Experiência curiosa tem origem na Roma antiga e agora renasce na mão dos portugueses
André De Fraia Publicado em 24/05/2021, às 13h30
Em Portugal há vinhos brancos sendo feitos com adição de água do mar
“De fato, trata-se de uma única experiência que fizemos pela primeira vez nesta vindima de 2020”, conta Anna Jorgensen, enóloga da premiada vinícola alentejana Cortes de Cima. A experiência que ela cita, bastante curiosa, é reviver uma técnica de produção da antiguidade: adicionar água do mar ao vinho.
Pode-se dizer que essa história começa há cerca de 2 mil anos nos mais antigos tratados sobre agricultura, como o “De Re Rustica” de Columella, ou ainda nos manuscritos de Catão, o Velho, em que se falava sobre vinhos produzidos na ilha grega de Kos, dando detalhes de sua produção.
Segundo os antigos, esses vinhos eram feitos com uvas bem maduras, ressecadas ao sol, o mosto acrescido de água do mar. Diz-se ainda que essa água precisava ser “colhida” longe da costa e cerca de 70 dias antes.
Enfim, há toda uma receita a ser seguida.
E esta não é a primeira vez na história moderna que alguém utiliza essa “receita”. O intrépido Hervé Durand, proprietário da vinícola Mas de Tourelles, no Rhône, sobre uma antiga aldeia Galo-Romana, vem se dedicando a “recriar” alguns vinhos da antiguidade há cerca de 20 anos.
Artefatos antigos na vinícola Mas de Tourelles que são utilizados na produção até hoje
Além de técnicas modernas que ele utiliza para produzir seus Syrah e outras variedades populares, Durand recria uma série de tradições romanas com três vinhos bastante singulares, o Mulsum (com adição de mel e especiarias), o Carenum (com mosto fervido com marmelos, criando um xarope de uva) e o Turriculae, onde, entre outras coisas entra água do mar na composição.
A experiência portuguesa, como se vê, é mais recente. Ela começou quando o genial Dirk Niepoort, proprietário da vinícola Niepoort, conheceu a técnica em uma conversa com produtores tradicionais do Açores e convenceu dois amigos, Anna Jorgensen, da Cortes de Cima, e Anselmo Mendes, a experimentarem a técnica.
“Foi um desafio lançado pelo Dirk”, aponta Anna.
Ela diz que decidiu fazer o experimento com a casta Loureiro proveniente de um vinhedo próximo ao atlântico, na Costa Vicentina, distante apenas 2 quilômetros do oceano.
“A água foi coletada na mesma manhã que as respetivas uvas de Loureiro também foram”, conta. O mosto decantou a frio por 24 horas e depois foi trasfegado parte para cubas de aço inox e parte para barricas francesas de 500 litros.
Nesta fase a água do mar foi adicionada ao vinho que estava na madeira em uma proporção de 1%. O vinho continua estagiando sobre as borras para ganhar aromas e complexidade.
O experimento de Anselmo Mendes foi além e ele adicionou 1%, 5% e 10% de água do mar em tanques de aço de 25.000 litros.
Anna Jorgense, da vinícola Cortes de Cima, uma das produtoras que topou o desafio de utilizar água do mar na vinificação
Após os testes iniciais, os produtores concordaram que as soluções de 5% e 10% não ficaram boas, porém adoraram o sabor da solução com 1% de água salgada.
“Assim como é comum com comida, uma pitada de sal é importante para ‘acordar’ outros sabores”, afirmou Mendes. “Vinho já tem o dulçor das uvas, a acidez da fruta e o amargor dos taninos. Assim, a salinidade é muito benvinda para balancear esses sabores”.
Pela experiência que tiveram, os produtores afirmam que as técnicas antigas têm muito ainda a ensinar para os enólogos hoje.
Apesar de a ideia dos ancestrais ao acrescentar água do mar provavelmente era a preservação e durabilidade da bebida, o foco atualmente não é esse. “Antigos produtores de vinho nos mostram que podemos nos inspirar em suas ideias e produzir vinhos melhores até nos dias de hoje”, conclui Anselmo Mendes.
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