O ano de 2024 começou com a chegada das primeiras uvas nas vinícolas do sul do Brasil
Silvia Mascella Publicado em 05/01/2024, às 08h00
A lona molhada do caminhão da foto acima quase resume o desafio dos vitivinicultores do Rio Grande do Sul para a safra 2024. Choveu no inverno, choveu na primavera, choveu na brotação e está chovendo no verão, até mesmo com granizo em algumas regiões.
Depois de alguns anos sequenciais muito bons, que permitiram que as vinícolas trabalhassem com matéria prima excelente e pudessem fazer grandes vinhos, neste ano o clima impôs a sua marca. "Já esperávamos por isso. Os anos mais secos que o fenômeno La Niña nos proporcionou (até com estresse hídrico em alguns lugares) estão sendo substituídos pelo El Niño, que traz um regime de chuvas mais intenso e prolongado", explica o enólogo Ricardo Morari, presidente da Associação Brasileira de Enologia.
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Ricardo Morari, que chefia uma equipe de enologia da cooperativa Garibaldi, contou para ADEGA que a condição climática do momento é desafiadora no RS, que trabalha com a vinicultura tradicional de colheita de verão: "O manejo dos vinhedos ficou ainda mais importante, para garantir que mesmo com uma quebra de produção as uvas tenham qualidade para atender as necessidades das empresas e o paladar dos consumidores", diz Ricardo. Mas ele também avisa que ainda é muito cedo para saber como será exatamente toda a safra, pois há meses pela frente. Na Campanha Gaúcha, por exemplo, a safra ainda nem começou.
"A safra por aqui começou 15 dias mais cedo do que de costume, com a colheita da Chardonnay, que nós esperávamos que pudesse ficar ainda mais alguns dias no vinhedo, mas colhemos mesmo assim pois a escolha deve ser sempre pela sanidade da uva", conta o enólogo Guilherme Fornasier, da Vinícola Terraças, na Serra Gaúcha. Guiherme explica que, de agora até março, é trabalho duro e com o espírito preparado para tudo o que vier, uma vez que a planta quase não sentiu o (pouco) inverno, brotou precocemente e passou por períodos de calor e alta umidade: "O cuidado no vinhedo é total, pois essas condições favorecem o aparecimento de doenças fúngicas. Em alguns casos adiantamos a colheita, pois é melhor ter a uva um pouco menos madura mas completamente sã para fazer bons vinhos", aponta o enólogo
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Mas nem todo mundo fará vinhos neste ano, é o que conta o enólogo e produtor Jorge Fin, cuja vinícola está localizada no oeste do RS, na região das Missões. "Tenho amigos na Serra e por aqui que não farão vinhos nesta safra, tiveram uma quebra de quase metade da produção por conta do clima", conta Jorge. Na sua vinícola a colheita também está adiantada, mas algumas uvas resistiram bem aos desafios do clima. A híbrida Lorena foi uma delas e a vinícola irá colher sua primeira safra de uva Viognier nos próximos dias.
O volume de uvas deve cair, embora os enólogos ainda não saibam dizer qual a porcentagem dessa quebra em relação aos últimos anos. O Rio Grande do Sul responde por mais de 80% da produção de vinhos do país e todas a regiões produtoras do estado foram afetadas (em maior ou menor grau) pelas condições climáticas. "Devemos ter vinhos sadios e longevos, pois já temos conhecimento e tecnologia para fazê-los. Mas eles devem ser também um pouco menos alcoólicos e talvez os brancos tenham menor carga aromática", especula Guilherme Fornasier. E Ricardo Morari completa dizendo que em anos como este, é que são colocados à prova todos os conhecimentos e tecnologia acumulados em décadas fazendo vinhos e estudando do campo até a cantina, para obter os melhores produtos.