Uma entrevista com o responsável pela centenária Maison de Champagne
Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan Publicado em 07/02/2022, às 13h00
A Casa de Champagne Drappier, fundada em 1808
Urville, sede da Champagne Drappier, está mais perto de Dijon do que de Reims. Esta pequena vila faz parte do departamento de Aube, que não costuma ser dos mais celebrados na região. A proximidade com a Borgonha certamente é uma das razões para que a Drappier, fundada em 1808, tenha a Pinot Noir como a casta principal de suas cuvées. Mas a influência da variedade, apesar de importante, definitivamente não é o principal diferencial dessa casa que está chegando à sua oitava geração pertencente à mesma família.
Hoje é Michel Drappier quem está por trás da uma empresa tradicional e ao mesmo tempo extremamente inovadora em Champagne.
Pode-se dizer que ele e seu pai, André – de 95 anos e que ainda participa do dia-a-dia da vinícola –, são os responsáveis por tornar Drappier não apenas uma marca de prestígio, como também uma referência para outras. Entre suas principais bandeiras está o trabalho com o meio ambiente, o que lhes rendeu ser o primeiro produtor de Champagne “neutro em carbono” em 2016.
No entanto, o pioneirismo de Drappier não para por aí. Ela foi uma das primeiras empresas engarrafar cuvées sem sulfitos, a resgatar variedades históricas, a utilizar barricas de formato oval e a experimentar o envelhecimento de garrafas no mar, por exemplo. Para entender um pouco como essa histórica casa é capaz de criar tanto em uma região pautada pela tradição, conversamos longamente com Michel Drappier, que falou com fervor sobre seus métodos e filosofia. Confira.
Como uma empresa familiar, o nosso primeiro objetivo é nos mantermos independentes, portanto ser independente é o nosso lema. Queremos fazer o que gostamos de fazer. Somos muito egoístas [risos]. Gostamos de beber nosso Champagne, beber o que produzimos. Comecei em 1975 e a minha geração teve como mote, em vez de agradar o mercado, fazer o Champagne de que minha família gosta e tentar encontrar o consumidor que gosta do tipo de Champagne que produzimos.
A proximidade com a Borgonha é uma das razões para que a Drappier tenha a Pinot Noir como a casta principal
Estamos em solo jurássico Kimmeridgian, que é um Grand Cru, um tipo de solo que você encontra em Chablis. Mas estamos em Champagne. Um clima diferente, variedades diferentes, porque plantamos Pinot Noir em um solo onde normalmente deveria ser Chardonnay. Então tudo é um pouco especial é, às vezes, paradoxal. Temos um estilo que é único.
A história da Pinot em Champagne deve-se a Saint Bernard de Clairvaux, um monge cisterciense que se mudou para cá em 1115 para fundar sua própria abadia. Ele trouxe as primeiras mudas, pois tinha a ideia de produzir um tinto como o da Borgonha. Uma de suas adegas mais tarde se tornou um presbitério que adquirimos em 1955. Então, há 800 anos, a Pinot Noir começou em Champagne, aqui no meu vilarejo, e foi se disseminando ao norte até Reims e Épernay. Depois da filoxera, meu avô, Georges Collot foi quem reintroduziu a Pinot na região e até hoje somos muito fiéis a essa variedade.
Nos anos 1970, introduzi mais Chardonnay porque fiz meus estudos na Borgonha. Tínhamos cerca de 3 a 4% Chardonnay e agora temos 15%. E, no ano 2000, tínhamos um pouco de Arbane, Petit Meslier e Blanc Vrai (nome champenois para Pinot Blanc) e isso quase desapareceu porque, você sabe, é difícil de cultivar. E pensei: “É muito importante manter isso”. Primeiro, pela curiosidade de saber como seria o seu sabor quando bem feito com vinificação moderna. E o aquecimento global também foi uma questão. Como o aquecimento global afetaria positiva ou negativamente essas variedades e como podemos trabalhar com isso 1000 anos depois de ter sido introduzido em Champagne? Decidi plantar uma parcela com essa cepas e criar uma nova cuvée, a Quattuor, feita com quatro variedades brancas. É como uma velha igreja. Nosso dever é mantê-la. É uma conservação.
Ela dá frutas, vinosidade. Não queremos fazer algo leve, refrescante, doce. A ideia é que gostem do produto pelo que ele é, pelo buquê, pela mineralidade do solo. Isso nos dá um equilíbrio entre a mineralidade (quase a salinidade do solo – às vezes, quase com tons iodados) e a fruta da Pinot. Tudo é uma combinação da pedra calcária sob o sol do verão com a polpa. E isso é algo que esteve escondido em Champagne por 300 anos. As pessoas tentaram remover a cor do Pinot filtrando o vinho base. Remove-se a cor para torná-lo um lindo Channel No5, mas não é a cor real do Champagne. A cor real às vezes é um cinza, pérola, cobre e, quando você consegue essa cor, obtém a fruta certa e os verdadeiros aromas. Então, para nós também é importante expressar o que o terroir nos deu e fazer algo talvez às vezes desequilibrado, mas muito verdadeiro e muito puro.
