por Christian Burgos
No livro "What if", Robert Cowley explora como a história tomaria rumos distintos se alguns fatos tivessem acontecido de maneira diversa do que aconteceram. A história de muitos portugueses, e por consequência a história de como suas vidas afetaram outras histórias, foi profundamente desviada de seu rumo no dia 25 de abril de 1974, a data da Revolução dos Cravos, uma data tão forte que, em Portugal, uma menção a ela já dá contexto ao discurso.
Foi assim que José Francisco Martins Chicau, pai de Manuel Chicau, veio ao Brasil à procura de um local onde sua família pudesse progredir. Não foi a perseguição política ou cerceamento à liberdade de expressão que motivaram a mudança, mas sim o simples fato de que em Portugal as universidades foram fechadas a novos estudantes e seus filhos Manuel e José já pensavam que seu caminho talvez fosse ganhar a vida trabalhando como garçons em Paris.
Depois de alguns anos, os patriarcas da família Chicau e a filha Gisela voltaram a Portugal, mas foi impossível fazer com que os dois filhos abdicassem da eletrizante e promissora vida no Brasil. A lembrança do pacato ritmo da vida no interior de Portugal, onde o tempo passa mais devagar, certamente exerce um apelo diferente ao Manuel Chicau na casa dos 50 anos do que ao jovem na casa dos 20.
No Brasil, os irmãos Chicau foram um para publicidade e outro para engenharia civil, casaram-se com brasileiras, tiveram filhos brasileiros e passaram a amar o país que os acolheu sem perder o orgulho por suas raízes. E essas raízes, como a de muitos portugueses, foram regadas a vinho. O vinho era o alimento que fazia parte do dia-a-dia da família e também proporcionava grandes momentos, visto que os jovens Chicau participavam da colheita e da pisa para juntar dinheiro e passar as férias, com os pés manchados, nas praias do Algarve.
O 25 de abril afetou profundamente a história do vinho português quando o governo decidiu que o Alentejo seria o "celeiro da nação", obrigando a substituição de vinhedos e outras culturas pelo cultivo de cereais. Com isso, erradicaram-se vinhedos antigos e ficou adormecido esse gigante do cultivo de vinhos portugueses até a década de 1990.
Aqui no Brasil, é entusiasmante termos a oportunidade de presenciar e participar da implantação da cultura do vinho e viver um período em que a história dessa indústria vem sendo escrita por indivíduos capazes que iniciam com uma visão, e que depois, com competência e muito trabalho, seguiram para implantá-la. Esse é certamente o caso da Adega Alentejana, conduzida pelo casal Rosely dos Santos e Manuel Chicau, que sempre recebeu seus amigos em casa com vinhos portugueses e ouviu, há exatos 15 anos, a pergunta: "Que vinho delicioso, porque não conseguimos comprá-los no Brasil?".
Apesar do contrato social indicar uma data anterior, Chicau considera a data de 8 de maio de 2013 como o aniversário de 15 anos da empresa. "Afinal foi a data em que tínhamos alguma coisa para vender", explica o empresário, acrescentando que "se o primeiro container desse certo, tínhamos um negócio".
Rosely, uma competente analista de sistemas formada na USP, foi a primeira a largar o trabalho para se dedicar à companhia. E por cinco anos foi assim, Rosely no dia-a-dia e Chicau trabalhando de dia como executivo na Tecnisa e, nas horas livres, promovendo e vendendo vinhos com a equipe. "Naquela época, tinha que começar explicando o que era o Alentejo", afirma Chicau, que hoje é reconhecido como um dos grandes responsáveis pelo sucesso da região portuguesa. No comecinho da empresa, um competente e querido jornalista especializado brincou: "O mercado de vinho brasileiro está tão evoluído que tem até importadora especializada em uma região".
No natal de 2002 Manuel estava com a família na remota Mucugê e, quando pediu o vinho mais vendido da casa em uma pizzaria, trouxeram-lhe o Convento da Vila tinto, um de seus próprios vinhos. Isso foi o divisor de águas. Na volta para o hotel, informou a família que iria largar o emprego e se dedicar 100% à Adega Alentejana.
Chicau é um fã dos rincões brasileiros e há muito tempo acredita que há vida fora do eixo São Paulo-Rio, e é possível encontrá-lo em locais improváveis do país. Ele explica: "Tenho um grande barato em conhecer este Brasil afora". Daqueles dias até hoje, 818 contêineres passaram pela empresa que atualmente importa e distribui 120 contêineres por ano, e vai mudar seu depósito em São Paulo para fora do Rodoanel, pois os caminhões com contêineres de 40 pés não conseguem entrar na rua.
A oportunidade e pressão de mercado fizeram com que Chicau tivesse na Burmester a primeira marca de fora do Alentejo, e aí muitas outras se seguiram, formando um portfólio com 188 rótulos, de 27 produtores de 9 regiões diferentes, bem como azeites, alimentos e louças, sempre, contudo, de Portugal. Quando indagado se vai continuar expandindo o portfólio e enveredar em outros países, responde que "apenas se um de meus filhos decidir se dedicar à empresa". Fala isso com conhecimento de causa de que os filhos nem sempre fazem o que os pais esperam, e ainda assim podem trilhar um belo caminho.
ADEGA degustou alguns vinhos que marcaram os 15 anos de história da Adega Alentejana.
VINHOS AVALIADOSAD 90 pontos |
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