Mesmo com todos os obstáculos no decorrer de sua história, o Alentejo vem produzindo vinhos de alto padrão
Eduardo Milan Publicado em 23/05/2014, às 00h00 - Atualizado em 02/08/2023, às 13h00
Cidades medievais e castelos do período manuelino, vastas plantações de cereais e inúmeros sobreiros pelo caminho. Assim é a região do Alentejo, localizada a sudoeste de Lisboa, ao sul de Portugal, estendendo-se pelas planícies do país, até a fronteira espanhola, ao norte do Algarve.
Embora não se possa precisar o exato momento da história em que a videira foi introduzida na região, indícios arqueológicos comprovam a presença antiga da cultura do vinho e da vinha na sua paisagem tranquila.
Fato é que essa cultura é anterior à chegada dos romanos, sendo parte da tradição do povo que lá habitava. Acredita-se que tudo tenha começado pelas mãos dos tartessos, sendo posteriormente expandido por fenícios e gregos para, finalmente, com os romanos, generalizar-se.
No século VIII, época da invasão muçulmana, porém, a cultura do vinho sofreu um revés. Devido à repressão aos costumes cristãos, através de altas taxações, por exemplo, a vinha foi gradualmente abandonada. Somente mais tarde, após a fundação do reino lusitano, voltou-se a falar em vinho no Alentejo e, em meados do século XVII, os vinhos da região ostentavam fama e prestígio em Portugal.
Infelizmente, sobreveio a guerra da independência, seguida da criação da Real Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Douro, pelo Marquês de Pombal – que, de certa forma, direcionou os holofotes para aquela região – e o vinho alentejano mergulhou em uma segunda grande crise.
Apenas no século XIX os vinhos do Alentejo iniciaram seu renascimento, que também durou pouco, tanto por motivos político-econômicos e pelo cenário das duas guerras mundiais, quanto pelo ataque da filoxera aos vinhedos, culminando com a campanha cerealífera do Estado Novo, que suspendeu e reprimiu a vinha no Alentejo, levando a região a ser apelidada de “celeiro de Portugal”.
Somente já nos idos de 1970, a atividade vinícola alentejana foi retomada, através do surgimento de cooperativas, que, até a década de 1990, produziam vinhos direcionados principalmente ao consumo local. Depois disso, a partir do apoio financeiro da União Europeia, as cooperativas começaram a explorar o potencial da região do Alentejo através de métodos modernos de cultivo e de vinificação, passando a produzir rótulos de melhor qualidade, vendidos não apenas em outras regiões de Portugal, mas também pelo mundo todo.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que, em grande parte do Alentejo, o clima não é exatamente o ideal para a vitivinicultura, por causa de baixíssimos índices pluviométricos e verões muito quentes. Assim, foi a tecnologia moderna que compensou essas dificuldades naturais. Sistemas de irrigação e controle de temperatura, especialmente na elaboração com uvas brancas, são essenciais.
O clima e a composição do solo variam no Alentejo. Ao norte, a área de Portalegre tem clima quente e úmido, com solos graníticos, produzindo vinhos elegantes e com notas de frutas frescas.
No centro, em Reguengos, os solos são xistosos e o clima é extremamente continental, com invernos frios e verões muito quentes, produzindo vinhos estruturados e potentes. Mais ao sul, Vidigueira é protegida por um talude que se estende no sentido leste-oeste. O clima é mediterrâneo e os solos são calcário-argilosos, dando vinhos com perfil mais untuoso, mas sem perder a elegância.
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CortiçaDurante séculos, a mais importante conexão da região do Alentejo com o mundo do vinho se deu através das rolhas. Mais da metade da oferta de cortiça do mundo é cultivada em Portugal, quase toda ela dos sobreiros encontrados nos campos de trigo do Alentejo. |
As primeiras denominações de origem alentejanas foram regulamentadas em 1988. De fato, a DOC Alentejo engloba oito sub-regiões: Borba, Évora, Granja-Amareleja, Moura, Portalegre, Redondo, Reguengos e Vidigueira. Além da produção nas sub-regiões consideradas DOC, o Alentejo apresenta uma elevada produção e variedade de vinhos regionais, sendo classificados como “Vinho Regional Alentejano”. Confira detalhes de cada sub-região no box.
A missão de certificar os vinhos do Alentejo com os selos DO e IG cabe à Comissão Vitivinícola Regional Alentejana – CVRA. Todos os vinhos submetidos à CVRA recebem um selo de certificação numerado em seu contrarrótulo.
As regras para ostentar a denominação DOC Alentejo são rígidas, delimitando as áreas de produção, as castas permitidas e em qual porcentagem, entre outros fatores. Por esse motivo, é comum ver produtores optarem por terem seus vinhos classificados como IG – ou Vinho Nacional Alentejano –, designação oficial que permite a inclusão de outras castas, além das previstas na legislação de vinhos DOC.
