Os passos para que você possa verdadeiramente apreciar um vinho e dicas para você degustar como um profissional
Vanessa Sobral e Arnaldo Grizzo Publicado em 01/06/2015, às 12h00 - Atualizado em 10/01/2023, às 18h55
Quem nunca viu de perto uma degustação (profissional) de vinho na vida, costuma ficar um pouco perplexo.
Para começar, são diversas taças servidas ao mesmo tempo. E, diferentemente de um jantar entre amigos, os avaliadores levam a tarefa a sério, quase sem conversar, mantendo a concentração ao máximo nos líquidos que estão provando. Eles também não engolem a bebida, mas, sim, as cospem em recipientes próprios.
Sobre a mesa, nada mais do que as taças, jarras de água, pedaços de pão ou bolacha (água e sal), guardanapos, canetas e bloquinhos de notas. São horas e horas sentados provando uma sequência de vinhos que parece infindável.
Presenciar essa cena geralmente faz com que os enófilos abandonem por completo aquela ideia romântica de que os avaliadores de vinho possuem o melhor emprego do mundo. Não que realizar essas provas seja ruim, longe disso, mas, nesse caso, definitivamente não há espaço para o glamour que as pessoas imaginam.
No entanto, observar de perto uma degustação é uma maneira excelente de aprender os truques que esses profissionais usam para avaliar os vinhos, percebendo e apreciando todas as suas nuances. Confira então algumas dicas para que você possa desfrutar de um vinho e não somente ingeri-lo.
Para realmente degustar um vinho, você precisa, primeiramente, dar atenção ao que está provando. Lembre-se que uma degustação envolve obrigatoriamente três sentidos: visão, olfato e paladar. E os três são de suma importância para que se possa depreender o máximo da bebida.
Antes, porém, de partir para as etapas de degustação, vale a pena tentar proporcionar o melhor ambiente possível para uma boa avaliação (mesmo que ela não seja profissional).
Primeiramente, precisa-se de taças de cristal de qualidade. Boa parte dos concursos geralmente usa um modelo padrão conhecido por ISO, que é uma taça baixa, de bojo médio e boca fechada, em que são servidos todos os vinhos. Você, obviamente, não precisa disso. Basta uma boa taça e tudo bem. Mas lembre-se de que, caso vá degustar mais de um vinho, o ideal é que você tenha taças iguais para todos. Recipientes diferentes podem alterar a percepção da bebida.
Outro ponto importante a ressaltar é evitar usar perfume e mesmo desodorantes com cheiros fortes, pois eles podem comprometer a avaliação. Da mesma forma, se você estiver em um restaurante, é interessante ficar distante da cozinha, evitando os cheiros que vêm de lá.
E, para que não haja interferência nos sabores, você deve acompanhar a degustação apenas com água e pedaços de pão ou bolachas de água e sal (para limpar a boca entre um vinho e outro se assim preferir).
Uma boa iluminação também é interessante para poder observar bem o cromatismo da bebida.
Outro detalhe: capriche na higiene bucal. Em sua língua, encontra-se um mar de receptores microscópicos que detectam cada sabor e sensação, por isso, elimine qualquer resíduo que esteja obstruindo o seu caminho.
Estar hidratado também é importante para o bom desempenho dos receptores, tanto olfativos quanto gustativos.
Não se condene por começar julgando pela aparência. Só de observar um vinho você pode depreender muitos detalhes que farão a diferença na hora de provar. Portanto, não apresse essa etapa. Observe o líquido cuidadosamente e tente notar algumas coisas que não são necessariamente regras, mas que induzem a um caminho que pode ser comprovado ou não depois no olfato e no paladar.
Com no máximo um quarto da taça preenchida, segure pela haste e observe a limpidez versus turbidez.
Se encontrou um vinho límpido e brilhante, ótimo. Agora, se ele está turvo, com partículas em suspensão, isso pode indicar um problema, mas também pode dizer apenas que a bebida não passou por processo de filtragem, o que é perfeitamente aceitável, principalmente entre produtores naturais. Alguns depósitos também podem ser encontrados no fundo da garrafa, o que representa um sinal normal de envelhecimento.
Se estiver degustando um espumante, não deixe de apreciar o perlage. Borbulhas profusas e pequenas tendem a indicar uma melhor qualidade. Com o passar dos anos, porém, tende-se a formar menos bolhas.
