Os vinhos mais interessantes de Chianti ainda estão por vir

Redação Publicado em 17/03/2020, às 15h07 - Atualizado em 26/03/2020, às 14h19

Segundo Roberto Stucchi Prinetti, os vinhos mais interessantes da região ainda estão por vir 

Donos da Badia a Coltibuono desde 1846, a família Stucchi Prinetti pode dizer que viveu todos as fases da história de Chianti com seus altos e baixos. Já são seis gerações se sucedendo no comando da propriedade no coração da zona do Chianti Classico. Roberto Stucchi Prinetti, filho de Piero, lembra de ter ouvido seu pai falar em vender a propriedade nos anos 1960, pois não dava lucro. Ainda assim, o pai a manteve com seu trabalho em Milão, onde a família vivia – “íamos passar férias na Toscana”, recorda. 

Mesmo morando em Milão, Roberto apaixonou-se pelo campo e acabou sendo o primeiro membro da família a se envolver diretamente na enologia. Após estudar agricultura e se encantar pelos preceitos que levam ao cultivo biológico (também dito orgânico, que propõe culturas sustentáveis sem o uso de produtos químicos), foi à Califórnia, onde se especializou em enologia na prestigiada UC Davis. De volta à Itália, decidiu implementar o que aprendeu na Badia a Coltibuono. 

Assim, a propriedade se tornou referência de cultivo biológico e sustentável, ao mesmo tempo em que se enraizou definitivamente com as tradições locais para mostrar o que de melhor pode ser feito com as castas autóctones. Nesse meio tempo, a Badia ainda se transformou em um ponto imprescindível de enoturismo na região com o trunfo de oferecer cursos com Lorenza de’ Medici di Ottajano, mãe de Roberto e uma das mais reverenciadas escritoras de culinária italiana. 

Roberto vivenciou um momento de transição em Chianti e tem visões muito interessantes sobre formas de cultivo, atuação diante das mudanças climáticas e também sobre a política do consórcio que rege Chianti Classico. Vale a pena conhecer essas opiniões. 

 "Sempre pensei que, em Chianti, se precisava fazer Chianti que fosse Chianti, só com variedades autóctones tradicionais", afirma Roberto Prinetti

Como você começou no mundo do vinho? 

O monastério é de 1051, a família comprou a propriedade em 1846 e meu pai a manteve fazendo outros trabalhos. Vivíamos em Milão e íamos para lá de férias. Comecei a estudar agricultura, em Milão, nos anos 1970. Depois trabalhei na Abadia como operário em 1981, comecei da base. Depois, fui aos Estados Unidos e estudei enologia na UC Davis. Trabalhei um ano na vinícola Chappellet, no Napa, e, em 1985, voltei. 

 

Não era possível estudar enologia na Itália na época? 

Nos anos 1980, havia universidade agrária, de agricultura, mas programa especializado em enologia não havia. Só depois nasceram. Mas fui aos Estados Unidos não pela enologia, mas para estudar agricultura, silvicultura, depois que comecei a trabalhar na Abadia é que passei a olhar para o vinho... 

 

O que levou de aprendizado nos Estados Unidos para a Itália? 

Logo comecei uma abordagem um pouco orgânica, natural, biológica, pois aprendi, nos anos 1970, ainda perto de Milão, sobre biodinâmica. Na Califórnia conheci o início do mundo biológico, nos anos 1980. E então decidi que esse era o caminho, da agricultura sã, eliminar pesticidas e herbicidas, e assim chegamos a uma agricultura plenamente biológica nos anos 1990. A outra coisa é que, sendo formado na Califórnia, sempre pensei que em Chianti se precisava fazer Chianti que fosse Chianti, só com variedades autóctones tradicionais com seleção massal. Replantamos todos os vinhedos a partir dos anos 1980, mas partindo da nossa seleção, com 600 vinhas-mãe de nosso vinhedo antigo para manter um pouco o caráter do vinho de Coltibuono. 

 

Sua agricultura é biodinâmica? 

Eu brinco, pois sou muito inspirado pela biodinâmica, mas não faço biodinâmico, não uso os preparados. Mas a primeira escola de agricultura biológica foi a biodinâmica. Um curso que fiz em 1978 perto de Milão me abriu a mente, mas não abracei a parte espiritual. Isso me ensinou muito sobre a biodiversidade, cultura sã. Gosto muito da abordagem que encontrei na Califórnia, pois a biodinâmica é uma raiz da agricultura biológica, como outras tantas raízes. Gosto de aprender com todos com os que trabalham o vinho de modo natural, mas como tudo hoje é uma guerra de tribos... Estamos todos fazendo coisas bastantes similares, mas com diferenças, e gosto de ter pontos em comum e aprender o que funciona melhor. Explico que não somos naturais, somos biológicos, mas não biodinâmicos... Muitas coisas são próximas dos vinhos naturais, mas é uma definição um pouco vaga, e biológica tem uma certificação e um significado muito claro. Hoje Chianti Classico está bastante avançado na agricultura biológica e um terço dos vinhedos são certificados como biológicos, e estamos muito contentes com isso. 

