Ícone do vinho chileno, Don Melchor ganha château para ficar ainda melhor

Redação Publicado em 04/03/2020, às 13h50 - Atualizado em 26/03/2020, às 14h50

Em sua trigésima safra, Don Melchior torna-se um projeto "independente"

Don Melchor sempre foi um vinho de destaque no Brasil e faz parte do panteão de ícones chilenos. Já participamos de diversas degustações memoráveis e comemorações da história deste vinho. Nas últimas duas décadas, Don Melchor já era trabalhado praticamente como um projeto separado dentro da gigante Concha y Toro; e agora, na celebração da 30ª safra de Don Melchor, dá seu maior passo, ao tornar-se uma vinícola independente, ainda que pertencente ao grupo. Em nossa avaliação, essa decisão libera Don Melchor para alcançar seu potencial pleno e buscar ainda maior reconhecimento mundial.  

Enrique Tirado, que desde 1993 está na companhia e era responsável pelas marcas permium, em 1997 assumiu a função de enólogo chefe, com dedicação integral a Don Melchor. Dentre os ícones chilenos, Don Melchor talvez tenha sido o que menos se moveu ao sabor das modas. Manteve-se fiel a seu estilo clássico e executou um trabalho de sintonia fina com uma profundidade de conhecimento e condução que uniu o artesanal e a tecnologia de ponta. 

 

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Um dia, Tirado subiu na caçamba da caminhonete e viu que áreas do vinhedo tinham cores e texturas distintas. E, como ele próprio explica, “sou navegador e sempre olhamos o mar e vemos as cores e texturas para escolher o melhor caminho”. Já em 2002, num mergulho de ultraespecialiazação, ele iniciou o mapeamento dos vinhedos a partir de um estudo de solos e terroir com uso intenso de tecnologia. 

Mapa 

O mapeamento do vinhedo de 127 hectares passa pela separação em sete lotes distintos de Cabernet Sauvignon (90% do total), dois de Cabernet Franc (7,1% do total), um de Merlot (1,9% do total) e um de Petit Verdot (1% do total). Mas não para por aí. Os sete lotes de Cabernet Sauvignon dão origem a 142 parcelas distintas. Colhidas e vinificadas em separado e depois selecionadas para compor um blend de Cabernet Sauvignon que é a base para a mistura final. 

Um grande número de fatores é levado em conta para determinar essas parcelas, entre eles, o conteúdo, tamanho e a distribuição das pedras, o crescimento das raízes, o conteúdo de argila, areia, limo, nutrientes – como nitrogênio, fósforo, potássio, carbonatos e cálcio –, bem como o conteúdo de matéria orgânica e a capacidade de retenção de água. E cada qual influencia e gera diferentes expressões nos vinhos. 

Os vinhedos mais novos de Cabernet Sauvignon são justamente os da parcela 7 e foram plantados em 2004. Com o tempo, Merlot vem perdendo espaço e Cabernet Franc crescendo. 

Nova safra 

Já havíamos degustado amostras de barrica da safra 2017 em visita à vinícola em 2018 e vimos a magia do blend acontecendo à nossa frente. Desta vez, degustamos o blend final. Nesta edição comemorativa, que é a safra 2017, o corte leva 98 % de Cabernet Sauvignon e 2 % de Cabernet Franc. E passou 15 meses em barricas de carvalho francês, 67% de primeiro uso e 33% de segundo. 

Percebemos que, dos ícones chilenos, Don Melchor é dos que menos se desviaram de seu caminho para seguir tendências, seja no reinado Parker, seja nas outras modas que se seguiram. Don Melchor vai melhorando em seu próprio ritmo, sempre fiel a sua visão e a seu estilo, e desenhado para vencer o tempo. Por isso, cabe descrevê-lo mais de uma vez como um corredor de maratona e não de 100 metros rasos. Acredito que esta é sua maior virtude, mas também o penaliza, pois, ao degustá-lo em seu lançamento, ele não recebe as pontuações a que terá direito quando for degustado anos mais tarde. Mas isso é Enrique Tirado e isso é Don Melchor, e explica o mote da nova Viña Don Melchor: uma história, um terroir e um vinho. 