ADEGA teve a oportunidade de visitar vinícolas grandes, médias e pequenas, localizadas em diversas partes dessa linda e bucólica região. O resultado disso foram mais de 300 vinhos provados, quase uma dezena de vinícolas visitadas e a certeza de que o Alentejo, em termos vitivinícolas, está mais consistente, com vinhos melhor produzidos em termos gerais e nos reservando, daqui para frente, brancos e tintos cada vez equilibrados, com fruta fresca e, o melhor de tudo isso, muito bem feitos em todos os níveis de preço.
Localizada em Campo Mayor, a nordeste do Alentejo, a linda e moderna vinícola, toda branca, está incrustada de forma harmônica em meio à paisagem. Em forma de retângulo, o projeto é assinado pelo respeitado arquiteto Siza Viera e é fruto da paixão pelo vinho de Rui Nabeiro, um dos maiores empresários de Portugal.
Atualmente, sua neta, Rita Nabeiro, que parece ter herdado a energia e a paixão de seu avô, é quem administra a propriedade. Os vinhos, de rótulos caprichados e de nomes curiosos, são elaborados pelo enólogo Carlos Rodrigues e tinham, no início do projeto até idos de 2012, a consultoria de Paulo Laureano. Atualmente o consultor é Rui Reguinga.
A vinícola está localizada nos arredores de Estremoz e pertence aos irmãos Luís e Carlos, geração mais nova da família Serrano Mira, tradicional produtora de uvas da região. Começaram a produzir seus próprios vinhos após 1999, quando foi inaugurada a vinícola própria. Não compram uvas, nem vinhos, tudo que produzem – cerca de 1,2 milhão de garrafas – vem dos 220 hectares de vinhedos que possuem.
HERDADE DO MOUCHÃO
Localizada em Sousel, alto Alentejo, Mouchão é uma das vinícolas mais reputadas de Portugal, desde sempre nas mãos da família inglesa Reynolds, que veio ao Alentejo interessada no negócio da cortiça. Com o passar do tempo, plantaram também vinhas e, em 1901, construíram a adega, que permanece praticamente inalterada desde então – para se ter uma ideia, somente em 1991 fizeram-se as instalações elétricas no local. A propriedade de mais de 900 hectares conta com 38 de videiras, sendo o vinhedo de Carapetos, plantado com uma seleção massal das primeiras mudas de Alicante Bouschet vindas da França (acredita-se que John Reynolds tenha sido o pioneiro a trabalhar com a cepa na região), o mais famoso deles. A fama vem do mítico vinho alentejano Tonel 3-4, elaborado a partir dessas uvas Alicante, advindas de parreiras com idade média de 40 anos e totalmente sem irrigação, o que é possível somente por estarem localizadas entre os rios Jordão e Almadafe. Para se ter uma ideia da tradição dessa casa, a primeira safra de seu tinto Mouchão foi a de 1954.
A nova e moderna vinícola, situada aos arredores de Évora, foi inaugurada em 2010. Atualmente, administra 300 hectares de vinhedos, sendo cerca de 100 hectares próprios. Elabora várias linhas de vinhos, nas mais variadas faixas de preço, com 70% da produção voltada para o mercado de exportação. Merecem destaque, além dos vinhos de alta gama, as linhas mais econômicas, com brancos e tintos de ótima relação qualidade preço. Em 2011, adquiriu a Herdade da Pimenta.
Um dos mais conceituados enólogos de Portugal, Luis Duarte trabalhou na Herdade do Esporão de 1987 até 2004. Começou seu projeto próprio no ano de 2003, quando adquiriu 15 hectares de vinhedos nas proximidades de Reguengos de Monsaraz. Além de elaborar seus próprios vinhos, atualmente Duarte presta consultoria a 10 vinícolas.
A propriedade de mais de 1.000 hectares está localizada nos arredores de Moura e o proprietário, José Venâncio, é um premiado produtor de queijos – delicioso DOP Moura – e de azeites. Em sua propriedade, possui 300 hectares de olivas e 23 hectares de vinhedos. Desde 2001, elabora seus próprios vinhos e atualmente produz cerca de 120 mil garrafas.
Projeto do casal holandês Inge e Cees de Bruin localizado na Vila dos Frades, em Vidigueira e que conta com a consultoria do enólogo Rui Reguinga para a elaboração de toda a linha de vinhos. Possui 39 hectares de vinhedos próprios e uma moderna e pequena vinícola em forma circular, toda por gravidade, de onde se tem uma linda vista de parte dos vinhedos da propriedade. Atualmente produzem cerca de 180 mil garrafas, sendo 50% exportadas.