A história do cognac surgida do sonho diabólico passa ainda por navios nórdicos, pragas em vinhedos e a perda de milhões de garrafas por ano
Redação Publicado em 05/06/2022, às 13h30
Sonho diabólico originou o Cognac, produto da destilação de vinhos brancos, basicamente da casta Ugni Blanc, o Cognac é uma bebida que, durante longa permanência em barricas, se apropria da cor e dos aromas que o carvalho lhe transfere. Mas a origem do cognac é mais romântica e cercada de lendas.
A bebida nasceu em uma região francesa conhecida como Saintonge.
Apesar de os primeiros vinhos na região remeterem à época de Probo, imperador romano entre 276 e 282 da nossa era, que estendeu o privilégio de possuir vinhedos à toda a Gália, o nascimento do cognac como conhecemos só aconteceu quase 1000 anos mais tarde.
A história conta que no século 12, quando navios vindos da Noruega com carregamento de sal, principal produto do comércio de Saintonge até então, começaram a incluir vinhos locais em seu caminho de volta.
Porém, logo apareceram os problemas. O vinho tinha vida curta e, em entendimentos com os vinicultores franceses, concluiu-se que seria necessário destilar o produto para aguentar a viagem até o país nórdico.
Com a destilação, o volume de carga diminuiu consideravelmente e aumentou sua durabilidade.
A bebida tinha um forte gosto de álcool, porém, como para fazer o transporte foram utilizados barris de carvalho, notou-se que ela envelhecia muito bem nesse tipo de armazenagem. E, assim, era suavizada para ser consumida pura.
Surgia então o cognac, que ganhou o nome da comuna francesa onde era produzida.
Muito mais tarde, a invasão da phylloxera durante os anos de 1870 afetou a história da bebida.
O mal se dá depois que o inseto deposita seus ovos nas folhas, causando uma erupção de ninfas que atacam as raízes da parreira. A raiz apodrece lentamente e a planta progressivamente morre.
A phylloxera se espalhou, devastando tudo pela região de Cognac. Muitos vinhedos foram destruídos e desvalorizados. Para se ter uma ideia, antes da chegada do phylloxera, um hectare valia 7 mil francos; depois da crise, não custava mais do que 600!
A enxertia, conheça mais dela aqui, foi utilizada para acabar com a praga e logo a bebida retomou seu status. Tanto que em 1909 a região já recebeu o status de Apelação de Origem Controlada.
A colheita inicia normalmente em outubro com as uvas já bem maduras e elas vão direto para o processo conhecido como maceração. Aqui, o suco é deixado para fermentar e os açúcares se transformam em álcool; a adição de açúcar não é permitida.
Depois, o vinho é armazenado com seus resíduos. Tanto o processo de maceração, quanto o de fermentação têm grande importância na qualidade final do vinho que passa por três semanas de fermentação e por enquanto tem apenas cerca de 8% de volume de álcool.
Nesse ponto estão perfeitos para serem destilados.
O destilador utilizado na região é totalmente feito de cobre, material que tem efeito catalisador e não afeta os sabores do vinho. A parte inferior do caldeirão - onde fica o líquido a ser destilado - fica em permanente contato com a chama da fornalha. O vinho é uniformemente aquecido, com seus resíduos, através de uma grande superfície. Os álcoois e éteres evaporam, são canalizados, depois são condensados e coletados em forma de líquido.
A destilação acontece em duas fases, por meio de dois circuitos de aquecimento chamados "chauffes".
O primeiro, que demora de oito a dez horas, produz um líquido turvo, com 24 a 30% de volume de álcool. Esse líquido, chamado "brouillis" é depois redestilado. O segundo aquecimento leva cerca de 12 horas.
Desta vez, apenas o melhor, ou "o coração" da destilação, é mantido. O destilador separa o "heart" (coração) do "head" (cabeça) e do "tail" (cauda), através de um processo chamado "cutting" (corte ou separação).
Um processo semelhante é usado para elaboração da nossa cachaça, por exemplo. O "head" e o "tail" são misturados à próxima porção de vinho e são redestilados. Fica somente o "coração", com volume de álcool entre 68 e 72%.
O vinho destilado ainda envelhece antes de se tornar cognac.
O envelhecimento é feito em barris de carvalho de 270 a 450 litros e pode durara anos. O nível natural de umidade nos ambientes são um dos principais fatores no amadurecimento dos aromas, devido à evaporação.
Afinal, nesse período, o cognac perde de 3 a 4% de seu volume alcoólico, por ano ou absurdas 27 milhões de garrafas por ano!
Apesar de ser uma perda, é necessária para a maturação do processo e é poeticamente conhecida como "a parte dos anjos".
Como todo produto famoso, o cognac também tem sua lenda.
Diz-se que o segredo da dupla destilação foi descoberto no século 16, pelo cavaleiro Jacques de la Croix-Maron, durante um pesadelo: Satanás, desejando a alma do cognac, tentou fervê-lo sem sucesso.
Quando o demônio ameaçou fervê-lo novamente, o cavaleiro acordou repentinamente e convenceu-se de que, destilando seu vinho pela segunda vez a qualidade melhoraria. Assim fez e assim constatou.