Madeira pode ser ferramenta para suavizar a bebida e incorporar aromas
Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan Publicado em 15/12/2019, às 17h00
Gosta de madeira? Então você certamente vai se interessar por uma lista de estilos de vinho que ganham importantes aportes em sua passagem por carvalho
Se até pouco tempo atrás a madeira (ou melhor, o uso de barricas de carvalho) era vista como um dos trunfos para se ter um grande vinho, atualmente seu papel já é visto com mais cautela por enólogos. No entanto, ninguém discute que o uso do carvalho na produção tem sua finalidade e, quando bem utilizado, traz ótimos resultados.
O preconceito que alguns hoje apresentam em relação à madeira deve-se muito ao exagero da “época de ouro de Parker”, quando muitos produtores, na ânsia de agradar os críticos (não somente Robert Parker), acabaram pesando a mão na madeira. No entanto, antes mesmo de o famoso crítico norte-americano se tornar uma referência, muitos vinhos já estagiavam longos períodos em carvalho. Basta lembrar de clássicos como os bordaleses, os Brunello di Montalcino, os vinhos Reserva de Rioja e Ribera del Duero, entre outros. Em diversas denominações de origem, o estágio mínimo em carvalho é regulamentado e, em algumas, as leis apontam até mesmo o tipo de madeira a ser usada. No entanto, o uso da madeira não está restrito ao amadurecimento de um vinho e ao aporte de aromas terciários (que podem vir do envelhecimento em madeira). Ela pode aparecer em outras fases da elaboração dependendo do estilo que o produtor quer dar ao vinho.
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Deve-se pensar na madeira como uma ferramenta. Há quem use o estágio em carvalho para “suavizar” o vinho, outros para incorporar aromas, sabores e outras características, outros para oxidá-lo de forma controlada, outros ainda apenas para guardar a bebida por longo tempo. E para cada uma dessas intenções, usa-se um tipo diferente de madeira, seja de origens diferentes, seja de tostados diferentes, seja de barricas de diferentes tamanhos etc. Os que querem fazer com que o vinho obtenha mais aporte de seu estágio em madeira costumam usar barricas novas e pequenas de carvalho mais poroso, por exemplo. Já quem pretende apenas dar notas mais delicadas tende a optar por barricas maiores e/ou usadas. Os barris podem ser usados tanto na fermentação alcoólica, quanto na malolática, ou no envelhecimento e, em cada etapa, a madeira pode aportar características distintas ao vinho. Sendo assim, para quem gosta das diferentes notas que o uso do carvalho pode dar a um vinho, ADEGA selecionou 10 estilos em que a utilização da madeira é tradicional e configura uma das principais características para a formação da bebida.
São vários os estilos de Vinho do Porto e todos eles passam por estágios importantes em madeira – na maioria dos casos, em cascos ou pipas (recipientes grandes, geralmente de mais de 600 litros). Os de estilo Tawny, por exemplo, podem passar décadas envelhecendo e, com isso, além de ganhar notas da madeira, eles também oxidam com o passar do tempo (perde-se, em média, 2% do volume da bebida por ano), perdendo cor, tornando-se âmbar, daí o nome Tawny. É essa combinação entre a oxidação controlada e os aportes da madeira que dão a eles as características tão apreciadas, como aromas de frutos secos e em compota, notas medicinais e de cascas de cítricos, entre outras. Já os Vintage, por sua vez, não podem passar mais de dois anos e meio estagiando em cascos, quando são prontamente engarrafados para que daí sim possam ou não envelhecer por décadas em garrafa dependendo do que busca o consumidor.
Em algumas denominações de origem espanholas, o envelhecimento em barricas de carvalho é completamente regulamentado. Uma delas é em Ribera del Duero. Lá, até a classificação dos vinhos é determinada pelo tempo de passagem por madeira. Começa-se então do Joven (menos de 12 meses em barricas), passando para o Crianza (mínimo de um ano em carvalho), depois para o Reserva (também estágio mínimo de 12 meses, mas mais prolongado no geral entre barrica e garrafa), até chegar ao Gran Reserva (com mínimo de dois anos em carvalho). Os grandes vinhos de Ribera são famosos por sua potência, estrutura, tanto em boca quanto no olfato, muito graças à madeira, que além de aportar notas tostadas, de tabaco e de especiarias, permite que os taninos sejam polimerizados lentamente, proporcionando vinhos mais precisos, integrados e de textura mais sedosa.
A denominação de origem Barolo diz que o vinho local, produzido com a casta Nebbiolo, só pode ir ao mercado após, no mínimo, 38 meses de amadurecimento, sendo que 18 necessariamente em barris de carvalho. Nos anos 1970 e 1980, houve até controvérsia entre os produtores locais, que se dividiram entre “tradicionalistas” e “modernistas”, sendo que esse último grupo aderiu ao envelhecimento em barricas de carvalho novas para ajudar a suavizar mais rapidamente os taninos dos vinhos. Aliás, o aprimoramento das técnicas de vinificação aliado a um maior conhecimento do uso da madeira possibilita atualmente que os Barolo consigam ser apreciados quando jovens e também tenham capacidade de envelhecer, o que no século passado era impensável devidos aos taninos marcantes característicos dessa nobre cepa.