Em seguida, meça a intensidade da cor olhando através do líquido e verificando se é possível enxergar o seu próprio dedo por trás da taça. Quanto mais denso o tinto, a tendência é de que o vinho seja mais jovem e mais extraído, provavelmente vindo de regiões quentes, ou então de uma variedade mais potente em cor como Cabernet Sauvignon, Tannat, Petit Verdot etc. Por outro lado, um vinho mais translúcido pode indicar uma região mais fria assim como uma variedade mais leve em cor como Pinot Noir, Nebbiolo, Gamay etc, ou então certo grau de envelhecimento.
Fechando essa primeira fase, vamos avaliar a tonalidade. No caso dos brancos, deve variar entre quase transparente, passando por dourado e podendo chegar até o castanho. Os rosés ficam entre o rosa, salmão e laranja. Os tintos vão do púrpura vivo, clareando para rubi até chegar na cor do tijolo. O tom do vinho nos dá boas dicas de sua idade. Lembrando que brancos concentram a cor com o passar dos anos, enquanto os tintos vão ficando mais pálidos.
Com a taça ligeiramente inclinada, observe o dégradé que se forma entre a borda e o centro do vinho. Os tintos velhos perdem a cor na borda. Por fim, retorne a taça para a posição vertical e note as lágrimas que se formam em suas paredes internas quando o líquido escorre. Quanto mais grossas e consistentes, maior o teor de álcool e glicerina.
“Cerejas e ameixas maduras envoltas por notas florais, terrosas, tostadas e de especiarias doces, além de toques de couro, de alcaçuz, de tabaco e de ervas secas”. Você já deve ter se perguntado como é que os avaliadores de vinho encontram tantos aromas durante uma degustação.
Será que isso tem a ver com mediunidade ou mutação genética? Será que os críticos são superdotados, com olfato e paladar hiperdesenvolvidos? Muito improvável.
Mas então, como é que é possível sentir tantos aromas em uma taça enquanto muitos só conseguem sentir cheiro de álcool? Não é um mito que pessoas têm diferentes níveis de sensibilidade, contudo, o conhecimento técnico e a prática permitem que todos sejam capazes de compreender e avaliar um vinho.
Então, chegamos ao capítulo mais importante e empírico na arte de degustar. O olfato é o mais primitivo dos nossos sentidos e, ao que parece, é também o que mais acessa o nosso banco de memórias, localizado no lobo temporal do cérebro. O aroma de um vinho é capaz de nos provocar as mais diversas sensações: pode nos envolver e nos fazer desejá-lo loucamente, mas também pode nos criar aversão, repulsa, tanto pelo infortúnio de estar estragado ou simplesmente por não ser capaz de criar empatia com a nossa alma.
Aproxime seu nariz da bebida e inale profundamente, à princípio com a taça estática. Sinta a intensidade do perfume e o que está mais evidente. Confie nessa primeira impressão, pois ela é genuína, ou seja, ainda não está sob influência do nosso poder de análise, que ocorre no lobo parietal.
Agora passe a girar a taça, o que aumentará a superfície de contato do líquido com o ar e agitará suas moléculas e, então, cheire novamente. Perceba como aumentou sua percepção em relação aos aromas iniciais. Um vinho especial deverá desenvolver aromas cada vez mais interessantes no decorrer de alguns minutos em taça.
Dica importante: cheiro de papelão molhado, esmalte, enxofre ou vinagre são indicativos de defeitos.
A sensação de um aroma do vinho é desencadeada por um mistura complexa de moléculas de diversas classes químicas, entre elas os ésteres, principais responsáveis pelas analogias que fazemos com as frutas. Essas analogias são feitas com base no nosso histórico de conhecimento e associação. O vinho possui mais de quinhentos componentes voláteis, daí a diversidade de descritores que podemos usar para contar nossas impressões sobre essa multifacetada bebida.
Duas atitudes são fundamentais para que você consiga fazer as associações entre as moléculas volatizadas e os descritores do vinho: a primeira delas é reforçar o seu banco de dados, ou seja, a sua memória olfativa. Para isso, crie o hábito de cheirar alimentos e também alguns dos mais comuns elementos usados pelos críticos de vinho, como flores, couro, madeira, tabaco, grama. A abrangência de referências disponíveis é a grande diferença entre um degustador experiente e um iniciante.
Outra coisa é ter à mão uma tabela completa de todos os possíveis descritores, divididos por grupos como frutas, flores, vegetais, minerais etc. Os grupos também podem estar divididos em aromas primários (da própria uva), secundário (resultantes do processo de fermentação) e terciários (provenientes de rearranjos moleculares ocorridos no envelhecimento, ou mesmo da barrica em que foi armazenado – por exemplo, aromas de coco, baunilha e outras especiarias). Apenas evite se viciar nessa tabela. O ideal é que você não fique procurando pelos cheiros, mas sim aceite o aroma que surgir.