 

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Tem crescido o número de agricultores orgânicos? 

Não vamos ter tudo biológico, mas faremos mais, pois ser biológico não é só uma questão de certificação, o que importa é uma agricultura sã, que melhore a qualidade. Deve-se ainda colocar outras culturas, não só a vinha. Antes se produziam mais coisas, hoje menos, pois se foca no vinho, mas tentamos colocar olivas, cereais, com o tempo teremos mais biodiversidade, mais produtos. 

 

Vocês são muito tradicionalistas. Não pensa em fazer Supertoscanos? 

Fazemos Supertoscanos só com Sangiovese [risos]. Na época, não se podia fazer Chianti Classico com uvas de fora e não me interessava fazer, pois me agrada a elegância da Sangiovese. O movimento de variedades francesas era para dar cor, potência, estrutura, e não busco isso. Gosto da leveza e do frescor, apesar de no clima de hoje ser um pouco difícil. Antes colhíamos no fim de outubro, estamos colhendo em setembro; colhíamos com 12 graus de álcool, agora com 14, 15. Foi mudando pouco a pouco. Estamos aprendendo. 

 

Como as mudanças climáticas estão afetando a região? O que fazem para amenizar os efeitos? 

Para ter boa maturação, o álcool é mais alto. Estamos tentando ter mais proteção contra o sol, deixamos um pouco mais de uva nas vinhas para retardar a maturação, não fazemos desfolha. Ou seja, mudou um pouco a viticultura, que de clima frio se tornou uma viticultura de clima quente. Também tem um pouco de trabalho na terra, com grama que ajuda a manter a umidade. Na Badia usamos quase só seleções massais, isso ajuda a manter o frescor, pois há muitas variantes em maturação. Nas últimas safras estamos encontrando um equilíbrio melhor, mas cada ano é um novo recomeço, pois batemos o recorde de chuva, de acidez, de vento, de tudo... mas, em suma, o vinho não é o problema, o problema é o resto. 

 

Como definiria Chianti? 

É uma região desafiadora, grande, competitiva, viva. Chianti é um dos vinhos mais conhecidos do mundo, mas dos menos compreendidos. Pois é complicado, Chianti Classico são nove comunas, muito diversas, vinhedos de 250 a 650 metros, solos de argila até areia, e variedades; Sangiovese é a maioria, mas tem as castas tradicionais. A Sangiovese é muito flexível, ela depende de como você a trata. Há quem faça vinhos muito potentes e outros que fazem vinhos mais elegantes. Para compreender Chianti é preciso começar a dividir as regiões, deveria ter 30, 35, 40 regiões com um mapa detalhado para entender o território. 

 

Você costuma dizer que Chianti é uma região jovem... 

A região é, no fim das contas, muito jovem, uma coisa que é pouco entendida. Há uma longa história, muito antiga, mas tudo foi replantado. Os vinhedos em Chianti nasceram no final dos anos 1960, antes eram promíscuos. Depois foram replantados nos anos 1980. Ou seja, há vinhedos de no máximo 30 anos, como uma região jovem, e, com o clima mudando, estamos aprendendo, coletivamente. As coisas mais interessantes em Chianti estão chegando agora. 

 

O que acha da classificação recente de Chianti Gran Selezione, acima dos Riserva? 

Não faço Gran Selezione, o que já é uma resposta. Não é uma categoria muito bem definida. Onde está a diferença? Há tantos vinhos Gran Selezione ótimos, mas é uma categoria que não me parece que tenha muita substância. Os vinhos são ótimos, mas talvez essa categoria não fosse necessária. Para mim, era necessário ter o terroir, falar de Gaiole, Rada, Greve etc. Isso dá a textura do território, mostra a diferença... Mas de qualquer forma Gran Selezione trouxe um pouco de atenção, trouxe um nível de qualidade alto... Mas o que faria mais pela região seria a menção geográfica, falar do território. Muitos produtores fazem Gran Selezione, mas outros tantos não; somos 300 e cerca de 100 fazem, mas é dominado por alguns grandes nomes, então digamos que serviu muito para as grandes marcas. Chianti é uma zona complexa. O topo da pirâmide teoricamente seria Gran Selezione, Riserva, mas também alguns IGT, muitos aliás, como os Supertoscanos – muitos dos que promoveram Gran Selezione fazem vinhos IGT (indicação geográfica típica) fora das regras. 

 

"Chianti é um dos vinhos mais conhecidos do mundo, mas dos menos compreendidos"

 

A nova geração dos Stucchi Prinetti vai dar sequência ao trabalho na Badia a Coltibuono? Quantos netos são? 

Muitos... [risos] Somos em irmãos (Paolo, Roberto, Emanuela e Guido) e todos temos filhos. É complicado. São 11 ao todo. Não terá lugar para todos. Mas, vejamos, um passo de cada vez. Tenho três filhas, mas elas já se ocupam de outra coisa.