Perdas de vidas e de vinhos

O mais forte terremoto em mais de 40 anos no Chile ceifou vidas e refletiu na indústria vitivinícola do país

por Sílvia Mascella Rosa

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Tremor ocorrido em fevereiro deste ano no Chile só foi menor do que o que atingiu o país andino em 1960

O abalo sísmico que atingiu o Chile na madrugada de 27 de fevereiro alcançou 8,8 graus na escala Richter que, convencionalmente, vai até 9. Mesmo seu epicentro tendo sido no mar, numa profundidade de quase dez quilômetros, a segunda maior cidade chilena, Concepción (a 500 km de Santiago), sofreu enormes perdas humanas e materiais.

Para se ter uma ideia do alcance do terremoto, ele pode ser sentido até na cidade de São Paulo. Até o fechamento desta edição, o número de mortos ultrapassava 800. Este foi o maior tremor no país andino desde o grande abalo ocorrido em 1960, tido como o maior já registrado na história, com 9,5 graus.

O centro-sul foi o mais afetado e a indústria vitivinícola chilena, uma das mais importantes do país, foi bastante afetada. As regiões vinícolas estendem-se por quase toda a extensão do longo país, das margens do deserto de Atacama ao norte, até a Patagônia ao sul. Perdas consideráveis puderam ser percebidas principalmente nos vales próximos a Concepción. Itata, o vale mais ao norte da região, faz divisa com o último vale da região Central, o de Maule (o mais produtivo de todo o país), e ambos sofreram com terremotos de mais de 5 graus no domingo, além do grande abalo do sábado.

Em Itata estão localizados alguns dos vinhedos mais antigos do país, da época colonial quando os jesuítas trouxeram as primeiras mudas de vinhas da Espanha. O vale seguinte é o de Bío-Bío, uma zona relativamente nova na produção de vinhos, mas que possui enormes extensões de vinhedos e algumas vinícolas importantes como o Grupo Córpora e a vinícola Cono Sur.

Nesta época do ano, os vinhedos estão carregados de frutos, pois, em algumas regiões, a colheita das uvas brancas já começou e a maioria das tintas estão em processo final de maturação. O terremoto parece não ter causado estragos físicos nos vinhedos que não tinham construções por perto.

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“A vinha é uma planta relativamente pequena, mas com grande sistema radicular (raízes) e se não houver erosão do solo ou abalos muito fortes nos cachos, elas nada devem ter sofrido”, explica o enólogo da Embrapa Uva e Vinho, Dr. Celito Guerra. Por outro lado, grande parte dos vinhedos chilenos são irrigados através de sistemas de cânulas controlados com o uso de energia elétrica, e muitos deles sofreram danos por conta do terremoto. Além, é claro, dos sistemas de condução das vinhas, sustentados por vigas de madeira ou concreto e passíveis de movimentação quando de um sismo, que podem derrubar parte do parreiral.

Alívio

Já as instalações das vinícolas sofrem como qualquer outra construção, e até mais, ao levarmos em conta que grande parte dos estoques está engarrafada ou em tanques com temperatura controlada por energia elétrica. A diretora de comunicação da vinícola Undurraga, Carolina Gómez, explicou que mesmo para quem não está próximo das zonas mais afetadas, como é o caso da Undurraga – cujos vinhedos e cave estão nas regiões mais centrais e ao norte do país –, ocorreram rachaduras em cubas e perdas de garrafas em estoque.

“Estamos aliviados, pois, até agora, não contabilizamos nenhuma perda de vida entre nossos colaboradores, mas temos por certo perdas materiais estruturais na cave de Talagante, onde são feitos todos os vinhos da empresa. Quanto aos vinhedos, ainda não temos informações sobre possíveis perdas, mas estamos trabalhando para que a nova safra entre sem problemas na vinícola”, contou Carolina.