Os diferentes tipos de Jerez são determinados pelas transformações pelas quais os vinhos passam nos barris. Aliás, toda a parte do envelhecimento em madeira é determinado e o sistema é conhecido como solera, em que os barris são colocados uns sobre os outros e, de tempos em tempos, um pouco do vinho (mais jovem) dos de cima passa para os de baixo (mais velhos e oxidados). Os estilos Fino, Amontillado e Oloroso são definidos de acordo com seus estágios. O primeiro envelhece sob o “véu de flor” (camada de leveduras mortas que impedem que o vinho oxide), o segundo passa parte de seu estágio sob o véu e parte oxidando e o terceiro é pensado para passar por um estágio oxidativo. Cada um desses estilos oferece paletas aromáticas e gustativas distintas, todas de muita complexidade, o que talvez explique o retorno com força do Jerez em seus estilos digamos “mais nobres” entre os aficionados, conhecedores e sommeliers. Sem contar na grande capacidade de harmonização desses vinhos devido sua untuosidade e pungente acidez.
Os famosos Brunello di Montalcino só podem ser lançados no mercado depois de, no mínimo, cinco anos de sua safra. Nesse período, a denominação de origem exige que o vinho fique, pelo menos, dois anos em carvalho e quatro meses em garrafa. Muitos dos grandes produtores envelhecem seus vinhos por cerca de três anos, geralmente em carvalho da Eslavônia (região da Croácia), seguindo uma tradição criada por Ferruccio Biondi Santi, dito “pai de Brunello”. Assim, como no caso dos Barolo, os Brunello atualmente podem ser apreciados tanto jovens como envelhecidos, devido ao avanço nas técnicas de vinificação e também na maior compreensão do uso dos diversos tamanhos de recipientes de carvalho, tendo produtores somente usando barricas francesas em sua elaboração, outros fazendo um mix e os mais “tradicionais” respeitando as técnicas originais de produção, utilizando somente botti.
Montrachet, Meursault, Corton... Alguns dos brancos mais famosos e caros do mundo são borgonheses e possuem algumas características em comum: são feitos de Chardonnay e passam por estágio importante em barricas. A madeira ajuda a lhes dar os aromas mais ricos, geralmente notas florais, de camomila, de manteiga e de especiarias doces, entre outras, além de aportar mais volume de boca e maior sensação de cremosidade, a estrutura mais encorpada, que são suas características tão apreciadas. Obviamente que esse estilo de Chardonnay barricado se espalhou pelo mundo, com grandes exemplares em todos os cantos do planeta, desde os excelentes Chardonnay do Piemonte até os exemplares famosos da Califórnia.
Um dos estágios pelos quais o vinho da Ilha da Madeira pode passar chama-se “Canteiro”. Dessa forma, eles são envelhecidos em cascos, normalmente em locais altos dos armazéns onde as temperaturas são mais elevadas, por, no mínimo, dois anos. É um envelhecimento oxidativo que ajuda a desenvolver características de aromas intensos e complexos. Os Vinhos Madeira tendem a envelhecer por longuíssimos períodos, alguns por séculos. Tanto os exemplares mais secos quanto os mais doces mostram quase sempre acidez vibrante e muita untuosidade, tornando-os, assim como os Jerez, muito versáteis em termos de harmonização. Quem já provou um Madeira de mais de cem anos jamais esquece essas características.
8 - Rioja
Segundo o conselho regulador de Rioja, os vinhos locais devem ser envelhecidos em barricas de 225 litros. Assim como em Ribera del Duero, a classificação segue uma ordem de acordo com o tempo de estágio do vinho em madeira e garrafa. O Joven, por exemplo, passa menos de um ano em carvalho. Os Crianza e Reserva, passam, no mínimo, um ano em barris (o que muda é o tempo total de estágio mínimo antes de serem lançados). E, por fim, os Gran Reserva ficam pelo menos dois anos em madeira e três em garrafa antes de irem ao mercado. A passagem por barricas é tão tradicional na região que o conselho regulador até a conta, dizendo que há 1.266.154 delas atualmente. Quando bem elaborados, tanto brancos, tintos e, às vezes, rosados (quem já provou um Tondonia Rosé sabe disso) são vinhos muito longevos, podendo durar por décadas.
A tradição de Chianti diz que os vinhos locais são envelhecidos em botti, grandes recipientes de madeira. Os Chianti Classico Riserva (categoria superior) devem passar por pelo menos 24 meses de envelhecimento, sendo apenas três em garrafa. Já a recente classificação Chianti Classico Gran Selezione prevê período de envelhecimento de 30 meses, com também três meses em garrafa. Nos últimos anos, há um esforço para recolocar a região de Chianti Classico no lugar de onde nunca deveria ter saído e a criação da categoria Gran Selezione faz parte dessa intenção. Apesar de polêmica no início, vem mostrando resultados consideráveis, tendo os melhores exemplares da zona qualidade equivalente aos vizinhos e rivais Brunello.
Falando de aporte de madeira nos vinhos, não podemos nos esquecer de Bordeaux. Pode-se dizer que foi graças aos vinhos bordaleses, especialmente os Grand Cru do Médoc, que algumas técnicas – desde cultivo até vinifi cação – espalharam-se pelo mundo. Com o tempo e a qualidade adquirida pelos seus vinhos, Bordeaux consagrou o uso das barricas, seja para fermentação, seja para estágio. O uso das barricas sempre foi tão comum na região que o formato de 225 litros, por exemplo, é conhecido como barrica bordalesa.
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