refrigerantes.
Ainda são poucos os espumantes da região, mas é uma aposta forte como tendência. Nada mais natural do que uma região que se preste a brancos de grande acidez elaborar também seus espumantes. Por lei o Vinho Verde Espumante DOC é elaborado com as mesmas castas do Vinho Verde e sempre pelo método clássico ou champenoise, com estágio mínimo de nove meses com suas borras.
A RDVV é dividida em nove subregiões: Amarante, Ave, Baião, Basto, Cávado, Lima, Monção, Paiva e Sousa. Adega visitou cinco produtores em quatro diferentes sub-regiões.
Nossa jornada começou em grande estilo, na belíssima Quinta da Aveleda, na sub-região de Sousa. Localizada no centro-sul do Minho, Sousa fica próxima a região do Porto, tem clima ameno com pluviosidade abaixo da média.
A Quinta da Aveleda (representada no Brasil pela Interfood) fica no coração da região, próxima a cidade de Penafiel, e pertencente à família do empresário Antonio Guedes desde o século XVII. A área total é de 180 hectares de vinhas e um jardim que merece uma visita.
A produção anual de 13 milhões de garrafas tornam a Aveleda o líder de mercado, responsável por 40% das exportações de Vinhos Verdes. Seu campeão de vendas é o Casal Garcia (com nove milhões de garrafas), um vinho simples, frisante, com 11 gramas de açúcar residual que aparece bastante. O destaque da casa, no entanto, é o Quinta da Aveleda 2006, DOC Vinho Verde, elaborado com 15% Alvarinho, 35% Trajadura, 50% Loureiro, palha claro esverdeado, levemente frisante, aromas florais delicados, frutas tropicais, paladar leve, bem equilibrado, muito agradável.
Outro produtor visitado na sub-região de Sousa foi a Quinta de Simães, em Filgueiras, que pertence ao grupo Borges (representados no Brasil pela importadora Santar). A Borges, fundada em 1884, possui vinhedos no Minho, Douro e Dão, produz 12 milhões de garrafas ao ano e exporta para 54 países. Sua marca popular de Vinho Verde, ou "o vinho do dinheiro", como dizem em Portugal, é o "Gatão".
De lá segui para a sub-região de Basto, a mais interior da RDVV, já com alguma altitude e resguarda dos ventos marítimos. O clima é mais agreste. Inverno frio e muito chuvoso. Verão quente e seco, favorecendo castas de maturação tardia como o Azal, que aqui atinge o seu máximo potencial, com aroma de limão e maçã verde frescos. Existe ainda uma considerável produção de Vinhos Verdes tintos na região. Lá visitei a Casa de Santa Eulália (ainda sem representante no Brasil), próximo a Mondim de Basto, à beira do rio Tâmega. Este pequeno produtor tem, em apenas 32 hectares, vinhas, uma adega moderna, além de oferecer enoturismo, com hospedagem, passeios e esportes radicais.
Bem mais ao norte fica a sub-região de Lima, onde o clima chuvoso favorece a casta branca, que gera vinhos finos e elegantes, cítricos e florais. É uma região boa também para os tintos da uva Vinhão. Em Lima, visitei a Quinta Casal do Paço (representado pela importadora Adega, de Salvador). A propriedade, que está na família de seu proprietário Vasco Croft desde o século XVIII foi restaurada em 2002 e começou a engarrafar sua marca própria, os vinhos "Afros". Vasco contratou uma equipe técnica de primeira, sob a consultoria do enólogo Anselmo Mendes, principal nome do Minho. Práticas biodinâmicas estão sendo implantadas nos oito hectares de vinhas, dominadas pela Loureiro e Vinhão, mas com parcelas (ainda não produtivas) de Sauvignon Blanc e de Syrah. Os tintos são fermentados em lagares, e os brancos em inox, com temperatura controlada. Alguns passam por barricas francesas.
Finalmente chegamos a Monção, a região mais ao norte (fronteira com a Espanha) e a mais importante sub-região do Minho. Aqui o microclima caracteriza- se por invernos frios com precipitação moderada, e verões quentes e secos, o que denota uma influência atlântica menor do que no resto do Minho. Aqui o Alvarinho reina, alcançando ótima maturação, gerando alguns dos brancos de maior prestígio da Península Ibérica.
Lá visitei a Quinta do Soalheiro, de António Esteves Ferreira, foi a pioneira na produção de mono-varietais na região, em 1982, produzindo o Alvarinho Quinta do Soalheiro (da Mistral), em Melgaço.