Agora uma vinícola independente da Concha Y Toro, Don Melchor deve alçar voos ainda mais altos

Nova etapa 

“Com a criação da Viña Don Melchor, estamos focados na produção de apenas um vinho, e queremos fazer um vinho que é a pura expressão desta origem”, explica Tirado. Essa transformação de vinho em vinícola pode parecer sutil, mas é muito profunda. Tirado, além de enólogo, torna-se gerente geral deste novo château chileno. E isso libera Don Melchor para voos ainda mais altos. Os grandes châteaux de Bordeaux, seu vizinho Almaviva e o ícone californiano Opus One, são exemplos de que os grandes vinhos merecem atenção exclusiva e espaço para trilhar seu próprio caminho e estratégia. 

Segundo Enrique Tirado, a criação da Viña Don Melchor responde ao interesse de agregar valor à marca focando canais de distribuição de alta imagem e aqueles mercados nos quais há grande potencial de crescimento. “A desvinculação da Concha y Toro era o passo seguinte em nosso caminho. Um movimento lógico no crescimento de Don Melchor que, há mais de 10 anos, funciona de maneira autônoma em termos de manejo agrícola e enológico”, sintetiza. 

Em um jantar de apresentação da Viña Don Melchor no Brasil, Tirado selecionou algumas outras safras históricas para serem degustadas ao lado de 2017. Todas grandes! Entre elas 1987, a primeira de todas, 1995 (ano em que nasce Almaviva e Don Melchor cede metade de seus vinhedos para que este outro ícone de Puente Alto possa vir ao mundo), 2001 (um dos meus preferidos de sempre) e 2013 (que é preciso como uma espada). 

 

Vinhos avaliados 

 

Don Melchor 2017 - (AD: 96 pts)

Viña Don Melchor, Puente Alto, Chile (VCT). O primeiro desta nova vinha Don Melchor e, até por isso, um exemplar de colecionador. Contém 98% de Cabernet Sauvignon e 2% de Cabernet Franc. Tem frutas vermelhas e muita mineralidade. Um mistura de mirtilo, ervas, cinzas frias. Taninos lindos e acidez vibrante. E ainda pimenta com toque medicinal. De todos que degustei em lançamento, parece ser o Don Melchor que se mostra mais longevo desde o princípio e é um fiel representante destes tempos felizes em que grandes vinhos já nascem bons de tomar. O final de boca revela sua jovialidade com a presença do lácteo da madeira de qualidade, que, com elegância, vai se integrar perfeitamente em mais cinco anos, quando certamente o avaliaremos com nota ainda mais alta. Don Melchor é um corredor de maratonas...

  

Don Melchor 1987 - (AD: 95 pts)

Concha y Toro, Puente Alto, Chile (VCT). Estilo de fruta escura, madura e exuberante no nariz andando junto com potente caixa de charuto, verniz, balsâmico, ervas e um toque de chocolate. Em boca, tem taninos com textura que impressiona. Surpreende sobretudo pela fruta ainda muito viva, que juntamente com a acidez e a estrutura de taninos deve evoluir facilmente por mais uma década. Com o tempo em taça, as cinzas frias vão ganhando protagonismo aromático. Emociona pela longevidade de um highlander

 

Don Melchor 1995 - (AD: 95 pts)

Concha y Toro, Puente Alto, Chile (VCT). Com 97% de Cabernet Sauvignon e 3% de Merlot, foi a primeira safra em que a Merlot foi utilizada. Nariz com muito talco e fruta escura. Em boca, é concentrado e com muito cassis. Seus taninos afinados, prontos, e sua elegância fazem o 1987 parecer ainda mais jovem. Perfil mentolado esperado dos Cabernets do Chile, sobretudo nos anos 1990 e 2000, e também outro traço típico da goiaba que anda junto com ervas, tomilho, e toques de tabaco e cedro. 

 

Don Melchor 2001 - (AD: 94 pts)

Concha y Toro, Puente Alto, Chile (VCT). Aromas que vão do chocolate branco, groselha, mirtilo, à jabuticaba. Taninos presentes. Vibrante pela bela acidez que segue com o mentol exuberante, que se une ao caramelo e limpa o fim de boca. 

 

Don Melchor 2013 - (AD: 95 pts)

Concha y Toro, Puente Alto, Chile (VCT). O mais extremo e preciso de todos os que já degustei. Reflexo do ano mais frio da história de Don Melchor. Groselha, flores e mirtilos no nariz. Deliciosos taninos com força e estrutura. Alcaçuz, pimenta e especiarias doces. Mineralidade total com grafite e cinzas frias, e muitos anos pela frente.