Não fomos os primeiros em Champagne a ser orgânicos ou biodinâmicos. Mas fomos os primeiros a fazer e lançar um Champagne sem sulfito. No ano 2000 foi o primeiro, mas não tive sucesso, 2002 foi muito bom, assim como 2003 e 2004 e, assim por diante, então depois de alguns anos de experiência, em 2007, foi realmente o primeiro ano em que lançamos o Brut Nature Sans Soufre. Até agora, é muito bem sucedido e não temos nenhum problema de oxidação, muito por causa da alta acidez, do dióxido de carbono, de uma fermentação à baixa temperatura etc. Por todas essas razões, a prise de mousse é muito longa, de 6 a 7 meses, ao invés de dois meses. Assim, quanto mais o gás estiver mais integrado ao vinho melhor a proteção. Desenhei uma garrafa que protege o Champagne, cor escura, contra raios ultravioleta. Bem, tudo foi concebido para proteger essa cuvée.
André Drappier, aos 95 anos, ainda participa do dia a dia da vinícola
Porque meu pai e eu somos alérgicos [risos].
Fazer um Brut Nature é reduzir a quantidade de açúcar que usamos (que já é muito baixa na Drappier, de zero a algumas gramas). Esse é um problema porque o açúcar ajuda a manter o Champagne e também dá equilíbrio. Com menos ou nenhum açúcar significa por que você obtém o vinho verdadeiro, então precisa trabalhar na fruta, na vinha. Portanto, ser orgânico é importante porque você não quer ter uvas com pesticidas. Qualquer coisa na fruta ou dentro da fruta será revelado pela fermentação, ou pelas duas fermentações. Então para evitar a botrytis, por exemplo, usamos a grama, que bombeia o nitrogênio naturalmente, e como há menos nitrogênio na vinha, ele é menos sensível à botrytis. Portanto, é todo um conceito de ser equilibrado. Você obtém menos uvas, mas mais puras. Colhemos à mão, é claro, para que possamos obter os melhores frutos e então pressionamos suavemente – nunca usamos a segunda e a terceira prensagem em Drapper. A temperatura de fermentação é baixa. Quando você é orgânico, tem uma acidez maior, e isso mantém o vinho (é um conservante), além do dióxido de carbono... Por todas essas razões, podemos fazer Champanhe pouco sulfito ou sem sulfito.
Como temos muito baixo teor de enxofre, a fermentação malolática é feita quase 100% das vezes. A primeira coisa para evitar a malolática é usar enxofre e, porque não usamos, temos bilhões de baterias maloláticas vivendo em nossa vinícola. É quase automático. É muito raro o vinho não fazer fermentação malolática, e quando não faz naturalmente é porque não quer. E então não insistimos. Significa que ele está estável o suficiente com o ácido málico e vamos usá-lo assim, ou vamos misturá-lo. A fermentação malolática ocorreu 98% das vezes nos últimos 40 anos.
Começamos há 10 anos com uma barrica. O ovo é a forma absoluta como recipiente para o vinho por causa da rotação do planeta etc. Tudo é ideal nele. Há alguns anos, as pessoas estavam usando a forma de ovo em concreto ou argila. Na argila havia muita oxidação e não era adequada para o tipo de vinho que produzimos. Já o concreto eu sou totalmente contra pessoalmente, porque libera alguns componentes com os quais não fico muito feliz. Poderia ter sido de aço inoxidável. Mas você consegue o efeito positivo da forma, mas não do material. O carvalho é bom porque tem um pouco de “respiração”, então decidimos fazer. É muito, muito caro. Porque um barril desse tipo é complicado de produzir e queríamos fazê-lo com carvalho da região norte da Borgonha, ao sul de Champagne. Por todos esses motivos, ficou muito caro e em 2010 finalmente um Ovum foi criado e começamos. O ano de 2010 é uma safra muito boa, mas depois de três anos de maturação, achamos que estava muito bom, mas queríamos algo realmente único. Então decidimos não usar. Ele foi misturado no Grande Sendrée 2010 que estamos vendendo hoje. Então fizemos novamente na safra 2012, que é fantástica. Amadureceu por três anos na barrica. Foi engarrafado em 2015 e espero que possamos lançá-lo no próximo ano. É uma nova cuvée. Vai ser cara porque o barril é uma fortuna, e compramos apenas um a cada três anos, então é um grande investimento, mas gostamos de fazer isso. Provavelmente levará 10 a 15 anos para saber exatamente o que estamos fazendo.