Lembrando que, se o líquido estiver muito gelado, talvez você não sinta cheiro algum. Se estiver muito quente, talvez sinta o álcool muito pronunciadamente e isso vai atrapalhar a percepção de outros compostos.
Aromas de baunilha, coco, fumaça e tostados tendem a indicar uma passagem importante dos tintos por barricas de carvalho, assim como tons amanteigados nos brancos. Se notar cheiros de couro, café, frutas secas etc, eles costumam indicar já certo grau de envelhecimento dos vinhos. Se os aromas frutados forem para o lado das compotas e geleias, isso pode indicar vinhos mais extraídos ou de lugares quentes.
Vale ressaltar que algumas variedades de uvas são famosas por aromas característicos, como o pimentão, bastante encontrado na Cabernet Sauvignon e Carménère. O Sauvignon Blanc, por exemplo, costuma apresentar tons herbáceos que lembram aspargos e grama cortada. Já o cheiro de fermento de pão é típico de espumantes feitos em método tradicional. A casta portuguesa Touriga Nacional, por sua vez, tende a ter uma violeta quase que inconfundível.
Depois de provar, lembre-se de fazer o “exame de fundo de copo”, quando ele estiver inteiramente vazio, aspirando novamente. Os grandes vinhos deixam resquícios de um odor maravilhoso, concentrado e com enorme persistência.
Agora, coloque um pouco de vinho na boca, sinta a temperatura e passeie com ele de modo que tenha contato com toda a superfície da língua, gengivas e bochechas. Com o líquido ainda na boca, aspire um pouquinho de ar. Isso ajuda a liberar mais moléculas voláteis que irão atingir a parte mais elevada da cavidade nasal, também repleta de receptores.
Fique atento ao peso e à textura do líquido, se é leve como água ou denso e sedoso como um licor. Na ponta da língua podemos sentir se o vinho é doce ou nem tanto; nas laterais, percebe-se a acidez, traduzida em leves agulhadinhas; e, na parte posterior, nota-se o álcool e os taninos, que criam uma sensação rugosa também percebida nas gengivas e bochechas. A harmonia entre essas sensações nos faz classificar um vinho como equilibrado.
Depois de engolir – ou cuspir, se estiver em um evento ou degustação profissional –, preste atenção se a boca ficou seca, adstringente, o que confirma a tanicidade da bebida, ou se gerou muita saliva, indicando alta acidez. A sensação de calor ou queimação é geralmente provocada por níveis elevados de álcool e a persistência do sabor em sua boca por um longo período se traduz em qualidade. Não vá para o próximo gole imediatamente. Espere que as sensações da bebida aflorem no fundo da boca.
Quanto mais essas sensações durarem ou mudarem com o tempo, mais interessante o vinho e a isso se costuma nomear como complexidade.
Vinhos de alta acidez costumam ter corpo mais leve e também podem indicar uma procedência de regiões frias. A combinação de alta acidez e taninos muito potentes pode indicar vinhos muito jovens e com potencial de guarda. Apesar de os métodos enológicos influenciarem determinantemente nos taninos e na acidez de um vinho, há variedades conhecidas por seu alto grau de tanicidade como Tannat, Baga, Nebbiolo, Sangiovese etc.
Degustadores experientes, com o tempo, são capazes até mesmo de perceber de onde vêm os taninos e a acidez da bebida, se são naturais da uva ou provenientes do estágio em barricas, ou mesmo acrescidos enologicamente. Mas, para isso, são necessários anos de prática e conhecimento técnico.
A próxima pergunta é: este vinho está muito jovem, está pronto para beber ou já está velho demais? Tanino muito áspero e falta de complexidade aromática são aspectos comuns da imaturidade. Em contrapartida, a perda dos sabores frutados e aromas de oxidação são sinais de que o vinho já passou do ponto.
Ao final de toda essa epopeia, você terá plenas condições de arriscar um palpite quanto à qualidade do vinho que degustou. Fazer anotações do maior número possível de impressões sobre o rótulo que está sendo provado deve ser uma prática constante no cotidiano de quem quer se tornar um bom degustador, mesmo que não profissional.
Esse exercício ajuda muito na concentração durante a avaliação e também na memorização. Aos poucos, você irá desenvolver a sua própria linguagem de degustação e ser capaz de avaliar e julgar um vinho.
Ao seguir essas dicas, você pode até não se tornar um expert, mas pelo menos saberá como extrair o melhor do seu vinho, bem como entenderá por que gostou ou não gostou e, enfim, conseguirá conversar a respeito disso com outras pessoas, sem medo.
*Texto foi originalmente publicado na edição 116 da Revista ADEGA, de junho de 2015, e republicado após atualização