Destilado português de uva, a Bagaceira, surge dos restos da vinificação e tem papel importante na história da aguardente brasileira
Redação Publicado em 15/10/2022, às 10h45
A bagaceira é feita a partir da destilação do mosto fermentado das partes sólidas da uva, como cascas, sementes e até mesmo cachos. Ou seja, enquanto o vinho é o mosto fermentado da polpa da uva, a bagaceira utiliza todo o resto para produzir a bebida destilada.
Essas estruturas, têm em seu interior, óleos essenciais que dão à bagaceira aromas e sabores típicos que são muito apreciados.
Apesar de não muito consumida por aqui, a bagaceira pode ser considerada um dos pais da cachaça. Foi graças ao know-how português que as primeiras destilarias de cana-de-açúcar foram instaladas no Brasil. As inicialmente conhecidas como “casas de cozer méis”, logo se multiplicaram produzindo açúcar e rapadura.
Em 1756, o rei de Portugal, Dom José I, resolveu taxar a nova bebida inventada no Brasil, tornando a cachaça em uma das maiores fontes de impostos para a coroa portuguesa. A sede do reino passava por dificuldades após o grande terremoto de Lisboa que ocorreu no ano anterior e utilizou o dinheiro arrecadado para reconstruir a capital.
Com o passar do tempo, a cachaça passou a ser mal vista e até proibida pela Coroa. Porém, esse movimento saiu pela culatra e a bebida se tornou um dos símbolos da independência do Brasil que se vingou na mesma moeda, proibindo o destilado português no país.
Tanto que na região nordeste do país o termo “bagaceira” ganhou a conotação de “coisa ruim” e logo se espalhou para o resto do país. O retorno do destilado português ao Brasil só ocorreu entre as décadas de 1930 e 1950 e, mais tarde, em 1992, quando da abertura das importações que vigora até hoje.
Das marcas importadas, a que mais se destacou foi a produzida pela família Macieira, fundada em 1865 pelo patriarca José Guilherme Macieira. Naquele tempo, as relações culturais entre Portugal e França eram muito estreitas e as visitas dos filhos das famílias endinheiradas àquele país eram frequentes.
O filho de José Guilherme Macieira visitou a região de Cognac e tomou gosto pela produção da bebida. José Maria Macieira convenceu seu pai a produzir, em Portugal, uma bebida com as mesmas características.
Em 1885, vinte anos após a fundação da empresa, o Brandy Macieira passou a ser produzido na Vila de Bombarral, coração da Estremadura, e lançado no mercado português. Foi a primeira vez que a aguardente vínica recebeu um outro nome para o mesmo tipo de produto e fez com que ganhasse reconhecimento mundial pela qualidade final e pelo termo Brandy.
O Macieira teve ainda dois grandes apreciadores, o poeta português Fernando Pessoa e o escritor brasileiro Jorge Amado. Nos anos 1980, Amado, sempre que visitava Portugal, recebia uma caixa com garrafas de Macieira original do produtor.
Nesse tempo, Macieira era produzida no Brasil e a qualidade era obviamente diferente. Hoje em dia, somente a produzida em Portugal é comercializada por aqui.
Outro produtor tradicional de aguardente vínica é a Aveleda, empresa que, há mais de três séculos, é dirigida pela mesma família. Ela é líder de mercado na região dos Vinhos Verdes e têm seus vinhos em mais de 90 países.
A Adega Velha produzida pela Aveleda tem a seu favor a utilização dos Vinhos Verdes, que têm maior acidez e produzem excelentes aguardentes, tanto bagaceiras como vínicas. Ela tem uma cor âmbar, buquê complexo e harmonioso de flores silvestres com um toque de madeira nobre.
Mas é bom lembrar que a grande variedade das castas portuguesas permite elaborar aguardentes e bagaceiras com aspectos diferenciados, capazes de satisfazer gostos muito diferentes apesar da pouca divulgação e consumo no Brasil.