A barrica em forma de ovo da Drappier
A ideia de amadurecer a garrafa no fundo do mar é não ter “ar condicionado”. Você não precisa pagar pelo controle de temperatura porque é natural. É muito importante onde você coloca as garrafas, não pode ser no mar tropical. Tem que ser na temperatura certa, na luz certa e na profundidade certa. Tentamos em quatro locais e agora temos um acordo especial com a república francesa. Alugamos um pedaço do fundo do oceano na Bretanha e colocamos gaiolas de garrafas a 35 metros de profundidade. A pressão nessa profundidade é quase equivalente à pressão dentro da garrafa, porque não queremos que a água entre na garrafa, para que não haja risco. A temperatura é exatamente a mesma de uma cave de Champagne, cerca de 10ºC. É ainda melhor do que isso porque eu acho que a cave não deve ter uma temperatura constante, acho que deve ter variações. Existe vida, tudo está relacionado com ciclos, então a cave deve ter de 9 a 13 graus. Então o vinho sabe que há temporadas no mar e não há luz porque, na Bretanha, é profundo e escuro. A maturação é fantástica porque é como se você cozinhasse em “banho maria”. Para mim é provavelmente a maneira ideal de guardar Champagne.
Foi por isso que tentamos em lugares diferentes. E acabamos no norte da Bretanha no oeste das ilhas Jersey e Guernsey, onde temos a profundidade e temperatura ideais, e temos ondas. Mas não muitas, para que haja um movimento e o Champagne é agitado suavemente. Isso faz parte da vida do Champagne também.
O nome Grande Sendrée remonta a 1836 quando tivemos um incêndio que destruiu metade do vilarejo e a floresta ao redor, uma inclinação voltada para o leste, que queimou e deixou uma camada de cinzas de 20 centímetros no solo. Ali meu tataravô decidiu plantar uvas. E a vinha estava crescendo muito bem. A fruta era linda e se tornou a parcela icônica da propriedade da família, porque era ótima. E chamavam o lugar de “le vigne de cendres”, o vinhedo das cinzas. Eles eram bons produtores de vinho, mas não muito bons em escrever em francês. E quando eles escreveram o nome, colocaram um S em Sendrée, onde deveria ser um C. Mantivemos o erro no rótulo. O que aprendemos recentemente, talvez 15 anos atrás, é que também não tínhamos muitas doenças neste vinhedo. A razão era muito simples: o fogo queimou as pragas. Hoje é 55% Pinot Noir e 45% Chardonnay, sempre com 10 anos, de 30 a 40% em barricas de carvalho com baixo teor de dosagem, apenas 4 gramas, muito, muito seco. Usamos cana-de-açúcar orgânica do Caribe para o licor de expedição. Nós a derretemos e amadurecemos de 15 a 25 anos. Grande Sendrée é o resumo do estilo Drappier de Pinot frutado com baixo teor de sulfito, muito intenso.
Gostamos dos vinhos naturais com pouco enxofre. Não filtramos e somos neutros em carbono – os únicos em Champagne e estou surpreso que não haja mais produtores “neutros”, porque é viável. É um investimento de longo prazo, mas é viável. Ser neutro em carbono não tem efeito sobre a qualidade do nosso vinho. É apenas uma forma de ser gentil com o ambiente. Champagne é um Patrimônio Mundial pela UNESCO, então acho que é nosso dever. Espero que meus netos, meu sangue, aproveitem o benefício disso. Portanto, é uma forma de ser imortal.
Esse extra brut é elaborado pelo método tradicional e composto de Pinot Noir (80%), Chardonnay (15%) e Pinot Meunier (5%). Ele conta com estágio de 5% do vinho base em carvalho e é mantido por 30 meses em contato com as leveduras. Harmonioso e refrescante, tem bom volume de boca, acidez afiada, textura cremosa e final persistente.
Extra brut elaborado pelo método tradicional a partir de 60% Pinot Noir e 40% Chardonnay, com estágio de 60% do vinho base em barricas de carvalho e mantido por 48 meses em contato com as leveduras antes da degola. Fresco e vertical, surpreende pela profundidade e pela textura cremosa, tudo envolto por vibrante acidez.
Este extra brut rosé, elaborado pelo método tradicional, é composto exclusivamente por uvas Pinot Noir, com estágio de 5% do vinho base em carvalho e mantido por 30 meses em contato com as leveduras. Mostra fragrantes aromas de frutas vermelhas e cítricas maduras. Tem acidez vibrante, textura firme e cremosa e final fresco e cativante.
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