Muitas informações ainda são desencontradas e, por vezes, não fidedignas dos estragos mais graves em algumas vinícolas importantes, principalmente naquelas que conservam estruturas históricas de adobe (pequeno bloco de forma regular de argamassa de barro ordinário amassado com areia e palha, cortado em forma de tijolo e seco ao sol). A Concha y Toro, por exemplo, teve que parar por uma semana suas operações por conta de danos em algumas caves, falta de energia elétrica e outros problemas estruturais, no entanto, a cave subterrânea que guarda seus vinhos mais caros está intacta, o mesmo ocorrendo com a cave subterrânea da Viña Santa Carolina, que resistiu plenamente.

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Um caso confirmado, contudo, foi o da vinícola Viu Manent, no Vale de Colchagua, bem distante do epicentro, que sofreu um abalo significativo na área de recebimento de turistas, uma casa muito antiga preservada, que necessitará de uma reforma cuidadosa. A empresa, através de seu presidente, informou que as perdas de vinho não devem chegar a 15%, já contabilizados estragos na cave de vinificação e armazenamento e as perdas de garrafas quebradas no estoque. Mas a vinícola ressalta que não terá nenhum problema para receber a safra de 2010. Na vinícola O.Fournier, no Vale de Leyda, o laboratório ficou destruído, 15 barris quebraram e muitas garrafas foram perdidas, mas a empresa informa, aliviada, que todos os funcionários estão bem e que os consertos serão feitos assim que a água e a energia elétrica forem restabelecidas.


Epicentro do terremoto ocorreu no mar, 10 km distante de Concepción, e foi sentido em toda a extensão do país

Outra preocupação da indústria é com a saída dos vinhos do país. Os aeroportos estão finalmente retomando suas operações normais e o principal porto do país, o de Valparaíso, voltou a operar somente com parte de sua capacidade. Os outros portos, principalmente nas cidades próximas do epicentro, como Talcahuano, ainda não apresentam condições de uso. As autoridades acreditam que essa situação deve ser resolvida em breve, mas atrasos em envios de vinhos já comercializados deverão ocorrer.

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Os primeiros dados ofi ciais sobre as perdas informava que elas chegariam a 125 milhões de litros, somando vinhos a granel, engarrafados e de guarda, o equivalente a US$ 250 milhões. Felizmente para a indústria vitivinícola chilena, a colheita de 2009 foi abundante e os estoques alcançaram 1.010 milhões de litros, o que faz a perda ser equivalente a 12,5%

Perdas estimadas

Um comunicado da associação “Vinos de Chile”, enviado no final da semana seguinte ao terremoto, informava os primeiros dados oficiais sobre as perdas, que devem chegar a 125 milhões de litros, somando vinhos a granel, engarrafados e de guarda, o equivalente a US$ 250 milhões. Felizmente para a indústria chilena, a colheita de 2009 foi abundante e os estoques alcançaram 1.010 milhões de litros, o que faz a perda ser equivalente a 12,5%.

É sabido que quanto mais bem preparado o país, mais fácil é superar um episódio devastador e traumático como esse. O Chile, que para bem ou mal não é iniciante nesse tipo de ocorrência, foi rápido em levantar suas defesas e como goza de um governo forte e uma economia estável, deve voltar a normalidade em pouco tempo. As vinícolas estão, neste momento, buscando reparar com rapidez as estruturas necessárias para recebimento da nova safra em suas bodegas e despachando pedidos dentro das possibilidades que as estradas e portos permitem.

“Com o apoio e a confiança do trade e dos consumidores, a indústria do vinho no Chile se recuperará muito rápido e a colheita de 2010 será lembrada como uma muito especial. Ela terá sido fortalecida pela união e dinamismo dos produtores e do mercado que compreendem aquilo que nos é realmente fundamental, que é o fato de termos excepcionais condições naturais e o esforço de um país com irrevogável vocação vitícola, que nenhuma adversidade conseguirá diminuir”, afirmou José Miguel Viu, da Vinícola Viu Manent, em seu comunicado oficial.

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